sexta-feira, agosto 31, 2007

Pecado Original 17


Elisha Cuthbert. Aí está a revelaçao (aos meus olhos) da série 24, de que, parece que algo contra a corrente, só suportei a primeira época. Havia nela um certo je ne sais quoi, diferente da americana média, que intrigava... Depois percebi de onde vinha esse je ne sais quoi: Elisha é canadiana, naturalmente fala francês. Tem um olhar diferente, esta rapariga (mulher? - 23 anos), que também adorei no Girl Next Door (logo o remake do Risky Business...). O corpo perfeito, o nariz com uma covinha deliciosa, e a própria voz capturam-nos a atençao. Tudo somado, é epidérmica a sua sensualidade, mas igualmente intensa a sua personalidade.

Os Meus Prazeres 8


Com o risco de estar a ser repetitivo e ser criticado pela insistência, tenho que, após um jantar sublime, prestar a devida homenagem a um grande vinho. Por este renego o meu querido Verde e Dao, que estao bem para jovens apreciadores. É que, chegados à grandeza, devemos abrir um parêntesis.

Aos 23 anos (24 em Dezembro), o meu prémio ainda-bem-que-nao-morri-sem-provar vai para o magnífico Lagoalva de Cima, monocasta Shiraz de 1997. E lamento dizer-vos que este, provavelmente, nao está à venda nos dias que correm.

Os Meus Prazeres 7


Agora que passa na RTP2, à tarde, vejo o ocasional episódio de Tintim. E porque nao? Nunca deixei de gostar de desenhos animados, ou melhor, de banda desenhada. Por exemplo, ando a adiar a descoberta de Corto Maltese há tempo demais. Mas Tintin é especial. Há algo em Tintim de uma nobreza de juventude que é difícil de enquadrar mais tarde na vida. Para mais nem toda a gente a sente, suponho.

Nem toda a gente sente esse desejo intenso de aventura, correr o mundo. O mundo é imenso e estranho (hoje um pouco menos estranho, está tudo descoberto, mas o exotismo é também algo subjectivo - há pormenores que sao só nossos), mas vamos seguros. Vamos seguros porque vamos com ele, com eles, com aqueles amigos de infância de coraçao tao puro como nós, de curiosidade tao intensa como nós, que nunca nos abandonarao, nunca nos deixarao mal. Somos almas dotadas desse conceito estranho para os outros: a boa-fé, a "goodwill". Partilhamos sonhos e experiências. E escapamos à justa de perigos vários. Mais tarde, recolheremos à nossa reclusao, distante do bulício das massas, fazer a nossa vida, e um dia, à lareira, recordaremos essas aventuras e escapadelas, sentindo o perfume da juventude no nariz enrugado pela velhice. Aí entao chamamo-nos "mon vieux" (mantivemo-nos sempre amigos) e congratulamo-nos pela nossa coragem, por mais que tenhamos perdido outras coisas...

Mas, alas, esses amigos nao existem. Existem só seres humanos, nenhum tao sonhador como nós, nenhum criando essas fantasias no seu ser, nenhum com tanta coragem para se dedicar a um sonho como nós. Nenhum tao apegado à infância como nós. Depois vem a sociedade a exigir trabalho, a "canga", a cortesia, o auto-controle; depois vêm as mulheres que nos confundem, e, finalmente, a idade adulta. Que piada tem, pergunto eu, a idade adulta? Ah, Tintim, mais vale percorrermos esse mundo de Castafiores, Rastapopolous e Oliveiras da Figueira. Vale mais sermos como tu, como o Tio Patinhas, o Zé Carioca, o Ásterix, o Tom Sawyer, o Huckleberry Finn, o Homem-Aranha. Talvez mesmo como o Wolverine, um "maverick", um desassossegado.

