sexta-feira, novembro 09, 2007

Self-Respect

Hoje, ao usar a casa-de-banho (calma, nenhum mal daqui virá), lembrei-me do que alguém tinha dito sobre o lavar das mãos: o homem que respeita os outros lava as mãos depois do acto, o homem que se respeita a si mesmo lava-as antes.

(The Far Side®, by Gary Larson)

Elogio da Privacidade

A ler, em absoluto, este brilhante artigo de Pacheco Pereira. Fundamental para todas as pessoas da minha geração. Eu constato, in loco, exactamente o que ele escreve.

"Este caminho é cada vez mais trilhado, está-se a tornar normal este assalto à intimidade e à privacidade. (...) E o pior ainda está para vir, porque, no plano mais vasto da educação cívica, estamos a gerar uma juventude que cada vez menos preza a privacidade e a intimidade. Os milhares de jovens que se expõem na Rede, nos blogues, nos sítios "sociais", que usam o telemóvel como instrumento de controlo, que aceitam com absoluta normalidade que este tenha uma câmara de vídeo, ou um localizador de GPS que permita a outrem saber sempre onde se está, crescem sem prezar o seu espaço íntimo e privado."

Há, na minha geração, uma espécie de bandalheira generalizada em grande parte do que diz respeito à intimidade. Faz parte da juventude, poder-se-á dizer. Mas é preciso um cuidado extremo. Nem todos os jovens são "jovens" - aliás, são talvez cada vez menos, nessa definição idílica.

Mas voltando à intimidade, note-se a referência aos blogues. Eu, já escrevi antes no Generosità, sempre parti de um princípio: por mais que eu tente conter o blog a um círculo de amigos, pela dinâmica das redes, ele acabará sempre por ser lido por quem não me interessa. Daí as 3 regras de ouro:
  1. Por mais intimista que possam parecer os meus posts, nada neles revelo que seja comprometedor, nem se publicarão fotos dos seus autores
  2. Não comento os meus posts com quem quer que seja. Eles vêm assinados Pedro Duarte desde o dia 1, e há uma razão para que assim seja. Os meus amigos que perdoem, com eles falarei sim - ainda com a reserva de direito ao silêncio
  3. O blog não terá caixas de comentários, que possam ser usadas por quem insinue algo, por quem relacione com algum aspecto da nossa personalidade um post, por quem acuse sob a capa do anonimato. E, acreditem, tenho pena dos interessantes comentários de amigos que nunca chegarei a ler (e que estariam em clara maioria em relação aos anteriores, sei-o bem)
De resto, este é um blog humilde, e não pretende despertar muita atenção - não é um instrumento de poder, só uma "carolice". Ainda assim, estas regras são necessárias.

Partamos da premissa: a privacidade é um bem absoluto. Faz parte de um princípio de dignidade do ser humano que eu não admito seja posto em causa. Sobretudo por esses falsos "nacionais-porreiros", esses "tens-que-ser-cá-dá-malta", com discurso delico-doce e aparentemente inocente, sempre a pensar em mais que uma coisa ao mesmo tempo, sempre a pensar no mesmo. Ah, essa aparente serenidade, esse som da flauta a entreter a serpente... Como se eu não conhecesse isso de cor... Depois chamem-me bruto e mal-educado, que eu vivo muito mal com isso.

quinta-feira, novembro 08, 2007

A Friabilidade do Amor


"- Mas, querido, pensa bem…

- Não… Não há controle de qualidade possível. Fomos um fluxograma de produção, chegámos ao momento final.
- Mas não… Deve haver uma outra forma farmacêutica de resolver as coisas.
- Receio bem que não. Não teria estabilidade. Nem uniformidade de amor. Não fomos feitos para estar juntos – tu és hidrófoba, eu hidrófilo.

- Talvez uma emulsão…

- Não, não te emulsiones. Eu sei que é duro. Mas se tu prensares bem, verás que é o método mais correcto.

- Prometes que levigarás?

- Não sei. Senti-me muitas vezes um manipulado ao longo dos últimos dias. Por mais que o ocultemos da luz, o belo princípio activo que tivemos será degradado.

