sexta-feira, janeiro 02, 2009

AVISO: Blog Em Moratória


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Durante todo o ano de 2009, o Generosità estará em moratória. Foi um projecto que tive o maior prazer em realizar, e que espero retomar em 2010. Sentirei falta de local onde escrever, mas só muito excepcionalmente o retomarei antes do período previsto. Poderá mesmo ter que terminar aqui. Se tal for o caso, não posso deixar de agradecer aos amigos que fizeram questão de o ir visitando.

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quarta-feira, dezembro 31, 2008

Olivus 2008: Jornal/Revista/Colunista

Que não vos iludam estes prémios. O panorama da imprensa portuguesa continua paupérrimo, em crise desde há muito. Cheio de 'enlatados', 'condensados' e 'produtos de marca branca' . Ah, que saudades da 'boa mesa'!...

Melhor Jornal: 'Público', apesar das minhas críticas, e embora não o leia como antes. Parece que a crise económica pode obrigar o jornal a largar toda a gordura que eu desde o princípio critiquei. Quem sabe se eu ainda não ganho na teimosia?

Melhor Revista: novamente, a 'Sábado'. Ainda criativa e irreverente. A 'Visão' melhorou.

Melhor Colunista: vou dar o prémio este ano ao José Pacheco Pereira, uma vez que Miguel Sousa Tavares o ganhou o ano passado (parece que a coisa vai mesmo rodando por estes dois). Mas faço-o sobretudo pela erudição - tenho a mesma opinião que Baptista Bastos: JPP fala muito melhor do que escreve. Nele há sempre este dilema: lucidez e pedagodia na oratória, e uma certa sofreguidão, um ataque de 'bulimia intelectual' nos textos (espaço ou estilo?). Ainda assim, excelente divergência de temas - e incomparável profundidade. Miguel Sousa Tavares - o melhor a clamar quando tal se pede - partilha a melhor prosa com Pedro Mexia, tendo este último talvez a mais consistente 'bagagem' cultural contemporânea, e uma boa divergência de temas. Interessantes sugestões e 'dedo na ferida' de João Pereira Coutinho (incidentalmente, considerado no Brasil um dos, senão mesmo 'o' melhor colunista).

Olivus 2008: Televisão

Apenas duas notas:

'Conta-me Como Foi' teve os melhores desempenhos de toda a ficção nacional, na minha opinião. Miguel Guilherme e Rita Lello mantiveram um nível que me parece inusitado, mesmo se eu tivesse pouco interesse na série em si. 

O melhor telejornal continua a ser o da Sic Notícias, com grande destaque para a condução de Ana Lourenço (de uma ponderação, pequeno domínio do tema e sentido de oportunidade inigualáveis), bem como de Mário Crespo (e basta a menção, porque o sex-appeal simplesmente não é o mesmo).

Olivus 2008: Filme do Ano

Decidi (os estatutos assim o permitem) suprimir o Olivus Award para Música, e converti-o em Filme do Ano. Porquê? - porque, não sendo um cinéfilo propriamente dito, muito menos sou um apreciador refinado de música. Em termos musicais, pertenço à escola: "Don't know much about Art, but I like that!" (aponta para mapa de emergência do museu, pensando que se tratava de um Paula Rego).

Já em termos de cinema, há uma enorme diferença: é exactamente o mesmo, embora eu me atreva a opinar.

Oiçam... o Óscar manda nos prémios dele - e eu mando nos meus.

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Pois bem. De novo deixando piadas, e passando a assuntos sérios, há um filme que merece, 'far and away' o prémio, e refiro-me obviamente ao "Batman: The Dark Knight".


Nada direi da realização, nada direi da produção, nada direi da iluminação (?). Mas facilmente se percebe a qualidade dos actores (estamos a falar de um filme que se dá ao luxo de ter Michael Caine e Morgan Freeman como actores secundários), sobretudo pela suprema (excessiva?) dedicação de Heath Ledger ao papel de Joker.

Quer o admitamos, quer não, o advento da morte de Ledger veio dar ainda mais força artística a este personagem, para o tornar inesquecível. Esperemos que não tenha sido essa a intenção de Ledger - nem mesmo a Arte se sobrepõe à Vida. Pelo contrário - deve celebrá-la. E a sua morte é uma tragédia que nada justificaria.