Nao nos podemos perder no labirinto da memória, aqueles de nós que ainda têm prazer em ter memória. Devemos ir deixando o nosso fio de Ariadne a marcar os nossos dias. Lá atrás estao os heróis, os cavaleiros, os romances, as vitórias. Lá atrás estamos nós. E algum dia faremos o caminho para trás, em jeito de balanço. Algum dia.

Aproveito para transcrever um excerto do livro "Nao Te Deixarei Morrer, David Crockett" de Miguel Sousa Tavares:

Quando eu era pequeno - muito pequeno, talvez oito ou nove anos - lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha de Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita - uma "skaw", na literatura do Far-West - que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurou para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: "nao te deixarei morrer, David Crockett!"

Nao sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mao pela testa quando estivesse adormecido e me diria: "nao te deixarei morrer, David Crockett!". E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates. Banal, elementar.

Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretaçao daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre. Esse era o mundo que eu tinha entrevisto nesse dia longíquo da minha infância e me cabia tentar defender o resto da minha vida. Entao, eu era antes a índia, que nao podia deixar que se apagasse essa imagem e o seu sentido e que teria de repetir incontáveis vezes ao mais fundo de mim mesmo - lá onde jazia, inconsciente, o David Crockett - que nao o deixaria morrer."


Miguel, só mesmo tu o poderias pôr tao claro. E ao ler-te, da minha íntima concordância com cada linha lembro-me de que foi também contigo que aprendi a ler. Outro tipo de leituras, é certo, naqueles dias já distantes do colégio em que comprava o "Público", quando tinha o seu grafismo sóbrio, quando era um grande jornal, quando nao vestia as pantufas de um marketing amorfo e massificado. Quando a tua página de opiniao era para mim religiosa. Excelente exposiçao do assunto, límpido português. Aproveito para te agradecer, antes que me esqueça.

Tu sabes, Miguel. Tu sabes que se a coisa chegar a tanto, se eles nos chatearem demais, se tudo aquilo que achamos visceralmente correcto for tao inelutavelmente provado errado, tu sabes. Sabes que pegamos em cada um de nós, e vamos directos à nossa doce solidao. Ninguém como nós mesmos para nos compreender. O sol nasce além daquelas montanhas, e há manhas que têm um ar fresco, uma luz, uma sensaçao de pureza e renascença que eles nunca saberao apreciar.

E nesse dia cantaremos, tropeçando na letra, assobiando somente talvez,: "just my rifle, my pony and me".


(vídeo descoberto no Abrupto)

quinta-feira, agosto 30, 2007

Reflexoes Para Uma Época

Temos, pois, que o Sporting vai a Roma. Melhor era impossível. Uma justificaçao para lá voltar, como se Roma precisasse. A ficar atento, pode ser que haja viagem no horizonte. Pena foi nao ter calhado o Slavia de Praga - Kiev pode ser uma cidade interessante, mas fica para mais tarde.

Acho que o sorteio poderia ter sido pior: o grupo do Porto é relativamente fácil (embora eu ache que o Porto este ano terá mais dificuldade). Quanto a Benfica e Sporting, vamos partir da premissa de uma derrota no Giuseppe Meazza e em Old Trafford e pensar a partir daí. Da mesma forma que eu acho que é mais difícil o Benfica ganhar em casa ao Milan que o Sporting ao Manchester, o rival directo do Sporting, a Roma, é bem mais complicada que o Celtic. Se pensarmos que o Shaktior Donetsk é uma equipa superior, nos últimos tempos, ao Dínamo de Kiev, temos Benfica e Sporting com tarefas algo similares.

Recupero somente o que escrevi a propósito de Manchester e Milan, porque sei que nao terei muita gente a concordar comigo. Eu já vi o Manchester jogar em Alvalade e nao me assusta particularmente. O estilo de jogo de controlo a meio-campo e avançados sorrateiros do Sporting é melhor empregue numa equipa inglesa (sobretudo o Manchester, que aposta em extremos) do que numa equipa italiana. A Roma será bem mais preocupante, porque já conhece o estilo de cor e salteado. De tal forma que o jogo em Roma vai ser muito difícil, quase a segunda premissa de perda de pontos garantida.

