sexta-feira, dezembro 07, 2007

Deep

Manhãs de Outono, o céu plúmbeo acima de nós. Um ligeiro quebranto, talvez mesmo um certo nervoso. Nos sentidos, percorrendo todos os sentidos, a música de Leonard Cohen. Que quase nem precisaria de música.




Don't matter if the road is long

Don't matter if it's steep
Don't matter if the moon is gone
And the darkness is complete
Don't matter if we lose our way
It's written that we'll meet
At least, that's what I heard you say
A thousand kisses deep

I loved you when you opened
Like a lily to the heat
You see, I'm just another snowman
Standing in the rain and sleet
Who loved you with his frozen love
His second hand physique
With all he is and all he was
A thousand kisses deep

I know you had to lie to me
I know you had to cheat
You learned it on your father's knee
And at your mother's feet
But did you have to fight your way
Across the burning street
When all our vital interests lay
A thousand kisses deep

I'm turning tricks
I'm getting fixed
I'm back on boogie street
I'd like to quit the business
But I'm in it, so to speak
The thought of you is peaceful
And the file on you complete
Except what I forgot to do
A thousand kisses deep

Don't matter if you're rich and strong
Don't matter if you're weak
Don't matter if you write a song
The nightingales repeat
Don't matter if it's nine to five
Or timeless and unique
You ditch your life to stay alive
A thousand kisses deep

The ponies run
The girls are young
The odds are there to beat
You win a while, and then it's done
Your little winning streak
And summon now to deal with your invincible defeat
You live your life as if it's real
A thousand kisses deep

I hear their voices in the wine
That sometimes did me seek
The band is playing Auld Lang Syne
But the heart will not retreat
There's no forsaking what you love
No existential leap
As witnessed here in time and blood
A thousand kisses deep

quinta-feira, dezembro 06, 2007

O Pódio

Falando da língua portuguesa a uma espanhola, e tendo já lidado com português, francês e italiano, confesso-lhe que, realmente, em termos de dificuldade crescente vamos do espanhol ao italiano, e só então ao português. "Repara que, em Espanha, existe mais que um idioma (castelhano, basco, galego, catalão*), e em Itália, a cada região corresponde um dialecto único (um lombardo pode não perceber palavra do que diz um napolitano). Em Portugal, sendo certo que o país é mais pequeno, todos falam a mesma língua, integralmente a mesma. Até os matizes são insignificantes. O que tu descobrirás, se tiveres curiosidade, é que o português é uma língua muito especial no sentido em que permite uma grande criatividade e individualidade - é como se cada português falasse a língua adaptada à sua pessoa".

*Se houver dúvidas quanto aos outros, seguramente que o basco é, mais que dialecto, uma língua distinta

Selecção Natural

Ah, a necessidade de classificar... Panda? Ratazana? Nem um nem outro?... Pensemos antes assim: deixemos a selecção natural funcionar, mais que forçar uma opinião. Observemos em silêncio, com algum respeito, alguma humildade. Porque, às vezes, quando classificamos ("tu és isto", "tu és mais assim"), estamos na verdade a tentar evitar, justamente, essa essa selecção natural. E a isso alguém chamaria de inveja, mesmo até de canalhice...

quarta-feira, dezembro 05, 2007

O Gene

"Dilbert", uma "comic strip" de que gosto bastante, satiriza o ambiente de trabalho nas empresas tecnológicas, tipicamente as "cube farms", com enormes salas de cubículos, saídas dos anos 80. Os empregados/personagens são todos engenheiros informáticos. Se o engenheiro é já um ser... especial, o engenheiro informático é a versão amadurecida de um universitário "nerd" até às lágrimas, socialmente inábil e emocionalmente desencontrado.