- Não vás…
- Desculpa, miúda. Sabes que fazíamos um grande efeito terapêutico juntos. Mas os outros exciupientes não ajudavam."

(Folias de farmacêutico... Eu culpo o tempo.)

Mulher Portuguesa

Sou um ser curioso. Gosto de saber o que se passa fora do ambiente por vezes intoxicante do nosso país. E junto-lhe curiosidade pelas coisas mais básicas e belas da vida. Donde, confesso, tenho curiosidade pelo feminino.

Eis porque, na boa tradição lusitana, me encantava a mulher espanhola (catalã, pelo tempo que lá passei - na Catalunha, suas mentes perversas), francesa, argentina, brasileira. Arrisco dizer que o encanto pela italiana é mais poderoso e profundo, e durará muito mais tempo. Não é mero “tuguismo” que o anima. Mas, realmente, ando numa fase parva em que a mulher portuguesa me parece insuperável. A sério, tinha pior ideia de nós. Não só delas, de nós, homens, também. Pensava que beleza era luxo de outros países. Por cá havia “gira”, havia “querida”, havia… bom, havia características muito interessantes para fazer vida em conjunto, havia diversão – mas lá fora a beleza era mais antiga. Porque, simplesmente, lá fora havia mais tradição de os egos se libertarem. Por cá andávamos ainda vergastados por uma ditadura, e pela eterna pequenez do país.

Mas, a certa altura, a maré mudou. Atribuo a mudança a vários factores. Nomeadamente, à expansão extraordinária do audivisual, com Cabo e Internet, e mais oportunidades e situações para descobrir os “topo da cadeia alimentar” do burgo. Depois veio o advento das revistas masculinas – nem sou grande fã, mas os ensaios sensuais (?) têm vindo a banalizar-se. Qualquer dia não é inconcebível uma Playboy portuguesa. E depois há outro factor importante, muito chato. Vivemos tempos de grande insegurança e magras referências. A dúvida acompanha o café de muito português e portuguesa. Quando não sentimentos piores. Nessas alturas a sociedade tende a olhar para si mesma á procura de valores, para se refrescar. E a beleza (para o talento há menos paciência – excepto se for futebolístico) é um valor sempre bem cotado, ajuda a esquecer problemas. Em tempos de cerrar fileiras, a curiosidade e o risco pelo externo é menor. No limiar “better the devil we know than the devil we don’t”.

Mas pretendo invocar todas as referências menos as diabólicas para este post. Que se pretende, antes de mais, de elogio sincero à mulher portuguesa, no seu melhor – gira, segura, feminina, querida, inteligente, delicada. Inebriante, entusiasmante. Sempre lhe fui atento, mas, ou eu estou menos selecto, ou há mais miúdas giras a valer. Na biblioteca, no metro, na noite, “dappertutto” como dizem os italianos (melhor – as italianas). Sou grande fã, não haja dúvida. Mais jogador de campo ou mais treinador de bancada? Só o tempo o dirá. Honesto - sempre. E, em última análise, fiel companheiro ou fingidor convertido a outros perfumes, tenho orgulho em um dia ter escrito este poema. Fica agora por saber até que ponto é que este estranho diletante é interessante aos olhos delas. Respeito as leis de mercado, e, antes de mais, o livre arbítrio. Qualquer que seja o veredicto, eu desenrasco-me - tenho essa convicção.

Mas sinto-me em paz com a mulher portuguesa, acho-a fantástica. E nós, homens, na vida, temos que decidir se ficamos com pena de não conhecer mais – ou com vontade de conhecer mais. A curiosidade existe em ambas as partes. É só preciso o golpe de asa.

Da Segurança

Em casa onde não hã pão todos ralham e ninguém tem razão. A insegurança provoca o desassossego, ultrapassam-se barreiras em folias e derrames de alma nunca antes concebidos. Às vezes, mesmo em casas com tanto pão, se ralha tanto, e escasseia tanto a razão. Ah, esse “comboio de corda a entreter a razão” – nunca saberemos quanto dependemos dele…