Ao Benfica, pelo contrário, aparece a possibilidade, mesmo se remota, de ainda empatar no Meazza. Depende da forma da equipa nessa altura. Mas também nao lhe auguro mais que um empate com o Milan em casa.

É algo cedo para aferir do futuro das equipas portuguesas, que ainda estao verdes no seu sistema.

Começemos por pensar no Benfica, agitado pela mudança de treinador. Suspeito que o Benfica vai conseguir com Camacho melhorar a sua lacuna óbvia nos últimos tempos: a defesa (e meio-campo defensivo - que o Petit tem uma certa bençao dos media). De resto é libertar Rui Costa e filtrar dois bons extremos. Se Katsouranis conseguir ser o médio-centro que falta, o ataque até já existe (nao percebo porque anda Camacho atrás de um avançado que "faça golos" sem explorar Cardozo/Bergessio).

Há o problema futuro de se estar a criar uma "finca", uma quinta para sul-americanos, que pode nao ser saudável. Tenho também dúvidas quanto à fiabilidade dos laterais, e nao consigo ver a dupla David Luiz/Luisao como segura. Mas toda a gente diz bem de David Luiz, concedo-lhe o benefício da dúvida. Talvez possa ser o próximo Ricardo Gomes. Luisao é que, peço desculpa, ainda está para me convencer, nao é o meu estilo de central.

O Sporting este ano tem uma equipa mais homogénea na qualidade, e mais polivalente. A falta de Caneira é muito maior que muitos poderao supor. Com uma série de jogadores novos, muitos de Leste, seria fundamental ter um sénior na equipa titular para manter a autoridade e uniao quando as coisas derem para o torto (e vao dar - nao há espaço para todos, e há muitas nacionalidades, embora isso nao seja hoje tao complicado como há uns 10 anos). Nao sei se bastarao Paulo Bento e Moutinho (Veloso ainda tem que criar ascendente) para aguentar as águas.

A diferença em termos de qualidade de equipa e liderança é tal, a meu ver, que com Caneira o Sporting seria, para mim, o principal candidato ao título. Assim já nao sei, está tudo em aberto entre os 3 grandes. Por isso quando leio a notícia de que o Valência (equipa de que sempre tive uma antiptia visceral, desde os tempos de Cúper) persegue Moutinho, há logo um tique português em mim que desperta: "Pera lá que é já... Até vo-lo oferecemos em bandeja". Como diz esse grande profeta da Modernidade, o Justin Timbarlake, "what goes around, comes around".

Mas bom, deixando o meu espírito sanguíneo de vingança para trás, gosto em geral da equipa do Sporting. Há ali bom futebol e qualidade bem distribuída. Nao estou convencido com a lateral esquerda, que me preocupa. Já no Pedro Silva tenho esperança, pode ser um bom jogador sob a orientaçao do Paulo Bento. O ataque está claramente melhor com Derlei. O grande problema do Sporting será suprir o efeito surpresa que era o Nani na equipa. À falta de um extremo, o jogo torna-se muito mais previsível. Talvez seja essa a razao por detrás da compra de Celsinho.

Quanto ao Porto, muitas dúvidas. Eu nao gosto do sistema de jogo de Jesualdo Ferreira, muito menos da postura do "temos trabalho, temos qualidade, temos dinheiro, venham as vitórias por decreto". Acho que Jesualdo anda a stressar a equipa demasiado. Ou entao anda a fazer justamente o contrário: um pastiche de Mourinho, a procurar passar a pressao para o âmbito dos media e discussao pública, aliviando a equipa. Jesualdo, um conselho: nao vá por aí, nao engana ninguém. Deixa lá as escovas de dentes, debite só os slogans da bola, e motive os jogadores lá dentro. A guerra na comunicaçao social só tem efeito se os outros lhe prestarem atençao e forem enganados por isso. Ao fim do dia os exigentes adeptos do Porto descobrem logo se a equipa está a jogar bem ou nao.