Assumindo-a embora, acontece que as próprias idiossincrasias de Joker, com a sua cara oculta, parcialmente desfigurada, contribuem para que, na mente do espectador, se suma para sempre Heath Ledger. Substitui-o uma personagem... uma sua obra de Arte. É como se não fosse bem Heath Ledger que faz de Joker, mas outrém. De repente, parece até que não há actor, quase como se um Joker existisse. É como se Ledger tivesse pensado em tudo, e quisesse confundir o antes e o depois, o vivo e o não-vivo - com uma criatura estranha pelo meio.

O enredo do filme, para mais, é bom, por exemplo, na exploração da natureza humana com o dilema da aniquilação mútua (situação dos barcos), mas, sobretudo, no sacrifício de Batman, a sua maldição à clandestinidade para manter, nas pessoas - no 'mainstream' - uma ilusão de esperança. Também de ilusões, de esperanças, vivem as sociedades humanas. E, por entre a racionalidade, o hábito, também dos seus próprios heróis.

Confesso que, tantas vezes, o meu estilo de filme não é mesmo este. Parecia-me ter demasiada acção (no meu caso 'demasiado' é practicamente uma perseguição de carros), demasiado fogo-fátuo por cima de vacuidade do enredo, fluindo com interrupções na qualidade... Grande - grande - surpresa: "Batman: The Dark Knight" 'limpa' tanto os elogios do 'comercial', como do 'intelectual'. E arrisco dizer que, além de filme do ano, tem lugar, necessariamente, numa reflexão sobre o cinema que se fez esta década.

terça-feira, dezembro 30, 2008

Olivus 2008: Livros do Ano

Reparem, como apontou Francisco José Viegas no seu 'A Origem das Espécies', no facto de o 'Ypsílon', suplemento cultural do 'Público', na lista dos melhores livros de 2008, não incluir um único título de Ciência ou Filosofia.

Tendo passado pela lista análoga da 'Actual', do 'Expresso', e reconhecido igualmente pouca não-ficção (creio que também nenhum título de Ciência ou Filosofia) vou, para os meus livros do ano, escolher dois tomos que são, justamente, não-ficção.

Faço-o, antes de mais, pela questão elementar: foram, que me recorde (e do pouco que infelizmente li), os que mais me marcaram. E depois, claro, sempre dou a 'pinta' de ler imenso - seja de ficção ou não-ficção. "Keeping up appearances". É sempre importante.

Os livros pertencem ao mesmo nível de qualidade, estão ex-aquo, apesar da numeração.

1. "Outliers", de Malcom Gladwell


É difícil encontrar uma etiqueta temática para este livro. Psicologia pop? Talvez. Ensaio/ciência sociológica popular? Quem sabe.

Tal como nos seus anteriores 'The Tipping Point' e 'Blink', Malcom Gladwell volta a produzir um livro surpreendente, criativo na abordagem, compilando uma série de factos dignos de nota numa teoria. Acerca de quê?, perguntam vocês - e bem. Pois, acerca de algo que a maior parte das pessoas procura na sua vida: sucesso.

'Outliers' é o termo inglês que se refere ao ponto estatístico que escapa à média. No caso concreto da análise de Gladwell, os casos das pessoas com sucesso nas suas vidas, consensual. Quais são os factores que são comuns a todos os casos especiais, a todas as pessoas brilhantes e que 'conseguiram'? A um Bill Gates, a um atleta, a um cantor famoso, etc.? Nas palavras de Gladwell, qual é a 'ecologia' do sucesso?

Gladwell identifica alguns factores comuns aos conjuntos de casos que apresenta. Alguns muito interessantes, na verdade. Como o 'efeito Mateus' (a partir do episódio bíblico), que ocorre com os atletas - e alunos - nascidos nos primeiros meses do 'cut-off' anual para a segmentação dos grupos. Essas crianças têm maior probabilidade de ter sucesso na sua vida (dado igual componente genética, quantidade de trabalho, etc.), concluiu. Acontece que, nas primeiras idades, uma diferença de poucos meses é muito significativa. Assim, um jogador de futebol, por exemplo, que nasça em Janeiro (supondo que o 'cut-off' de captação é em Janeiro) tem maior probabilidade de evoluir para um profissional do que aquele que nasce em Dezembro. Ocorre aquilo que se chama uma 'self-fulfilling prophecy', ou um 'feedback positivo', uma espécie de 'vitória busca vitória', de tal forma que o menino Aquário - mesmo se não for à partida o melhor, se torna o melhor, em virtude dessa série de sucessos acumulados.