É absolutamente necessária na nossa vida a segurança. A sensação de que o chão nos vai fugir sobre os pés, que estamos no trapézio sem rede pode originar actos de grandiloquente heroísmo – mas mais vezes gera stress, dor, angústia, mágoas. É muito preocupante ver as pessoas a empobrecer – muito preocupante. Lá em casa passam-se cenas difíceis de enquadrar. Lá em casa a sensação de insegurança – real ou passada por contágio (porque se torna epidémica) pressiona as pessoas. Há pagamentos a fazer, gente que não paga, dinheiro que não chega ou parece que não chega, o Estado que não funciona, as pessoas que não cumprem, o Sócrates que é um hipócrita, o Santana que é vergonhoso, o Menezes que não me parece, os jovens que se divertem na decadência, os adultos que já também. “Fartar vilanagem”. Resta o futebol e a desesperada esperança, nunca se sabe bem em quê.

Razão tinha Maslow quando colocava a segurança na base da sua pirâmide de necessidades. Para um povo psicologicamente volúvel, a sensação de insegurança – mesmo se pura ficção – é fatal. O pior é que, se se não tem cuidado, ainda vem aí outro desses “fortes reis” da nossa história, que fazem forte a “fraca gente”, como dizia Afonso de Albuquerque. Ou então, completando o dito, anda uma “forte gente” a ser feita fraca por um “fraco rei".

Housebroken

Um amigo sugeriu-me fazer um churrasco em minha casa. Disse-lhe que, embora eu gostasse, não podia ser. Não tenho esse género de flexibilidade em casa – tudo é controlado e agendado pela minha mãe e “entourage”. “Pedro, não pode ser – tens que a habituar” – à minha mãe – “A minha também era assim, mas tenho vindo a mudar as coisas. Não pode ser”. Tem razão. Quer dizer, eu percebo e elogio o planeamento que vai cá por casa (casa de formigas, não de cigarras…), mas, realmente, é demasiado para uma certa lusa flexibilidade. É como se tivéssemos de, com o tempo, habituar as pessoas a padrões mais relaxados – mais baixos. Será necessário baixar – e aproveito para fazer a extrapolação a outros domínios – as expectativas dos nossos pais? Passe a exagerada comparação, será como os cachorrinhos? Custa tanto, tanto “educá-los” – mas, afinal, é para o bem deles.

Bom Entendedor

Senti-me ofendido com uma pessoa por algo que eu soube ter dito há alguns dias. Ontem falámos e, num mero pormenor de conversa, ela pediu desculpa – tinha-se enganado. Não insisto no tema, não desenvolvo. Não relevo o começo nem celebro o fim. Percebo o tanto que significa essa nota na conversa. Aceito, desculpo, sigo em frente. Não se abordará mais o tema. Nem, realmente, eu tinha mudado antes o meu comportamento em relação a essa pessoa.

Não tenho temperamento para remoer mais as coisas, para ser irrazoável. Se me pedem desculpa, mesmo tão subtilmente, eu aceito, sem mais. Contas saldadas. Pratos limpos. “Tabula rasa”. Só não abdico da satisfação interior, do orgulho tácito de “bom entendedor”.

Club Morgadio

Dou comigo a constatar um facto curioso: a maior parte dos meus melhores amigos são irmãos mais velhos. E, estranhamente, os nossos irmãos mais novos têm traços comuns. São uns chatos, nomeadamente. Mas como explicar esta “supra”-irmandade de morgadios?

Vejamos. Já o tenho aqui escrito antes – acho que o povo português é extraordinariamente gregário. É certo que a última palavra dos Lusíadas é “inveja”. Mas, se reparamos, a inveja é talvez o pecado mortal que mais depende do outro. Quer dizer que somos muito atentos aos outros portugueses. Nesse caso, para o mal. Mas, quem sabe, também para o bem. Arriscaríamos dizer que por cá a quantidade de pessoas que “sente qualidade de vida sem que os outros em seu redor a tenham também” seja menor que nos outros países? Tema a desenvolver no futuro, se tiver a sorte de ser vivido o suficiente para fundamentar uma opinião.

Retiro o fundamental, já em forma de afirmação: somos um povo muito gregário (a solidão, quando é portuguesa, é realmente cruel). Diria mesmo que, em certos aspectos somos doentiamente gregários. E se o nosso background familiar, primeira estrutura gregária, nos definir ainda mais que aquilo que pensamos? Não somente os nossos pais e a nossa classe social – também os irmãos que temos. Se somos irmão mais velho, mais novo, do meio. Se temos irmão, irmã, etc. Ou se não temos - os filhos únicos têm a fama notória de serem mimados, por estarem sós.