Há reforços interessantes na equipa, mas aquele sistema de trincos e extremos desiquilibra uma orgânica. Seria melhor ao Porto assumir um "playmaker" no centro, e, embora jogador interessante (mas eu tê-lo-ia vendido), nao gosto muito de Lucho nessa funçao. Ele é mais bem médio-centro, como Moutinho... mas posso estar enganado.

Tenho alguma curiosidade em relaçao ao Kaz e ao Bolatti, sobretudo este último. Quanto à defesa, nao é agora que vou começar a gostar do Bruno Alves. Nunca gostei do Ricardo Costa quando ele estava em alta e vou fiar-me no tempo outra vez (embora Alves tenha mais potencial que Costa). Pedro Emanuel nao tem estofo para a Europa... pode haver aí problemas. Neste momento, como sportinguista, invejo o Porto sobretudo pelo seu guarda-redes, cuja elasticidade (e parece que também carácter) nao sao muito comuns. Razao tinha o meu pai, que o cobiçava como a poucos, quando ainda estava no Leiria.

Agora, o Porto tem uma estratégia totalmente diferente daquela que eu adoptaria (aí o Sporting dá goleada): escolhe uma trintena de jogadores que se devem degladiar e ascender à equipa por selecçao natural. Isso cria guetos na equipa, e com o arrastar da época traz dores da cabeça. Mas enfim, isso tem mais a ver com a Administraçao, ou a sua falta.

O Seu a Seu Dono

Tens toda a razao, caro Júdice. Pelo menos, na parte do país que te toca. Assim, nao é de surpreender que digas que vais "levar porrada" (metafórica). Nem sequer é preciso ires mexer com o Tejo, basta pedires com o jeitinho que toda a gente te reconhece.

E finalmente revelas a dor de cotovelo que te fez deixar o PSD e abraçar o PS para tentar a Presidência, quem sabe somente Lisboa:

"O último advogado de Sá Carneiro, o homem que mais teorizou o pensamento político de Sá Carneiro nunca foi convidado, já não digo para fazer um discurso, mas para estar presente nas cerimónias"

Referes-te, claro, à tua eminente pessoa. Longe de te considerar o derradeiro sá-carneirista ou de achar que isso serve de justificaçao para o teu ressabiamento, deverias ter sido convidado, isso é claro. Mas sabes que essa coisa de pecar por omissao toca a todos...

Os Meus Prazeres 6


Dizem que é mais nobre o vinho tinto. Eu, confesso, tenho um fraco pelos Dao. Já sei que estao longe do "top" nacional, na sua maior parte, mas eu gosto. E tendo a achar muitos Douro e Alentejo, embora grandes vinhos, um pouco alcoólicos, tantas vezes com 13,5º, 14º. Claramente demais. Os Dao sao regra geral mais fracos (digo eu, que estou longe de ser especialista) e têm uma costela mais campesina, no limite, perdoem a blasfémia, mais a puxar o "carrascao". Mas sao muitíssimo agradáveis a acompanhar refeiçoes. Pelo menos as simples, triviais. Talvez um grande Douro ou um grande Alentejo sejam a minha escolha para uma refeiçao mais elaborada, mais leve. Para as mais das vezes, gosto muito da simplicidade de um Dao com pratos bem portugueses. Fica aqui este Quinta da Pellada (tenho cá por casa o 2002, este é 2003) como exemplo.

Banda sonora de um verão perfeito (1)




Yves Larock . Rise up

quarta-feira, agosto 29, 2007

A Toca do Lobo

Para quem gosta muito de futebol e do estilo do colunista (confesso que até nem sou grande fa), eis o blog de Luís Freitas Lobo.

