sexta-feira, novembro 07, 2008

Sistema Nervoso (Demasiado) Simpático I

Eu não tenho acções na bolsa, mas sofro com as suas descidas. Eu não estou 'inserido' laboralmente, mas preocupa-me o mercado laboral. Eu não trabalho nas empresas dos outros, mas gostava muito que andassem bem, sobrevivessem, melhorassem. Eu ainda não ganhei um tostão, mas estou atento a quanto se recebe, e onde se gasta.

Eu não sou americano, mas vivi as eleições americanas, desde há muitos dias antes da vitória final. Se necessário, nem gasto gasolina - mas sofro com os preços do petróleo. Eu não cometi nenhum crime. Mas sofro com o facto de serem cometidos.

Eu não tenho nada a ganhar com a política, mas preocupa-me que seja tomada por oportunistas. Eu (quase) não pago impostos, mas sofro pelas pessoas que pagam. E pelo seu dinheiro - conquistado a custo, com esforço, tempo, às vezes mesmo saúde, embolsado por ladrões em estruturas, de fato.

É este o problema de querer sentir o mundo a todo o momento. É este o problema de ter um sistema nervoso simpático, demasiada e penosamente simpático - para com o mundo.

Deficíl

A propósito do último 'Zé Carlos', dos Gato Fedorento, há uma parte da 'entrevista' a Manuela Ferreira Leite, em que ele faz notar o 'piqueno' dela em vez do mais comum 'pequeno'.

É que eu já andava para aqui publicar a constatação das minhas origens sociais, realmente, pouco presumidas. É que eu digo 'pequeno' em vez de 'piqueno'. E 'difícil' em vez de 'deficíl'.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Momentos 6

António olhava para Graciete, e Graciete olhava para António. Não sabiam como explicar o facto de terem desaparecido todos os filhoses que estavam naquele tabuleiro, sobre a mesa da cozinha. E o barulho do ‘Migas’, o seu gato, dormindo a sono solto com o ventre dilatado, ali perto, não ajudava à sua concentração.

Não foi senão daí a alguns minutos que tudo se conjugou nas suas mentes.

Momentos 5

Tinham ambos ficado com aquela estranha sensação do ‘eu conheço aquela cara de algum lado’. Tomando alguns segundos para a dúvida continuaram, porém, os seus assuntos. Curiosamente, tanto Dr. Jekill como Mr. Hyde detestavam essa irritante impressão. Tinham essa característica em comum.

Momentos 4

Naquele corredor vivia-se um ‘stand-off’ à maneira do Velho Oeste. De um lado o Dr. Antunes, do outro o Dr. Lopes. Longo o corredor, e vazio, disputariam janelas, fotocopiadoras, cactos. Olhariam para os papeís que tinham em mao mais que uma vez. Em desespero, até para o relógio. Perderia o desafio aquele que que olhasse o outro primeiro. Que nao aguentasse, e primeiro deixasse escapar o ‘tudo bem?’. Dependendo da distância do disparo, poderia ser fatal – se o outro nao respondesse. Era preciso manter a calma até ao ponto certo. Era duro aquele corredor, e já haviam perecido vários em frente àquela máquina de água. Era duro aquele corredor.

Momentos 3

‘- O que é que estão estes cérebros em cima da mesa a fazer? E aqueles membros dispersos?! Foi assim que eu te eduquei? Olha para essa bata toda suja! Parece que vives nas barracas! E aqueles projectos, aqueles papéis? Quero tudo aquilo arrumado antes de jantar! Que pocilga, este laboratório. Parece que só estás bem entre a confusão! O que é que estás a fazer? Um monstro? E já foste aos Correios como te tinha pedido? Não fazes nada de útil!... Olha para esta desarrumação.’

Por sorte, o criador do Frankenstein não teve uma mãe portuguesa. Ou o desespero tê-lo-ia impedido de completar a sua criação.

Momentos 2

Ela era uma senhora à maneira antiga. Tomava chá, nunca café. Lia, e não incorria em televisão. Levantava-se cedo, e deitava-se cedo também. Achava ‘horrível’ muita coisa, criticava o mundo com a sua empregada. Gostava de ter os cristais bem dispostos na prateleira. E achava que se aprendia ‘imenso’ com as crónicas do Arq. Saraiva na Tabu.

