quinta-feira, outubro 30, 2008

O Fiscal de Linha

Por vezes, quando estou bem disposto, e bem com toda a gente, acontece-me deparar, para infelicidade pessoal, com um fiscal de linha.

Explico. Quando bem disposto, gosto de conversar. Mesmo com desconhecidos. E tenho a grande vantagem pessoal de, creio para mim, tratar toda a gente por igual. Mas por vezes, envolto nesse prazer, começo a falar com alguém que não deixa a conversa correr, a bloqueia, a deixa cair do seu lado. E eu volto a tentar, e esse alguém volta boicotar a ponte. São casos raros, emocionalmente amorfos - mas acontecem.

Ontem aconteceu-me justamente isso, num qualquer café, de uma qualquer cidade portuguesa. A senhora alentejana que me servira o bolo, simplesmente, estava-se a borrifar pela minha curiosidade e interesse nas tradições da sua região. Eu discorria sobre as ervas - de aplicação insuperável no Alentejo - e ela nem poejo nem hortelã. Eu recordava a sopa de cação - engenho supremo! - que nem cação continha, mas ela não me dispensava peixe, sopa, ou resposta. Lá comi com uma amiga a fatia de bolo, ela a aperceber-se daquela... perfeita má-educação.

A dita senhora agiu assim como um fiscal de linha: cortou todo o entusiasmo. Eu estava feliz, a celebrar um golo (ou um bolo) e ela disse que não. Eu estava de bem, e ela indicou falta - de esperteza. Eu nem estava fora-de-jogo, mas ela arrefeceu todo o encontro. O remate era belíssimo, pleno de técnica (quantas pessoas da minha idade falam assim de culinária alentejana?), mas ela mantinha a bandeira hirta - eu nem devia sequer ter rematado. A beleza do remate, a minha felicidade e a das bancadas era-lhe indiferente. Havia as regras do jogo, e as regras de não incomodar as outras pessoas.

São pessoas como estas que fazem condenar tratarmos todos de igual forma. De não deixarmos de fora pessoas, de não nos rirmos, com quem não faça parte do nosso círculo.

Curiosamente - e como que por arte divina - vem ficar ao meu lado no balcão um personagem pseudo-famoso, pseudo-político, e pseudo-comentador, que pontifica na nossa pseudo-televisão. E não é que a mesma senhora, tão refractária comigo, se abriu em mimos? E não é que, de súbito, havia vontade de charlar nela?

Há pessoas que só se regem pela 'realpolitik' da vida. Pela hierarquia, pelo primário, pela lei do mais forte. Eu nunca fiz isso. Não foi a minha escola.

Uma escola de tolos neste mundo real, alguns dirão. E com razão. Mas foi a minha. E vai ser preciso mais que esta senhora para a esquecer. Já nem é ingenuidade ou romantismo - é tão somente teimosia.