E Por Vezes

Volta David Mourao-Ferreira a este blog, com um soneto que Graça Moura elege entre os melhores da Língua. David, sempre que quiseres, já sabes, estás à vontade.

E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes


encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

(David Mourao-Ferreira)


O Meu Problema ou A Origem da Preguiça II

Há aquele dito, que deve vir do fim dos tempos: "A preguiça é a mae de todos os vícios". O meu problema é que a preguiça é mesmo um dos meus pecados favoritos, por agora, pelo menos. Pode ser que, com algum estudo para entender a realidade, alguma ginástica mental, no meu caso (bem português, aliás) a preguiça, mais do que a mae de vícios, seja simplesmente a abstençao de todas as virtudes... Até porque eu sou preguiçoso demais para alguns vícios. Sao coisas que exigem dedicaçao.

Nao Obrigado

Ontem, no metro, no local de sempre: a máquina de tirar bilhetes (mas porque raio abdiquei eu do meu cartao Lisboa pela promessa de conduçao?). Aborda-me um rapaz. Magro, todo ele vestindo um castanho coçado. Olho-o somente de soslaio, o suficiente para detectar más vibraçoes. Nem sequer o deixo dizer-me a primeira palavra. Em silêncio, indico-lhe a palma da mao, que por mim fala: "O que quer que seja, nao obrigado". Desarmado ao primeiro movimento. Fiquei surpreendido com a minha reacçao (outra vez, já aqui contei da primeira surpresa), nao porque tenha sido abrupta e assertiva como da outra vez. Fui mesmo altivo, desprezei-o dos pés à cabeça. Realmente, a (sobre)vivência desperta em nós atitutes muito inusitadas. Ele também ficou estupefacto com tao súbita altivez, mas que quer ele? Esta gente que se ocupa nas lacunas escuras da sociedade, reptiliniamente chateando quem está cansado, a isso se sujeita. Sei que ele ainda murmurou qualquer coisa do género "nao é nada disso". Sinceramente, nao tenho a mínima dúvida das suas intençoes, e estou-me borrifando para aquilo que lhe ficou por dizer. Desta vez, meu caro, ganhei eu.

Sigo entao em frente, para comprar o jornal, retomando o caminho que ele interrompeu.

Volto à malograda máquina, agora sim para comprar um bilhete Quando o faço, dirige-se a mim uma rapariga. Estou ocupado a recolher o dinheiro, nao a distingo claramente. Percebo que tem um certo ar latino pouco português (será cigana?, romena?). Naquela situaçao, nao hesito também. A palma da mao exibe-se logo como escudo, sem sequer contacto visual. Mas nao. Parece que, realmente nao era nada disso. Afinal ela é brasileira, afinal até está vestida decentemente, afinal queria somente saber qual a linha para ir para o Campo Pequeno. Hesito um pouco, pergunto-me se estarei a ser ludibriado, perdido na surpresa nao consigo pensar. "Amarela. Pode ir pela linha amarela. Entrecampos e logo Campo Pequeno". E lá foi ela. Bom, e desta vez perdi. Raios.

Eis, pois, o problema da altivez e da atitute proactiva. Será que eu conseguirei um dia que quem quer que seja leia, quando eu passo: "É favor nao abordar. Rapaz contemplativo. Natureza nervosa. Natureza ainda mais nervoso face à lata desconcertante de filhos-da-p... gandulas. Possibilidade de cometer injustiças com pessoas simples. Obrigado pela compreensao"?

Retrospectiva

A propósito da filiaçao traseira de Francisco Umbral, vale a pena versar um pouco sobre o tema.

Acho interessante reparar nos matizes do culto, profundamente latino. Eu diria que há uma diferença significativa no culto espanhol, italiano e, claro, o brasileiro. Há diferenças entre "el culo", "il culo" e "a bunda".