A Bitola

Estava a pensar como gosto de mandar os meus ‘bitaites’ sobre Economia, embora saiba que – pela talvez pequena razão de ignorar quase tudo dessa Ciência – não me deveria pronunciar.

Mas, quer dizer... isso não impede o António Peres Metello, pois não?

Frei Tomás

Facto curioso esse, de em Portugal termos alguns belos espécimes de liberal que é professor universitário a soldo do contribuinte numa universidade pública. Facto curioso, deveras. Nada tenho contra os liberais, reparem: só contra a incoerência.

Higiénico, Vivaz e Ecuménico, Mas... O Sonhador Certo?

Como disse num post anterior, Obama é um presidente higiénico, vivaz e ecuménico.

Não pretendo - e apesar do poema anterior - que me rotulem de 'obamista'. Demasiado cauteloso, permaneço no 'wait and see'.

E, por isso, vou desde já lançar-vos uma primeira questão. É lícito que se considere o 'sonho americano' chegar à Casa Branca? Ou o sonho americano é, antes, de realização pessoal, em termos de riqueza, de performance, de deixar nome, de ser lembrado? De ser milionário, cientista famoso, médico, etc.?

É que um posto de chefia como 'sonho' é algo de ligeiramente diferente. Mesmo na representação do povo.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Game Over, New Deal

E pronto. 'Game over, Bush.'

Vitória de Obama que entusiasma o mundo. Que faz 'tabula rasa' - de tal forma é o oposto de Bush (negro - ou mestiço, se preferirem - multi-racial, com um QI assinalável, passou pelo 'mundo de baixo', e tem origens africanas - e mesmo islâmicas). Dois pólos.

A mudança é tao grande que, naturalmente, só pode, como dizia Nuno Rogeiro, por o conta-quilómetros do táxi 'bode expiatório' a zeros. E acaba um período. Uma era de vazio, ao contrário do que tantos pensavam.

Antes de mais, uma era de vazio de valores:


[1]. A legitimidade de um líder.

Decorre da primeira figura de uma naçao, de um sociedade, que tenha legitimidade para a governar. Antes de mais, legitimidade democrática, é certo. Mas também legitimidade pessoal. Por exemplo, não convém a um preguiçoso defender as virtudes do trabalho. Da mesma forma, alguém que manda uma geração para a guerra deveria, no mínimo talvez, não se ter escusado a um guerra que tivesse tocado à sua geração. Como fez Bush. Num mundo correcto, teria sido McCain a liderar a guerra no Iraque - cujos frutos ainda é cedo para apurar - porque poucos políticos teriam a sua legitimidade. Mas eu ainda me lembro da minha estupefacção ao ver McCain, um herói com todas as letras, preterido em 2000 por um homem algo estranho, com pouco brilho, de um país onde a inteligência, naquela altura, pelo progresso científico avassalador (na Biologia, sobretudo, estávamos ainda a sair da revolução na Genética), impressionava. Quer dizer, para nós que estávamos à espera da universidade nada havia no mundo como o meio universitário americano. Era ali que o magma fluía. E, no entanto, surgia aquele homem, de uma simplicidade nem sequer inteiramente genuína. Quase um menino folgazão, que, no caso português, teria pertencido à Associação de Estudantes, praxado e bebido Super Bock ao pequeno-almoço, depois se aninhando nas empresas do pai, para agora ir liderar o país. E falam eles do Santana Lopes.

Mais tarde eu daria algum crédito a Bush. E a História pode com ele ser muito mais benevolente que aquilo que nós somos, agora. A invasão do Iraque, malgrado outras motivações, pode criar um tampão muito importante na região. Como dizia o Pacheco Pereira, essa devia ter sido a motivação desde o primeiro momento.

E, não só Bush valia mais que aquilo que eu cria (embora eu nunca tenha sido fã dele, já naquele então, em 2000, eu apreciava McCain particularmente, houve outra coisa que com ele se tornou mais óbvio: é que o presidente, a figura cimeira é muitas vezes meramente instrumental. Eu pensava, na minha ignorância, que tinha que ser uma grande pessoa. Ainda mais numa grande nação, como a americana. Mas... afinal não era assim. Havia uma série de gente a pensar a vida da sociedade, ideólogos, 'think tanks', etc., pelo que o presidente era mais um pormenor - era instrumento de uma ideologia.