Lembro-me de ler algures (numa fonte credível) que um estudo recente concluía que são os nossos irmãos o factor fundamental na nossa personalidade. Espero não me enganar – e pretendo procurar uma referência para incluir neste post. Será assim, realmente? Serão tão importantes os nossos irmãos? Aquilo em que eu, definitivamente, aposto, é que muito daquilo que são as nossas vidas é determinado bastante cedo - “It´s surprising how soon the dice are cast”. E esse pode ser um factor a considerar.

Afinal, quem sabe se essa noção de fado, como destino inevitável, não vem exactamente de uma tão simples razão como quais as pessoas com quem estamos nos primeiros anos das nossas vidas, e que crescem connosco? O destino decorre da natureza - mas a nossa natureza pode ser muito menos “nossa” que aquilo que cremos.

Pecado Original 21


Laetitia Casta. Eis finalmente neste blog a "Marianne" da República Francesa. Lembro-me de quando o seu nome surgiu, o seu corpo surgiu, a sua personalidade se impôs. Atreveu-se naquele então a desafiar as malsãs formas magras, vigentes nas passerelles, e tem mantido uma imagem de grande tranquilidade, inteligência e feminilidade.

A sua sensualidade é absolutamente natural, epidérmica - respira-se a todo o segundo, não requer esforço, nem pretende insinuar mais que esse estar bem consigo mesma. Casta é a mulher francesa no seu melhor. Assim sim, poderíamos falar da "grandeur da la France".

A Viragem aos 50

É cruel a natureza na sua inevitabilidade. Vejo perfeitamente que, em homens e mulheres, virar aos 50 é assunto problemático.

No outro dia fui a um congresso político com o meu pai. Pessoalmente, dispenso-os – fui arrastado. De entre a fauna do dito falámos com um alto quadro de uma empresa de construção de topo, que tinha ocupado lugar num governo daquele partido, e com um, julgo eu, membro da Junta ou da Câmara (que não era a do seu partido) de concelho obscuro. Um exemplo de cada extremo da cadeia alimentar, portanto. Arregimentámo-nos os quatro, e a certa altura fomos comer algo a um café próximo. Aí chegados, esperámos por um lugar no balcão, onde pautavam 3 raparigas, algures entre o normal e o vistoso, mas a que eu até nem prestara atenção. Eis quando começam eles a olhar, a cobiçar, a imaginar, e a libertar esse fantasma falando:

“Olha-me aquele **”

“Ah, tu só vês ***. És mesmo engenheiro – segmentas” [risos]

“Tchiii… Eh pah, as gajas agora andam cada vez mais boas.”

“Eu só queria ser como aqueles gajos que se casam com uma mulher rica. Só têm que *****!”

“Eh pah, eu se me ******* já ficava contente.”

E continuou a douta conversa. Eu estava surpreendido e duplamente envergonhado. Surpreendido porque apenas nos conhecíamos há pouco tempo – é normal os homens “avacalharem”, mas que pelo menos se conheçam, que mesmo o “avacalhar” tem limites e regras. Envergonhado porque trabalho com raparigas daquelas todos os dias, e sentia (parvamente?) que estava ali a trair alguém se participasse nesse “avacalhar” precoce. Não sou nenhum santo, mas também não me lembro de falar assim delas, vindo do nada. Envergonhado também porque eles deviam esperar que um “gajo jovem” como eu (?) pegasse logo na deixa – sentia-me a não respeitar também uma certa “solidariedade masculina”. Optei por elas (tenho feito muito essa opção, desgraçadamente), e aguentei como pude a bronca. A opinião com que de mim ficarem, que a guardem, por favor.

Também a propósito da publicação de “Rio das Flores”, o segundo romance de Miguel Sousa Tavares, perguntavam ao autor porque insistia ele em tão vívidas descrições do prazer da mesa e do sexo. “São as duas coisas que os homens mais gostam de comer”, respondeu nestes moldes MST. O jornalista: “Isto vai ficar na entrevista”. “Desde que não seja no título…”.

