sábado, janeiro 17, 2009

Os Nazis da Sopa e a Portugalidade

Um dia, viajava este vosso blogger pelo metro de uma alegre metrópole lusitana. Como ainda há duas com metro, vocês vão ter que ficar na dúvida. Como? É bem perguntado: porque sim.

Pois bem, alegremente ia eu - dizia - nessa alegria do silêncio e do 'não me incomodes' mútuo que caracteriza tal meio de transporte quando, à minha frente começo a ouvir uns batuques de tambor. Eram três jovens que faziam uma festa de rumor exótico, no final da carruagem. Aí se haviam sentado, pegado nos tambores e ensaiado - alegremente.

Geralmente prefiro o silêncio, mas a questão é que eles não tocavam mal, e para mim isso bastou: o alegre tamborilar era superior ao morcão silêncio. Estava-se bem. O metro lá continuou - alegremente. A certa altura, numa paragem, entram dois polícias, vestidos a rigor com o seu estilo "Armani SWAT". O clássico negro e cabedal, com um 'POLÍCIA' escrito a branco, etc.. - seguramente incomodando alguém, seguramente descansando alguém, com a sua presença.

Eis que um dos polícias presentes é interpelado por uma senhora mais idosa que ia à minha frente. Como eu não podia deixar de reparar (embora seja assumidamente cusco), só fiquei a perceber tudo depois: ela pediu -lhe para mandar calar os adolescentes que ritmavam no seu recato antes que, suponho, alguém começasse a baloiçar de argola de ferro em argola de ferro, como se de lianas de tratasse. É um perigo real.

Nisto, o polícia lá foi interpelar os músicos primitivos, e, com alguma estupefacção, a coisa ficou por ali. Digo-vos eu - e os mais inteligentes ficam na mesma a duvidar se é certo ou não - que havia uma certa melodia, uma certa qualidade. Não maçava, era alegre. Digo-vos eu.

Perguntei-me, pois, o que motivara assim aquela senhora a fiscalizar aqueles jovens, a trazer consigo essa vontade de os calar. Parecia-me uma insignificância. Parecia uma maneira absurda de cortar a alegria alheia.

Noutra situação, pouco após, vi alguém perder as 'normais estribeiras', de novo por causa de... coisas insignificantes. A tensão que pesa sobre as pessoas - todos sentimos a espaço tensão - mas parece-me haver demasiada... 'bulha' por pormenores. Não vejo, tantas vezes, uma porção que seja dessa energia investida no que realmente importa.

Mas este síndrome, o de fazer tempestades em copo de água, próprio de tempos nervosos, só me recorda o 'Soup Nazi' do Seinfeld, que, quando embirrava com algum pormenor de alguém, lhe negava desde logo a afamada sopa.



A piada da coisa (e aí começa a relação com a portugalidade) é que há uma história segundo a qual Seinfeld se teria inspirado para o personagem numa viagem que fez a Lisboa. Mas provavelmente, como verão se procurarem na Wikipedia, terá sido mesmo num vendedor de sopa nova-iorquino.

Há por aí alguns 'Nazis da Sopa' a chatearem-nos a cabeça. De todas as idades. Há por aí gente que se move, repara, protesta, julga - por 'coisinhas'. Às vezes penso se será uma coisa meio masoquista, espécie de 'death wish'. Como quem deseja ter outros problemas - esses sim, sérios.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Pecado Original 31

Niccolò Paganini ficou famoso pela qualidade dos violinos que fabricava, sendo que muito se tem especulado sobre o segredo por detrás dos seus instrumentos.


Esta senhora, que se chama Gabriela Paganini, é brasileira, mas quem sabe descenda do grande artesão veneziano. O certo é que tem, seguramente linhas muito harmoniosas em si, uma certa melodia nas curvas. Diria mesmo que tem, como dizem os brasileiros, não um corpo violino, mas um corpo violão. E pergunto-me qual será o segredo dela. Apetece-me mesmo atravessar o Atlântico para elucidar tão sedutora questão.









P.S.1: Para o leitor deste blog que dizia estar cheio de fome... cultural.

P.S.2: Que eu pense que, conjugando estes posts com a minha improdutividade, ao considerar a função social que me cabe, num José Vilhena refinado, é algo manifestamente cruel. Eu também podia igualmente bem ser comentador de futebol.

Neunundneunzig Luftballons

E o curso de Alemão continua, feito o segundo exame na semana passada. Continua já amanhã bem cedinho.




A Solução

Estava aqui a pensar que talvez desse para resolver a crise se vendessemos o Mourinho e o Ronaldo aos estrangeiros... Era tão bem feito. Vinham para cá os trocos, e eles ficavam com eles. Por que é que o Ronaldo não pode ser alemão, ou o Mourinho tailandês? Hum? Não era uma grande ideia? Quanto é que não valia? E se fosse preciso punha-se o Sr. Aníbal da mercearia a treinar o Inter, ou mesmo o a D. Estrudes da repartição a centrar para o Berbatov. Porque não? Hum?

Gosto muito de urdir estas considerações sobre Economia. Não sou muito pior que a maior parte dos comentadores, valha a verdade.

Gágá (And Proud of It)

Uma coisa que me chateia ligeiramente, com pessoas da minha idade, é que alguns pensarem (por estereótipo) que, gostando eu de temas mais 'adultos', e conseguindo ter uma luzes sobre Economia, ou Política, que não somente sobre Futebol, de alguma forma 'não pertenço', isto é, a cultura jovem me escapa.