E tudo fazia, enfim, algum sentido. Bush não tinha estatura pessoal para líder. Mas talvez, então, ele estivesse ali como veículo de uma ideologia - conservadora, ou neo-conservadora, se quiserem. Havia algo maior que ele. Um país, uma sociedade, uma política. E isso jogava bem com o facto de ele, para um líder, não ser particularmente orgulhoso ou egocêntrico, mas até acessível.

Era essa então a legitimidade de Bush - impossível a legitimidade pessoal - a de um 'projecto' maior que ele. Mas até essa legitimidade, até esse conjunto de valores iria por água abaixo.


[2]. A legitimidade de um visão política.

Veio a crise financeira no final do seu mandato. Pela cartilha liberal que o tinha guiado antes, Bush teria que ter deixado os bancos falir. Era duro, mas era assim. E as regras são mesmo para cumprir - à maneira 'hard' conservadora. Mas... não foi isso que aconteceu. As circunstâncias impuseram-se aos valores, tudo mudou. Os empresário que tivessem falido antes já não sentiam que viviam num mundo duro, mas justo. Era duro para alguns, e nada mais.

Eis assim como, nunca alcançada a primeira legitimidade, por este pormenor maldito, no final do seu mandato, Bush perdeu essa 'segunda' legitimidade também. E é por isso que hoje sai um homem vergado pelos eventos.


[3]. A legitimidade de uma nação.

Há, no entanto, ainda uma outra, uma 3ª legitimidade que Bush comprometeu: a do seu país como paladino da Civilização Ocidental. Embora seja difícil conter as reacções ao 11 de Setembro, que foi algo sem precedentes, ou mesmo controlar aspectos humanos da guerra, em que todos os demónios se soltam, aquilo que aconteceu em Abu Grahib e Guantánamo, não só colidiu com o sistema de valores ocidental, americano. Não só retira legitimidade ao país em posições de princípio futuras. Mas também, de forma preocupante, pode colocar em perigo soldados americanos em situações futuras. Foi algo da mais extrema gravidade, portanto.

[***]

Apesar de tudo isto, e digam o que disserem, é cedo para julgar correctamente Bush. Ele governou por anos sem precedente. Enfrentou realidades muito complicadas. Falta perceber o seu legado - Voltará a prosperidade do seu tempo? Haverá um dia um Iraque diferente, nação democrática, emancipando toda a região?

Mas agora é o tempo da mudança de tom, com Obama. Há indicações positivas, mas também grandes - grandes - dúvidas. É refrescante, mas o mundo aí anda perigoso. E complicado.

Obama aparece como higiénico, vivaz e ecuménico. Esperemos que tudo lhe corra bem.

segunda-feira, novembro 03, 2008

O Inverno

Não é Inverno, realmente, até termos nas mãos, a perfurmar-nos por completo, o cheiro intenso a laranjas. É aquele fruto que não se prova num instante, mas que antes se saboreia toda a manhã.

domingo, novembro 02, 2008

Avante, Camarada!

Curioso o à-vontade de Jerónimo de Sousa em ultrapassar a fila das outras pessoas que iam ver a estreia de 'Ensaio Sobre a Cegueira' de Saramago, apanhado no CQC.

Bem lhe disse, com a arte de colher o momento, José Pedro Vasconcelos: 'Avante, camarada, avante!'.

Brilhante

Palmas para o melhor comentador da televisão portuguesa. Porque nao acompanho os jornais e a rádio devidamente, hesito em lhe extender a honra. Palmas para a osmose entre a 'inside information' e o 'mainstream'. Na Economia, e na Política.

Palmas para Ricardo Costa, director da Sic Notícias. 'Bang on target' em practicamente tudo o que lhe oiço. Cortante, e sem meias-tintas com ninguém.

Brilhante é a palavra, sejamos generosos. Brilhante.

Santana Lopes: O Comeback Kid

Não é que eu aprecie tudo em Santana Lopes. De todo. Mas estava a rever uma entrevista dele a uma revista Kapa, quando era secretário de Estado. E já entao toda a gente era cortante com ele. Mal-educada, agressiva. A testar os limites... E ele nunca dobrava, nunca dobrou. Nunca lhe deram o respeito mínimo, e ele continuou. Uma resistência que os desafiou, os desafia a todos.