Mesmo os meus professores na universidade, nos últimos anos, quando homens, têm todos matizes de perverso interesse pelas alunas (que assinalam olhando bovinamente para lugares cirúrgicos). Como eu costumo dizer, na minha universidade todos os alunos são tratados por igual – desde que tenham seios.Assustam-me estas crises de meia-idade. Eu não quero ser como eles. Um conselho aos amigos contemporâneos – vivam e experimentem agora, conheçam pessoas, provem sabores – e escolham bem. Não passem por estas fases mais tarde na vida.

Eu não conheço as estatísticas, mas aposto que muitos divórcios ocorrem dos 45 aos 55. Deve ser o período “prova de fogo” de um casamento. Se o casal a conseguir superar, suponho que a partir daí a viagem decorre sem grandes sobressaltos.

Voltar a Repicar Esses Discos



Para mim, o mais interessante (e totalmente esquecido) tema de Sam the Kid. Homenagem a Carlos Paredes - Movimentos Perpétuos.

Parabéns!

Foi há 418 posts atrás. Foi há uma ano e sete dias (lembro-me sempre em atraso dos aniversários...), exactamente, que nasceu o Generosità. Filho de uma curiosidade insana e uma disciplina de indisciplinado, este blog resistiu. Nao era suposto estar cá mais que 2, 3 semanas. Era um prematuro, todos o sabíamos. Seria difícil resistir. Mas conseguiu. Tem medrado saudavelmente, vejo-o viçoso e orgulho-me dele. É só um pequeno sonho, só um pequeno registo da espuma dos dias, a par com alguns tragos de profundidade. E tem alguns leitores mais que os próprios autores. Quem diria... Estamos, pois, de parabéns, Edu, PGuerra e eu. Estamos de parabéns.

Espero que continue como registo dos nossos dias, das nossas opiniões. Espero que continue como registo dos nossos tempos. Daqui a outros tempos, quem sabe, quereremos reler esses registos.

A Redenção do Castiço

Não encontro mais fácil alívio de quaisquer problemas da vida que a doce contemplação do nosso castiço. Sim, o castiço português – não tanto o “tuga”. O “tuga” é mais urbano onde o “castiço” é mais campesino. Sem sequer o saber definir mais que por uma frase que fica no ouvido, uma face engraçada, uma situação caricata, acho-o extraordinariamente redentor. Traz em mim, galopante, a gargalhada de infância que se pretende recalcada. O “castiço”, no fundo, é tudo aquilo que só poderia – definitivamente – ser português. É inocente, familiar, engraçado – nosso.

Tanto nos esquecemos do "castiço" nestes nossos tempos ditados pela Imagem, pelos factóides internacionais traduzidos, por ansiedades prenhas de nadas. Talvez não fosse mau lembrarmo-nos dele uma vez ou outra. Faz parte da nossa alma, por muito que não gostemos de o admitir, - e nunca se pode viver muito tempo sem alma.


Bon Chic, Bon Genre

Uma das coisas que me chateia na minha geração é não saber – ou pelo menos não querer – vestir-se bem. Vejo trinta “gajos” com uma T-shirt sobre calças de ganga largas e ténis também relaxados. Mesmo a camisola estendida ao ombro (ao estilo campino), é mimetizado à exaustão.

É na diferença que está a beleza da vida. Senhores: experimentem variar aquilo que vestem. Arrisquem que tal possa traduzir algum aspecto da vossa personalidade (sim – por detrás desse “na boa” está também algum medo). Vistam-se bem. Inovem, combinem. Pessoalmente, adoro ver raparigas, mulheres, bem vestidas. É certo, adoro ver raparigas, mulheres em geral. Mas elas, quando se vestem bem, tocam o céu. E gosto do desafio que são homens bem vestidos – “onde é que ele arranjou aquela gravata?”, “pensava que aqueles sapatos seriam horríveis, mas realmente…”, “nunca tinha pensado nesta combinação”, etc.