O espanhol é heterogéneo: ainda há alguns tipos de espanhol, e o seu interesse nem sequer tem muitas vezes por objecto principal o "culo". Eu diria que para o espanhol, trata-se, antes de mais, de um objecto de posse, de "show-off". É um statement sexual da mulher (que desse somente aqui se trata), como o sao os seios; será o equivalente feminino do orgulho macho no "paquete". Nao se deve abordar a psique espanhola sem levar em conta o orgulho. Nota de rodapé para os catalaes, ou antes para as catalas, que sao algo diferentes, apesar de tudo. Mais gentis que a espanhola média, fazem já a transiçao para o "culo" como parte do "sagrado feminino".

O que nos leva, claro está, a Itália. Para a italiana o "culo" é exactamente decorrente de uma condiçao, sublime, de ser mulher. Faz parte do conjunto de um ideal de perfeiçao e beleza. Nao é exagerado, nao é lascivo, nao é actor nem chamariz, existe como parte de um todo, e é idealmente harmonioso. Nao se o pode dissociar de uma postura, de um olhar (sguardo), de umas pernas, de uns cabelos. Nem sequer da inteligência de uma mulher. De qualquer forma, como em castelhano, o rabo italiano é masculino no artigo: "il culo", nao tanto pela vertente da posse, eu diria, mais bem pelo culto intenso, mais assumido que o espanhol. Acontece que na psique ialiana o rabo é já objecto de arte, merecedor da típica admiraçao à distância. De assinalar também a existência de um certo carinho, patente no diminutivo "culetto".


Chegamos entao ao caso mais célebre, o brasileiro. Entra a bunda. Repare-se que, desde logo, a bunda é, pela primeira vez nesta discussao, o rabo no feminino. Ou seja, o brasileiro, mais que a posse espanhola, ou a admiraçao italiana, tem verdadeiro amor pela bunda. É um património querido, um ente, quase. E, como tal, nao é de estranhar que seja a bunda brasileira tao heterogénea, tao diversa. Os vários tipos remetem, exactamente, para as várias personalidades. O brasileiro fala com a bunda, conhece-lhe os pormenores, simpatiza com a bunda: mais que possuí-la, mais que admirá-la, o brasileiro brinca com a bunda. Nela vê luxúria ou amor, mesmo outros sentimentos, dependendo do momento. A bunda dá para tudo, há bundas para todos, e é a regiao do corpo mais experimental. Ao contrário do caso italiano, acontece no Brasil que a bunda tem classe social. Quer dizer, há um tipo de bunda mais "de baixo", favelada, e um tipo de bunda mais "de cima", menina-bem. Quase diria que a bunda brasileira afere a inteligência, o temperamento, o "tipo" de mulher. Pessoalmente, acho esse facto encantador.



E a portuguesa? E o português (o apreciador, lembrem-se do que escrevi acima)? Bom, estaremos mais próximos do caso brasileiro, é certo. Mas só no Portugal urbano. Lembrar somente que o Brasil é um imenso Portugal urbano, sem a história de quase 900 anos, sem o exíguo espaço que nos aflige. Ainda há um Portugal algo alheio a estes ditames do corpo, sobretudo porque a mulher portuguesa tem muita personalidade, e nao está disposta a ser levada em conta pelo seu corpo, mais que pelo carácter ou inteligência. Para mais vivemos numa altura em que elas dominam os cursos universitários, trabalham mais e melhor que os homens. Sao autónomas e senhoras de si, e nao têm paciência para homens que andem aí a admirar qualquer mulher. Com uma economia que oferece magras perspectivas, uma sociedade com poucos exemplos, gasta e velha, nao há ego que resista. Nao surpreende, pois, que os homens portugueses tenham medo de dizer um piropo, medo de uma abordagem que nao sob o ruído ensurdecedor da discoteca. Elas mandam, ponto final. Mas, enfim, essa é uma outra história. Voltando atrás (literalmente) há que reconhecer ao menos bastante potencial às portuguesas. Mais nao fosse por aquele toque no coraçao: "é cá da terra, tem outro encanto".