Os factores enumerados, que incluem também (que pena que a cultura de Gladwell não chegue aí...) uma outra versão da célebre frase de Gasset: 'El hombre es él y su circunstancia', seja na oportunidade em termos do tempo histórico para se nascer, seja no contexto cultural que nos marca (sobretudo na mudança desse mesmo contexto, como no caso de um emigrante, ou na vantagem de hábitos antigos em tempos modernos; sobre esta última, uma curiosa reflexão sobre a cultura do arroz no espírito trabalhador do chinês, e no mandarim a conferir vantagem em Matemática).

Sejamos claros: haverá algo no livro que é superficial, seguramente. Mas o caso que Gladwell expõe é suficientemente interessante para ser atentamente lido. É como uma colecção tratada de estudos científicos e livros que apresentam ideias diferentes sobre a realidade, que fazem notícias de jornal - desconexas entre si.

Porquanto haja o perigo de falibilidade de alguns postulados após a sua análise, 'Outliers' suficientemente 'thought-provoking' para merecer este prémio. É criativo, neo-prespectivista (inventei agora, porque eu também posso ser criativo), e está claro, bem escrito o suficiente para que se o leia de uma ponta à outra.

Nota: se bem que publicado recentemente, este livro está já disponível na tradução portuguesa.

2. "The Drunkard's Walk", de Leonard Mlodinow



Muitíssimo mais consistente no seu tema é este livro de Leonard Mlodinow, que trata sobre a aleatoriedade nas nossas vidas. Por mais que pareça conversa de bêbado a sair da taberna (embora não seja daí que venha o título), as nossas vidas são mesmo muito condicionadas por fenómenos aleatórios, e, pior, nós condicionamo-las por fenómenos que a nossa mente crê seguirem um determinado padrão, quando a Ciência pura e dura prova a sua aleatoridade. O grande problema - o de sempre, talvez - é que, enquanto seres humanos, não conseguimos 'funcionar' sem a certeza do controlo - e a nossa sociedade é simplesmente aleatória, complexa demais, para que a possamos inteligir. Não somos nós que não encontramos o padrão - ele simplesmente não existe.

Ninguém quer acreditar nisso, claro. Mas Mlodinow, começando com uma (refrescante, para mim, já que era esse o único tema em Matemática de que eu gostava) revisão sobre Probabiliades e Estatística - um pequeno 'primer' - dá depois exemplos muito consistentes, que abarcam a Medicina, a Justiça, a Finança, mesmo - citando mesmo algumas fontes comuns a Gladwell - o sucesso pessoal, e que expõem a miserável incerteza das nossas vidas neste complexo entorno hodierno.

O livro está bastante bem escrito - é rigoroso, lúcido, como próprio de um cientista - mas igualmente espirituoso. Pessoalmente, achei-o brilhante, e muitíssimo esclarecedor. Afinal, eu sempre tive essa teoria a priori: a sorte, a 'Lady Luck', dá 'nós' no caminho que nunca pensaríamos possível, com a boca cheia de 'trabalho', 'esforço', 'qualidade intrínseca'. Não seria por outra razão que tenho em boa memória filmes como 'Sliding Doors', ou 'Match Point'.

Completo, lúcido, a espaços impressionante. Ainda bem que tive a sorte de comprar este livro.

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Ambos lidos no original inglês, como deve ser; quilometragem em Inglês: 909 páginas.

Olivus 2008: Publicidade

O Olivus deste ano para a publicidade vai para uma singela frase, daquelas que a Sic Radical passa entre programas e anúncios, como se nada fosse, mas que, em sintonia com o estilo ou a razão de ser dessa estação eu achei simplesmente genial. A frase é somente esta: "Não emigres".

Dela se pretende subentender, claro, que a Sic Radical sempre daria umas razões - supostamente pela qualidade da sua programação - para evitar que uma pessoa entre os seus 18 e 30... deixe este país. É brilhante porque capta o 'zeitgeist', o espírito deprimido, sem horizonte, arquitectando seus planos em silêncio, de uma juventude abafada pelo país, que não encontra espaço no país.

Uma nota, ainda assim, para este anúncio da Zon. Eu sei, eu sei. Mas eu sou o tal fã do Rigoletto (e é tão singela e verdadeira a letra: la donna è mobile, deveras), e algum dia já pensei em algo parecido. Portanto... fica a menção honrosa. 


Olivus 2008: Figura do Ano

Voltamos aos Olivus Awards, meus amigos. Começemos com a 'figura' ou 'pessoa' de 2008, porque a 'personalidade' que ganha o prémio, essa já sabem - é mesmo a minha (é lerem as regras se houver dúvida).

Ok. As graçolas ficam por aqui. Vamos lá então a coisas sérias.