Toda a gente sempre teve um diabinho para despejar nele. Desde cedo tomado como bode expiatório, como bobo da corte. E sempre a voltar, para a estupefacçao deles. É o 'comeback kid'.

E eu, claro, tenho que elogiar isso. Mesmo que como político nao realize, eu elogio isso. Eu percebo isso, caramba. Eu percebo isso muito bem.

Mestre Cardoso

Eu tenho um simpatia especial por Miguel Esteves Cardoso, aka MEC. Porque eu sempre tive esse respeito pela criatividade. E pela inteligência. Deve ter sido um gajo porreiro, o MEC, nos seus tempos.

Leio a entrevista que deu à Sábado. Caramba. Até com os seus excessos simpatizo. Ou com a sua honestidade ao falar deles, talvez mais. Mesmo que nao o acompanhe em todos. Mas tenho os meus. A verdade é sempre um valor, porque custa. E se nao cutasse nao seria um valor. A mentira é a regra, a norma. Muito raramente é a mentira um valor - na excepção de proteger alguém ou algo, pouco mais. Regra geral, é usada para auto-protecçao, e por isso nada vale. A verdade, em oposiçao, nem a nós próprios poupa.

E depois tem frases que eu próprio disse na minha vida. Do nada. Temo bem que a vida possa dar voltas e eu as nao possa cumprir - mas eu disse-as um dia, sim. Disse algo como: 'Eu acredito que há pessoas que sao felizes com pouco. Um pescador com o seu barco de pesca, numa ilha, com a sua família, pode ser feliz, nao precisa de um Cadillac. (...) Agora sou pobre, vivo com pouco.' Ou isto, que se o nao disse ainda, certamente que digo, e penso, que fui, sou ou serei: 'Ganhei muito dinheiro, mas também gastava muito (...) Portanto, nao tinha mais dinheiro do que agora. Quanto mais precisas para viver, mais tens que trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património.' Nem mais.

E depois acaba a entrevista afirmando: 'Eu já fiz o que tinha a fazer. Em novo tinha o máximo de graça que pude. Fiz programas de rádio, um jornal, uma revista, teatro, publicidade, televisão. Hoje tenho 53 anos e uma ansiedade quase adolescente de entrar na idade sábia. Estou como se tivesse entrado na 4ª classe da velhice. A minha ambiçao é ser um sábio e de facto eu sou um gajo que sabe. Quero chegar aos 75 anos e saber tudo. Continuo a brincar, a brincadeira não tem idade. Mas agora quero brincar com coisas mais sérias.'

E eu, que tanto tempo procurei pessoas sábias, que tinha a maturidade de as reconhecer, sem ter avistado muitos desses 'portugueses sábios' na minha formaçao (puro azar, realmente), tenho que conceder a MEC, pela sua obra, e criatividade, esse título.

Que tenha uma longa, sadia e feliz vida, mestre Cardoso.

Pasticchi...

Uma coisa curiosa de uma certa 'italianofilia' é a de ver a nossa televisão inundada por 'pastiche' da tv italiana. Do 'Porta a Porta' de Bruno Vespa nasceu o 'Prós e Contras', do 'I Migliori Anni' de Carlo Conti se fez o 'A Minha Geração', com a irritante Furtado, e, agora, o 'Le Iene' da Tv5 foi convertido no CQC (Caia Quem Caia) da TVI. Este último, incidentalmente, até pode ter pernas para andar - é uma muito melhor cópia (até eu já havia pensado numa cópia lusa desse programa), e eu acho que o José Pedro Vasconcelos tem talento bem superior à média do 'milieu' (é tao bonito saber usar estrangeirismos).

Por o Carrasco em Carrascao

Ele há cadeiras de universidade, sobretudo aquelas à base de cálculos, com que nao é saudável ficar a cismar. Sao assim como o vinho tinto: nao se deve deixar uma pessoa sozinha com aquilo. Tantas vezes, porém, sao justamente aquelas que nos interessa mais dar por terminadas. Poem assim o 'carrasco' académico, no vinho barato, 'carrascao' que sao.