Termino somente com o poema de Carlos Drummond de Andrade, que trouxe a bunda à poesia, como só um brasileiro, que fala com a bunda, poderia fazer:

A Bunda, Que Engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora — murmura a bunda — esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gémeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
redunda.

(in O Amor Natural, Carlos Drummond de Andrade)

P.S.: Aos amigos que se espantem com a heterodoxia deste post estarei disponível para discussao no devido tempo. Peço contudo que se leia o texto, mais do que atentar somente nas imagens. Por mais interessantes que estas possam ser.

terça-feira, agosto 28, 2007

Saudades

Nao te cheguei a conhecer bem, mal fomos apresentados. Mas deixaste-me uma impressao duradoura, e sinto ainda o teu perfume. Tenho saudades da tua irreverência mal-educada, a tua maneira de elefante em loja de porcelana, as tuas opinioes cheias de verve e estilo, mal me importa se importado ou nao. Sei que nem sempre olhavas à Justiça, nem sempre à discriçao, nem sempre a um certo respeito arcaico português. Mas caramba, isso era parte do teu charme. Deixaste alguns filhos orfaos, e eu sei que eles só podem ter saudades tuas. Gostava verdadeiramente de te ter conhecido melhor, a ti, O Independente. O Portugal que te criou por acto de infantil rebeldia, por onde pára hoje?

Aquilo Que Fica Atrás de Ti

Morreu hoje Francisco Umbral. Um escritor que conheço de nome mas que nunca li, embora tenha alguma curiosidade. Diz-se dele que era um colunista (El Mundo) de referência no país vizinho. Era camarada de Saramago, comunista, mas convertido ao fenómeno Aznar. De Portugal conhecia Eça, Pessoa (que elevava ao cânon mundial, justamente) e Namora. Curioso o facto de, numa enciclopédia de literatura se ter incluído a si, e, na sua entrada, discorrer somente sobre o traseiro feminino. Da evoluçao do rabiosque da espanhola (parece que a democracia o alterou) ao americano, seu favorito (uma escolha algo polémica), era essa a paixao que melhor o definia, mais que a sua centena de títulos publicados. Tenho que simpatizar com isso, Francisco, com o egotismo de te incluíres e com o tema que escolheste, verdadeiramente apaixonante. Descansa em paz, hombre, a ver se ainda leio um livro teu nos próximos tempos.

Da Mulher

Tenho para mim que grande parte daquilo a que se chama Civilizaçao (Ocidental) tem justamente que ver com a Mulher, com o papel e liberdade da Mulher em sociedade. E, depois, claro, com aquilo que é o Homem em funçao da Mulher.

Talvez resíduo de uma educaçao católica, eu tinha em novo um respeito profundo e distante pela Mulher. Porque desde logo tinha respeito pelo sofrimento, sempre tive, e tinha para mim que eram as mulheres quem mais tinha sofrido ao longo da História. Vínhamos de um outro país, paternalista e rural, salazarista, onde as mulheres eram tantas vezes obrigadas à submissao e passividade. Elas eram maes, irmas, avós. Resistentes e abnegadas. Nunca caprichosas.

Mas os tempos revelaram-se-me com prontidao e de forma abrupta. Sobretudo porque eu era, antes de mais, pouco vivido. Lembro-me do grande choque, ao sair do meu colégio, de descobrir a canalhice no feminino. Nao que a natureza humana no meu colégio fosse diferente, mas a classe social e a vergonha colectiva criavam um certo padrao de comportamento. No dia em que ouvi uma rapariga dizer "este fim-de-semana comi um gajo" a minha surpresa foi total. Nao com a indulgência em si, o prazer sexual (sou todo a favor), mas antes da forma orgulhosa e aviltante com que era feito o anúncio, e, claro, com o anúncio em si. Será honestidade e espontaneidade da parte dela? Talvez eu goste de um pouco de recato nessas questoes.