Eu, confesso-o, já tive uma fase pseudo-intelectual-não-ligo-ao-estilo, (chegava a usar e abusar de ténis inomináveis). Depois, andava (e ando) de metro, onde o estilo é bem mais apreciado – mas por piores razões. Tenho, contudo, feito um esforço nos últimos tempos – e posso dizer que estou bastante satisfeito com essa atitude. Também gosto (muito) de estar mais confortável, em ténis e ganga (fiquemos por essa definição de relax) – mas há a regra e a excepção. E é a regra que dá mais sabor á excepção.

Acho que vestir bem faz parte de um esforço de sociabilidade, de expressão mas também de respeito pelos outros. Aquilo que vestimos também pode ser usado para dizer “presente”, mas definindo os nossos limites, dando aos outros sinais das linhas que não devem atravessar. Lanço aqui o meu apelo. Acreditem, as pessoas bem vestidas dão sal aos nossos dias.

Atribuo algum desleixo indumentário ao período menos bom que o país vive. Lembro-me de ler um artigo numa revista do DN há algum tempo em que se recordava o cavaquismo (quando as coisas estão complicadas, as pessoas tendem a regressar ao tempo onde foram – ou pensam que foram – felizes). Dizia Fernando Lima, “pastor alemão” (sem qualquer tipo de ofensa) de Cavaco na sua relação com a imprensa (e hoje novamente em Belém) que notou os tempos a mudar quando uma das selecções jovens começou a ir para o aeroporto, para os estágios, vestida a rigor. Jovens, portanto, a representar o país com dignidade. Quem sabe seriam os campeões em Quatar e Lisboa. Talvez esse pequeno pormenor ajude ao surgir de novos tempos, que precisam de vir. Ou então, pelo menos, seja sinal deles, quando vierem. Estou, isso sim, certo de uma coisa - vou gostar de ver.

terça-feira, novembro 06, 2007

Do Instinto

Se faz parte de crescer perder alguma vergonha - porque percebemos que, se o nao fizermos, podemos perder coisas bem mais importantes - é preciso sabedoria na mudança. É preciso nao mudar tanto que nos nao reconheçamos. É preciso que nao nos deslumbremos com essa liberdade da "idade adulta". É preciso que, aceitando os outros, escutemos ainda a nossa inteligência no juízo que deles fazemos. É preciso que, se somos dotados de instinto, da percepçao inconsciente das coisas, nao o abandonemos. O instinto é um mecanismo de defesa muito poderoso - e tem uma importante razao de existir. Perceber, por pormenores que os demais nao distinguem, tendências e verdades que se escondem, é algo precioso demais para, como novo-rico da vida, deitar fora só por se estar "milionário" de liberdade adulta.

Da Vergonha (2)

(Este post pretende secundar o post "Do Pudor", embora eu ache que há uma ligeira diferença entre vergonha e pudor: o pudor é mais bem algo que nos limita na actividade, na interacçao com os outros; a vergonha estará mais próxima da culpa interior - é um sentimento mais íntimo e primordial, também mais passivo e introspectivo. O pudor é apenas uma vergonha socialmente exigível, nao tem que ser sincero - a vergonha surge, inescapável, quando respondemos a nós mesmos, à nossa consciência).

Faz parte de crescer, faz parte de podermos defendermo-nos a nós mesmos o perder a vergonha que nos tolhe. Por tanto que nos custe (e custa tanto, tanto), é necessário. Talvez o problema seja que, perdendo alguma da nossa vergonha, perdemos também alguma ingenuidade, inocência, atributo especial, quem sabe um talento que nunca chegamos a desenvolver - com que nunca nos comprometemos verdadeiramente. Um dia mais tarde dizemos "eu até tinha jeito para aquilo, mas acabei por nao me dedicar". Que pena. O problema é que se alguns nao escolherem dedicarem-se, como sociedade nao passamos da cepa torta.

Ser adulto é uma opçao - nem todos a fazem, e todas as escolhas sao possíveis em sociedade. É preciso muito cuidado ao deixar aquela criança... Vemo-nos obrigados (e começamos a querer) fazer coisas que ela talvez nao aprovaria. Mas tem de ser, um dia. Tem de ser. Nao podemos mais brincar como crianças no mundo dos homens. Demasiados perigos lá fora para inocentes contemplativos. É que, por mais geniais que possam ser, poucos os reconhecem - e ainda menos os protegem.