Numa dessas tiras o tema é justamente a capacidade masculina para evitar trabalho desnecessário. Há um "gene", exclusivamente "macho", que permite "cheirar" o trabalho desnecessário. As mulheres não têm esse 6º sentido, esforçam-se muito mais. Sempre achei que havia algo de verdadeiro nesta observação, e comprovo-o pela dinâmica de alguns anos de trabalhos universitários em grupo. Suponho que algumas vezes o trabalho constante a longo prazo compensa, pela mecanização e pela humildade, noutras o trabalho desnecessário rouba-nos, de facto tempo de vida e stressa-nos sem necessidade. Ou seja, às vezes ganham elas, outras eles.

A Grande Porca

Chega a altura de eleições para a associação académica da universidade. Parece que haverá uma lista que se mantém, outra para a "novidade". Não reconheço qualquer utilidade à organização, e tem sido burgo daqueles que pretendem muito mais "do well" que "do good" pela comunidade de alunos. Nada de novo... Mas, na perspectiva da possibilidade de câmbio, do Generosità vão 3 conselhos:

1. Leiam este livro - devorem este livro. Poupar-vos-à muito tempo de vida, erros e maquinações fátuas. É uma obra-prima de simplicidade e natureza humana.


2. Já que a universidade tem ao lado a sua casa, lembrem-se das caricaturas daquele tipo dos livros de História, sim esse: o Rafael Bordalo Pinheiro. Não se esqueçam que a política, do lado dos eleitores, parece ainda (e sempre?) "a grande porca".


3. Lembrem-se deste poema:

Termidor Errado (25 de Novembro de 1975)/XI

"Democracia é alternância"
repetiu de novo a embalar tédio
um senhor de sonho espesso.

Como se fosse possível - ó glória! ó ânsia! -
construir um prédio,
mudando de vez em quando
os mesmo tijolos do avesso.

(José Gomes Ferreira)

Estações Sul-Americanas

Sem o saber ou querer bem explicar porquê, às vezes o Inverno português parece-me argentino - como o Verão brasileiro.

Pecado Original 23

Se estivéssemos na selva (e às vezes parece mesmo que estamos), Valeria Mazza seria uma leoa, rondando segura o seu território, atenta a todos os elementos. Passaria serena, mas pronta para toda a defesa, num impulso. O mero olhar, os olhos intensos, vigiam toda a insistência canalha, e desencorajam as vis hienas de entrar na sua toca.

Não me lembro de Valeria como rapariga, quase sempre foi (jovem) mulher. Corrijo: Mulher. Reclamando a sua dignidade desde logo, mas sem medo de ir em frente, e de ser ela a defender-se a si mesma. Com toda a sensualidade feminina, mas sem a delicadeza doentia. Com curiosidade e alegria, mas elegendo a fidelidade acima de tudo. Sabendo cortejar e ser cortejada sem manipular - muito menos admitindo ser manipulada. Sabendo divertir-se sem perder o controlo. Sabendo escolher as pessoas, e não hesitando em confrontar o que não está - simplesmente não está - certo. Prazenteira sem ser escrava do prazer, sem fraquejar. Segura sem ser arrogante. Bela sem ser inatingível.

Nem elegante nem voluptuosa: tão somente mulher até ao osso. Mulher sem se preocupar demais com isso. Agora, que espera o seu quarto filho (e será, decerto, boa mãe), um cumprimento de admiração, e respeito, não só de mero deleite estético, a esta argentina, de corpo, de beleza e de coração.

"noi fummo i Gattopardi, i Leoni; quelli che ci sostituiranno saranno gli sciacalletti, le iene"

terça-feira, dezembro 04, 2007

Sem Compromisso

"- Mas vais?
- Sei lá. Sabes como eu costumo dizer - não me comprometo. Sou o autêntico profissional da indecisão. É só mais uma hipótese. Uma hipótese muito interessante".