A vida tem-me vindo a surpreender todos os dias. Nunca pensei que houvesse tantas raparigas agressivas, indulgentes, alheias à sua própria dignidade feminina. Aí, devo fazer a justiça, o meu colégio estava bem acima da média.

O erro era meu, portanto. E seria outro erro pior pensar que só dessas raparigas é feito o mundo. Muito pelo contrário. Continuam a existir muitas raparigas belíssimas, sensíveis e de pacata inteligência e dignidade. Daquelas em que os olhos sao mais intensos que qualquer forma corpórea. Há céus a que nenhum diabo infernal consegue aceder.

Mas bom, voltando ao inferno, ou ao limbo da indefiniçao juvenil, nao há reverência, apesar do parágrafo acima, que resista à vivência do mundo. Que fazer? As mulheres, antes de mulheres, sao humanas. E, quando jovens, passíveis de toda a nobreza ou de toda a crueldade de juventude. Podem ser doces, sensíveis, apaixonadas. Podem ser também indulgentes, cínicas e agressivas. Podem também elas "caçar", mais do que ser a presa. Podem pactuar com injustiças e indignidades. E podem desprezar violentamente, como os homens, qualquer alma sensível, masculina ou feminina.

Assim, mulheres e homens, jogamos o jogo da vida. Somos inseguros, egoístas, egotistas, descobridores e amantes. E, se um amigo meu estiver certo, Deus faz erros aos pares. Esperemos que, na dança das cadeiras, quando a música parar, os erros estejam, por mistério da natureza, lado a lado como no plano original.

Alea jacta est.

Pecado Original 16


Luana Piovani. Quem melhor para representar o fulgor da juventude e a inquietaçao sensual despertada pelo calor? Luana é o Verao no feminino: desconcertante, selvagem, curiosa, turbilhao de emoçoes que os rapazes nao conseguem compreender. É belo este espectáculo, do grito de juventude, de uma energia que nos ultrapassa, que temos medo e vontade de conhecer, mas que nao poderemos nunca controlar... Vamos à água, Luana? Só para tirar este calor do corpo.

Desgostante

A frase da silly season, de Joe Berardo: "O meu hobbie de Verao é fazer amor".

Joe, vou usar a língua da velha Albion para que percebas: Too much information!


segunda-feira, agosto 27, 2007

Relax

De uma sonoridade interessante é esta música dos (de?) Mika. Excelente impressao, dentro de um estilo dance-pop (?) que eu acho suportável. A aproveitar enquanto nao se torna banalizada (já estará?) como a anterior Grace Kelly, para mim penosa de ouvir actualmente. Mas às tantas eu arrisco dizer que dificilmente este Relax - Take it easy é tao banalizável. Mas nao comparar, por favor, com a música do post anterior, que joga noutra liga.


Boa Sorte

Belíssima esta música de Vanessa da Mata. Divinal suavidade na voz. Um achado. Agora imaginem-se na vossa sala, no vosso apartamento, sozinhos, depois de um dia intenso, copo de levitante vinho branco na mao, a ouvir esta música num aparelho de som superior. Deus deve mesmo ser brasileiro.


Próxima Estaçao

Eu nem sou particular adepto do Verao, sempre gostei mais do Outono e Inverno. Mas veroes como o deste ano sao algo a recordar. Obrigado aos amigos E, S e C - tecla ESC para um verao diferente. Para o ano há mais.

Agora que venha a mudança: o Outono, o Inverno. O frio e a vindima, o cheiro da chuva, a lareira, as memórias. O outro Portugal, que nao o de praias, biquinis, malandrices estivais, Sashas, Algarves. O Portugal vestido e digno, da uniao, da colectivo, da reclusao e do estudo. O Portugal da alma mais que do corpo. O Portugal dos nossos avós. O palco é o mesmo, que entrem os novos protagonistas.