sexta-feira, dezembro 12, 2008

Elogio a Sophia

Talvez, se me perguntassem de repente pelo meu poeta favorito, eu me saísse com o seu nome. É certo que continuo um fiel de Cesário, mas Sophia de Mello Breyner Andresen (e todos sabemos o seu nome completo), tem dos poemas mais... limpos da nossa língua. É magnífica. É um acto de higiene mental, lê-la. Uma redenção do mundo. E pergunto-vos se para algo mais existe a Poesia.

Sophia disse, creio, ser o (seu) Porto 'a nação dentro da nação'. Até lhe darei razão nessa fé, mas mais importante para mim será dizer que Sophia é a Língua Portuguesa dentro da Língua Portuguesa. Se se tivesse que começar do zero este nosso mágico idioma, seria sempre com ela. Seria com a sua Poesia que se ensinaria Português a um marciano. Pessoa - se bem que igualmente pristino (ortónimo) - não é nunca tão sincero (ou não é nunca sincero), como Sophia. Sophia escreve e é. E por isso resume a enorme complexidade da Língua Portuguesa, sintetiza e comprime o universo. E traz luz sobre os nossos.

Uma Língua em Relevo

Tem sido áspero o primeiro contacto com o Alemão. Uma língua eslava, tão distante da doçura latina que eu amo. Às vezes parece uma língua seca, que estala, que constrange. Não se conhece nenhuma palavra - a pronunciação tem que ser tacteada a todo o momento. Não há registo oral - zero.

O alemão soa mal, sejamos francos. A princípio soa mal. Não é melífluo, antes áspero e bárbaro. Mas é a língua de Mozart e tantos outros génios. É uma língua que exige muito - muito - mais esforço, mas onde se começa, eu começo, a descortinar uma pequena ordem, e uma certa manobra - uma simplicidade aliada à criatividade.

Mas ainda parece muito uma língua seca, esferovite a ranger, cheia de espinhos, alfinetes. É uma língua em relevo, não é bidimensional - tem picos, tem exigências de que não abdica. É teimosa, caprichosa com o que é seu.

Mas este mais puro amante da latinidade há de a descodificar. Nenhum código linguístico é impenetrável - tudo depende do trabalho que nos exigirmos, realmente.

Ah, e depois do Alemão, ainda falta um idioma para fechar o círculo (se houver Saúde e disponibilidade*). Mas ainda é cedo (tão cedo...) para falar em 'depois do Alemão'.

*E, pelo andar das coisas, também Civilização, País como o conhecemos. Não é assim tão ridículo dizê-lo...

Give Me Good Numbers (Baby?)

Eu não sabia que a correctora da minha eleição também tinha... outro trabalho em paralelo. Não fazia ideia, honestamente. Afinal é ela a enfeitar as ruas de Lisboa como nenhumas luzinhas poderiam fazer.

Olha que bela surpresa natalícia.



*

(* imagem indecentemente surripada ao excelente E Deus Criou a Mulher, captada por Brunorix)

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Parabéns

Os devidos parabéns a Paulo Bento, por mais que eu me impaciente com ele em alguns pormenores da gestão da equipa (nomeadamente o insistir na lógica de rotação e de vários jogadores médio-bom, quando já podia gizar um conjunto de excelentes, acabar com os bons remendos e passar a utilizar só do bom tecido). 12 pontos na Liga dos Campeões (Mourinho fez 8), 4 (!) vitórias e apenas 2 derrotas contra aquela que é, provavelmente, a melhor equipa da Europa neste momento, o Barcelona, é um registo a todos os níveis fabuloso. Sobretudo para um Sporting tradicionalmente destinado a fazer número na Europa.

Os meus sinceros parabéns a Paulo Bento, e desculpas no que se impôr. Continuarei crítico - sempre -, mas esta primeira passagem aos oitavos-de-final chega a coroar um pouco o óbvio: que Paulo Bento tem já o seu modesto lugar na História do Sporting. Parabéns, portanto.

Espero que ele consiga fazer uma coisa tão simples - e tão sportinguista - que é o de acolher a nova geração. De ir buscar - como tem feito com Pereirinha, Carriço - mais e melhor prata da casa, preparar o Sporting dos próximos anos.

Politicamente Correcto ou Amizade?

