quarta-feira, setembro 12, 2007

Abutres

Foi hoje pagar a primeira mensalidade da faculdade segundo o novo regime de Bolonha. Nem queria acreditar no valor. Aceitou a tarifa como um bovino a dura canga. Educaçao ou puro medo? Nem ele nem niguém o sabe. Mas algo estava errado ali, está sempre errado. Dizem que a Justiça é a mais velha aspiraçao humana. Cuidado, pois.

Lá fora, a figura algo curiosa, de óculos estranhos e cabelo rapado ia entoando para si mesmo uma música antiga em busca do placard. Como era mesmo? Nah, naah, nah, nah, na-nah, nah, nah, naah, nah, naah, nah nah nah... Tinha um suave tinir a vingança planeada.

Como era mesmo? Deixa-me cá perguntar àquela miúda de preto. Aquela além, com os dois amigos.


Omissao

Sejamos claros: os portugueses nao sao grandes pecadores por intençao (os tais brandos costumes). Também os há, mas eu diria que realmente, deve haver um pouco menos de crime violento, de agressao pura, em relaçao a outros países. Nada direi, no entanto, quanto a crimes sexuais.

Mas somos enormes, enormes!, pecadores por omissao. E isso faz realmente a diferença no funcionamento do país. Quantas vezes, perante uma ideia estrangeira, nao sabe desde logo um português: "Aquilo em Portugal nao resulta...". Em Portugal é preciso estar constantemente atento: quando somos prejudicados e injustiçados, somo-lo tantas vezes por demissao do outro. Por um olhar para o lado, por um "fazer-que-nao-sabe".

A natureza humana, convençamo-nos de uma vez por todas, é a mesma aqui, em Portugal. Infelizmente.

terça-feira, setembro 11, 2007

Lembranças de Verao

"Na praia, dois amigos percorrem o areal, pela areia dura, concreta. Os pés, ignorando-o, sao aflorados pelo mar, que refresca. Nao demais - o dia nao é demasiado quente para Agosto. Falam e riem, e continuam falando, o seu olhar desviado somente pelo corpo feminino que passa.

Algum negócio estranho ali se celebra: nao podem olhar ao mesmo tempo para ela(s), quem está mais resguardado deve ceder a vez, nao se deve olhar muito tempo - seria comprometer a vez do amigo. "Às tantas horas" diz um. O outro cessa a conversa, por mais profunda que fosse, e olha, seguindo as regras. Trocam-se as vezes, é feita uma avaliaçao final. Raramente, há alguma euforia inusitada - descoberta de gemas preciosas, que nunca mais aqueles dois verao, menos ainda àquela distância. Passo a passo, riso a riso, sacanice a sacanice, passa-se a manha. Passa-se docemente o Verao.


Nesse momento, exactamente nesse momento, um deles diz somente:
- Às 11h. Muito gira...
Responde o outro, no desassossego de partilhar a descoberta:
- Onde?
- Às 11h.
- De verde?
- Nao, de azul.
- Ah, talvez... Espera. A loirinha?
- Sim.
- Nao, estás enganado.
- Parecia gira.
- Talvez venha a ser. Ainda é muito nova.

À medida que os passos acompanham a conversa, a distância traz a percepçao mais nítida ao primeiro olheiro, e um certo arrependimento:

- Tens razao. Parecia mesmo...
- É, ainda é um bocado nova. Mas olha que quando crescer será gira.
- Pois. Daqui a uns anos já pode, perfeitamente, desprezar-nos.

Há que ter beleza, na idade própria, para desprezar aqueles dois, apesar de tudo. E talvez, sendo a ambos, quem sabe, doa menos. Assim soa, pelo menos, a quem os ouvir rir, ao sol do Verao, no areal duro, concreto.

Lá em cima os corpos estendem-se voluptuosos sobre as toalhas, sobre a areia suave, sem medo do futuro e sem necessidade de caminhar.

O dia está mais quente agora, nao ainda quente demais para Agosto.