Obrigado

Só para assinalar a personagem mais bem conseguida, creio, nesta série de Gato Fedorento: Ezequiel Valadas. Note-se a sua última frase "obrigado sou eu", preparada para "pegar", entrar no maistream, ser repetida e emblemática. É bem capturado, o falar campesino, que Ricardo Araújo Pereira conhece bem. Mas... se pensarmos bem nisso, dizer "obrigado sou eu" não estará assim tão errado. O nosso "obrigado" é parente em termos de significado do "obliged" inglês. Eu sinto-me obrigado ("feel obliged"), eu estou obrigado ("I am obliged"), mais do que sou obrigado. Ainda assim, não é um tosco tão tosco como parece. Aliás, como raramente o é, o tosco campesino, para o julgamento (amiúde, esse sim - alarve), do citadino. No Portugal campesino há expressões que decorrem, mais do que ignorância, de uma certa pureza linguística, e sentido profundo da língua, antes de ela se tornar superficial, vácua e veloz no frenesim citadino.




Chassez Le Naturel

No outro dia algumas colegas levantaram a questão do "casar e ter filhos". Quem, eu? Nunca sabemos como será a nossa história, mas digo-vos isto para esta geração: os 30 são os novos 20. E a classe média com um emprego relativamente bom (o meu futuro?? hum...) tem alguma margem de manobra. O pior é mesmo se, estando o resto do país tão mal, ser "solteirão" não é quase um acto imoral... Não que esse seja o meu projecto - digo somente que é uma possibilidade para qualquer pessoa nessa condição de poder "fazer vida", com curso, emprego, ainda apoio parental, etc.

Mas, nunca devemos esquecer, a cada manhã, que a melhor manhã está por acontecer (mesmo se as nossas manhãs forem preguiçosas...). Não devemos deixar que a rotina se instale cedo de mais. Ter sempre coragem de mudar: "A change is as good as a holiday". Não só as mesmas pessoas todos os dias, não só os mesmos temas, os mesmos trabalhos. Outra música, outro livro, outro prato, outro estilo. Qualquer idiota se prende, se habitua a um trabalho, se casa, tem filhos. Isso é ceder à nossa natureza. E nada há de mal nisso, pelo contrário - é bom que esse seja o objectivo final de todos nós. Mas não sem antes querer mais, tentar mais, conseguir mais. Não sem um antes. Aqui, lá fora, onde for. Porque, feitas as contas, convém não ceder à rotina sem ter uma história para contar. Quem cede ao desejo de rotina cedo demais (e temo ser um traço genético da minha geração...), quando a consegue enfim, segura e quentinha, mesmo com a realização de ter filhos, amigos que ficaram, e prazeres cultivados, corre o risco de que tudo isso lhe saber a pouco. E quando se chega a esse objectivo na vida de cada qual, nada é tão trágico como sentir-se aprisionado.

Suponho, no entanto, sempre supus talvez, que aí há algo da natureza da pessoa que é determinante. Se prefere arriscar ou não. É que, às vezes, por mais caminhos que fizermos, a nossa natureza leva-nos, invariavelmente, magneticamente, para o mesmíssimo lugar. Donde... arriscar nem é assim tão perigoso, se acreditarmos estarmos mais inclinados para determinada situação na vida. Não é por um abanão que vamos mudar tão profundamente o nosso ser. "Chassez le naturel, il revient au galop".

Novo Léxico Politiquês

A frase metafórica de Ribau Esteves, um dos números 2 de Menezes: “Se queremos uma gaja boa como o milho, temos que a namorar” (leia-se é preciso esforço para ter uma obra bem feita*). Um poeta, este Ribau. Vá, Ribau, tou a brincar – tu até és porreiro. És um porreiro, pá!

*na Sábado deste fim-de-semana

Resistência

Às vezes parece que ser português é só uma questão de resistência psicológica. Ou então é mesmo desta era em que, tendo a subsistência assegurada (e bem que jogou Salazar com o medo da escassez…), a mente anda a ocupar-se com trivialidades sem nexo, induzindo depressão.

Nessa depressão é demasiado comum culpar o país, os “outros”. Este Portugal tão pequeno, mesquinho e cheio de inveja, que não se adapta ao que nós queremos, que nada nos dá, só aos outros.