Dou comigo a pensar em como, tantas vezes, tendo - tendemos - a desculpar em demasia as pessoas da nossa geração. A nossa geração é, sejamos claros, grande parte daquilo que nos define. Mas... quer dizer, julgo que há uma certa tendência para cair no politicamente correcto de desculpar tudo a todos - só por termos a mesma idade. De desculpar omissões, comportamentos, má-educações, cobardias, etc. E, paradoxalmente, tendemos a criticar, por vezes, os nossos próprios pais.

Ora, é claro que existe aí um grande paradoxo, uma grande injustiça. Não há porque desculpar tudo aos nossos coetâneos (nem aos nossos pais, já agora, porquanto a gratidão se imponha). A amizade não é desculpar tudo - a amizade é justamente uma relação de confiança em que as pessoas cumprem regras, inevitavelmente - ou ela rompe-se. Todo o contrário, portanto. Será que, quanto mais tendemos a aceitar cegamente tudo nos nossos co-geracionais, mais tendemos a criticar gratuitamente, por exemplo, os próprios pais?

Será que conseguimos avaliar por um qualquer padrão que apliquemos a pais, e amigos - mas antes de mais a nós mesmos?

Não vale a pena deixar coisas básicas para ser 'aceite'. Mais vale estarmos sós.

Canções de Ícones e Caracteres

Canções de ícones e caracteres...
Mas só se amam as mulheres.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Mas Tu Queres Ver...



Nova Iorque, ontem. Vou ter que rever esta sessão com a minha correctora Irina Sheik.



É que a mim parece-me estar tudo bem. Muito bem mesmo.

Um Orlando Bloom de Distância

Diz Miranda Kerr (um dos 'angels' da Victoria's Secret - essa famosa empresa de laminados) que pretende viver numa quinta, cheia de animais e de virtudes campesinas. Ora bem, minha cara - estamos somente a um Orlando Bloom de distância. Quase nada.

Entrudo Antes de Quaresma

Olhós gajos a tramar o Quaresma... Caso para dizer, a fazerem Carnaval antes que apareça Quaresma...

Há que trabalhar para sair por cima. Na dúvida, é só copiar o Mou (que as minhas fontes confirmam ser leitor do Generosità. Sabe pouco, sabe...).

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Cuidado Não Te Apanhem a Chorar

Dedicado às pessoas que andam pelo Metro de Lisboa, arrastando cansaços, por vezes escorregando olhares. Em compras, ao frio, ao desespero. Quem sabe no ventre da Terra que mundo ainda há lá em cima? No metro o país é o mesmo - e não se pode olhar directamente para ele. É uma mulher deslumbrante, que se não pode olhar. É uma quimera que sai, nesta, naquela estação - nunca a nossa. Nós devemos continuar, sem olhar. E então, mesmo no ventre da terra, há uma luz que espanta os olhos que se desviam, e não sabemos se é já a tempestade. Não - foi só um relêmpago nos carris. Foi só electricidade, o mesmo de sempre. E, como sempre, aquela rapariga esgueirou-se na outra estação. Não deu para lhe dizer que talvez fosse ela Portugal, talvez levasse ela o país. Não deu para lhe dizer. Estranhamos as pessoas estranhas do metro. E continuamos. Ao frio, e à incerteza. Em cada qual. O silêncio é o pacto que fizemos, é o requiem por qualquer coisa, ou espera em respeito de qualquer coisa. E Portugal, de repente - como o relâmpago que parecia - talvez não seja aquela bela rapariga, que olhou em diante. Talvez sejamos nós, que escusamos olhar-nos. Talvez Portugal seja magnífico, talvez uma maldição. Talvez nunca o saibamos - talvez Portugal seja a estação a que nunca vamos, embora saibamos bonita. Embora tenhamos sempre a convicção de que, se for preciso, lá saberemos ir ter.

Dedicado a essas pessoas de hoje. Poema de Jorge Sousa Braga.

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse
oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de
África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de
rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do
Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada
de ressentimentos
um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga

domingo, dezembro 07, 2008

Co/Re-Incidências

Diz que o Oliveira e Costa tinha um bunker na Vidigueira. Devia ser por causa do sol. E Dias Loureiro já esclareceu que, embora estivesse em Dallas, naquele dia de 1963, e, por acaso, levasse consigo uma carabina ('os tempos eram, naturalmente, mais perigosos'), tinha ido somente entregá-la ao seu primo Zé Júlio, emigrante, e provar as tartes de maçã que fazia a mulher deste - incidentalmente, muito boas.


Exílio

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

Ansiedade

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos (1888-1935)