I. Internacional:
Barack Obama

Escolha natural, e sê-lo-ia somente pela ruptura cultural, pela página da História que já escreveu. É, com efeito, um político arguto, que parece ponderado na abordagem aos problemas, mas ao mesmo conciliatório, ecuménico. É a sua expectativa, porém - uma vez que da sua acção ainda nada se pode concluir - que vem este prémio. Por todas as razões, vamos esperar que a acção esteja ao nível das expectativas.

2009 vai obrigá-lo a jogar as cartas que aparenta ter na manga. Nesse jogo, de nada adianta dizer que 2009 será aquilo que se espera, ou que a crise ainda vai piorar. A janela de esperança que representa, não só para os EUA, mas também para o mundo, exige-lhe o que prometeu: mudança. Exige-lhe inteligência e criatividade. Exige-lhe resultados.

Mas faço uma ressalva, chamo a vossa atenção a uma curiosidade… “maldosa”. Ei-la: discurso de vitória eleitoral de Obama centrou-se na capacidade de realização do ‘american dream’, partindo do princípio que o seu feito – porquanto histórico – representa, justamente, o ‘american dream’. Ora, eu - se bem que não seja americano - não podia estar em maior desacordo. Na minha concepção histórica o "motivo onírico" americano aplica-se à conquista de riqueza, à conquista intelectual, mas não tanto à conquista de poder.

Um presidente deve ser instrumental, isto é, ser um veículo, permitir aos seus concidadãos usufruirem da possibilidade de se sublimarem, de realizarem esses ‘american dreams’, essas conquistas. O poder, em termos do que é a democracia americana (como exemplar nação democrática), não pode - não deve - estar dissociado do serviço.

Mas enfim, esperemos que ele consiga superar com actos esse ‘faux pas’. Esperemos que sim – para o bem de todos nós. Here’s hoping things work out for you, Mr. Obama.

II. Nacional: Cristiano Ronaldo/Nélson Évora

Parece-me, igualmente, natural a escolha de Cristiano Ronaldo como personalidade nacional, não pelo que faz pela nação propriamente dita, mas antes pelo que nalguma representação nacional faz a nível internacional.

No meio do vazio, da ausência de rumo, tanta vez, que caracteriza a nossa era para muita gente, Ronaldo aparece com uma super-motivação, uma força imparável, uma ambição e realização espantosas. Para muita gente, por ridículo que possa soar, ele aparece um pouco como "vida no vazio", um enigma que apaixona a vida aborrecida, banal, condicionada, cerceada, de tanta gente. Aparece como um motivo do humano. Era melhor que fosse Rembrandt - mas não é assim que as coisas funcionam.

A paixão de Ronaldo pelo futebol, a sua entrega ao jogo, fá-lo um símbolo. No futebol não há chefe, não há dinheiro, não há amor, não há certeza, não há dois jogos iguais. Há só artistas, um parêntesis cénico, uma obra de arte dinâmica e colectiva, um exercício de possibilidade que qualquer ser humano compreende. Por exceder no futebol, por entusiasmar tantas pessoas, Cristiano Ronaldo merece este prémio. A Bola de Ouro é o mero corolário do seu esforço e dedicação. Fez ouvir e ler-se a palavra 'português' - gostemos mais ou menos dele - mais do que qualquer outra pessoa em 2009. E, tendo-o feito por motivos eminentemente positivos, mais que merece esta distinção.

Partilhará, contudo, o troféu que o Generosità, na minha pessoa, lhe oferece, com Nélson Évora, que, talvez mais, alegrou o próprio país. Sobretudo porque foi o único que, confrontado com a maior fasquia, no caso particular, a cumpriu. Disse, ou deixou que muitos dissessem - e fez. 

Para mais, fê-lo na pior situação - quando todos os colegas olímpicos desiludiram na sua meta (excepção feita, notavelmente também, a Vanessa Fernandes), e a crítica devastadora (o atípoda da exaltação esperançosa antes de os atletas entrarem no avião) se acumulava. De tal forma que Évora - actuando mais tarde - foi um 'tudo ou nada' para a missão olímpica portuguesa. Foi a última fronteira para a desilusão e o achincalhar de toda a missão. E ele, sob essa pressão acrescida, foi o tudo, e salvou tudo. Ter conseguido - perante o mundo, perante os portugueses e, também, perante o pessimismo e a desilusão dos portugueses, fazem de Nelson Évora o símbolo do ano, o vencedor português do ano. Daí o prémio, daí os parabéns - que assim exige o nome deste espaço.