Ora isso é uma absoluta - espera. Há alguma verdade nisso. Talvez alguma dessa cultura juvenil me escape - mas ela é tanta, a quem não escapa? Tudo bem, eu não sei qual é a nova banda inglesa do momento. Mas isso não quer dizer que eu não goste da melhor cultura juvenil, da minha cultura contemporânea. Aliás, desde o momento em que os (so called) adultos começaram a remexer divertidos na 'nossa' net, o que é a cultura verdadeiramente juvenil? Onde está o Gato Fedorento que víamos e que os nossos pais só conheceram, surpresos, por um anúncio a um banco? Hum? Disseste Bruno Aleixo? Veremos.

Mas serve isto para dizer que, já me bastando o paternalismo adulto, e reconhecendo as minhas lacunas, dispenso o paternalismo juvenil. Eu gosto de tudo. É a tal expressão parvóide "omnívoro intelectual". Sempre fui. Diz que é uma espécie de curiosidade.

Mas eu não pertenço à turma dos 'gágás'. Ou antes, pertenço pois, com muito gosto - mas não é à que estás a pensar.


Les Aventures de Tintin: Dans Un Monde Sans Intelligence

Tintin fez recentemente 80 anos. É uma idade vetusta. E eu não gosto que se brinque desta maneira com o Tintin.

Mas ok, caramba... o artigo está suficientemente 'bem-visto' para a gente se rir um bocado. Diz Matthew Perris (ex-deputado conservador, e homossexual assumido) que Tintin é... gay. Alguma calma, por favor, - eis os seus argumentos:
  • "um jovem imberbe, andrógino, com um caracol loiro sobre a testa, em calças de aspecto curioso e um cachecol indo viver para a mansão do seu melhor amigo, um marinheiro de meia-idade?"
  • "um rapaz de face dócil devotado a um felpudo 'toy terrier' branco, cujos outros amigos mais próximos são um par de detectives inseparáveis em chapéus de coco, e cujo única amizade do sexo feminino é uma diva de ópera [Bianca Castafiore - 'A fag-hag if ever there was one']? "
  • " (...) a única e enigmática referência quanto às origens de Tintin [por parte de Hergé] foi descrevê-lo como tendo saído recentemente dos escuteiros."
  • " (...) conto apenas oito figuras identificáveis como mulheres (cerca de 2%) da lista de cerca de 350 personagens por entre as quais Tintin se move na sua vida. Não há qualquer mulher jovem, e nenhuma mulher atraente, nas suas aventuras. (...) Nem mesmo ao seu arqui-inimigo Rastapopoulous, fumador de charutos, empresário de filmes e traficante de drogas, (...) é alguma vez dada uma loira no seu braço ou a miúda do vilão que se esperaria. Permanece solitário."
  • Milú: "o único mamífero masculino que é heterossexual sem ambiguidades no universo de Tintin. Sabemos isso pela tendência de Milú em ser distraído por cadelas (...). (...) 'Pity this dog, wretchedly straight and trapped ina a ghastly web of gay human males'."
  • 'But Snowy [Milú] saw everything; Snowy knows all. And Snowy never tells'
Ora, alguns franceses (embora o criador, Hergé, seja belga) ficaram meio irritados com esta desfaçatez. E eu percebo-os.

Mas, lendo a entrada na Wikipedia em francês sobre Tintin (bem sei - é a Wikipédia, mas quem conseguir cruzar os artigos em diferentes línguas estará mais próximo da verdade), podemos extrair estes factos - que, para mais, me fazem todo o sentido:
  • Hergé chegou a ser interrogado sobre o assunto, e recusou essa interpretação, defendendo que as aventuras de Tintin referem-se somente a histórias de amizade masculinas, e que as relações amorosas não encontram aí lugar
  • é preciso recordar que a legislação do ante-guerra - e mesmo depois - relativa às publicações para juventude era muito rigorosa. Nessa época, a juventude masculina e feminina estava na Europa claramente separada, tanto na vida escolar como nas publicações que lhe eram destinadas. Essa característica pode, aliás, ser comprovada noutros autores para além de Hergé
  • também a grande experiência de Hergé em matéria de escutismo pode indiciar que as suas relações de amizade ao longo da adolescência foram somente masculinas, o que era comum na primeira metade do séc. XX
Eis a resposta a Perris - como deve ser. E a defesa de Tintin, afinal, de toda esta gente que teima em julgar assim - a traço juvenil, sem fazer o 'trabalhinho de casa'.

A piada é boa, sim senhor (mas está visto até que a 'teoria' nem é nova como ele faz crer...) - mas é só piada juvenil, nada mais. Com toda a ignorância , todo
o défice de análise - por debaixo da ânsia na síntese.



Não dá para explicar a este mundo - a esta gente - o que é o onírico, um conceito de honra e amizade que Hergé cultivou, mal ou bem (ponho a hipótese de 'mal', porque a ingenuidade paga-se cara). É o mundo dos Tom Sawyer e Huckleberry Finn, dos Cinco, das aventuras do Hitchcock, do 'Uma Aventura'. É o mundo da fraternidade juvenil, de amigos que se juntavam para explorar este mundo, quando o mundo não vinha todo na televisão e na Internet. É, meus caros, um mundo dos livros. Com alguma simplicidade, com alguma inocência. E o mundo não a percebe mais, porque já não há nele assim paraísos do simples e do inocente. É um mundo mais cruel - mas mais honesto. Quem conheceu esses universos, teve essa sorte, conheceu. Quem não conheceu, bom... pode esperar que regressem. Talvez então, quem sabe, até dê ao filho um livro de Hergé.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Back In Business

Fui ali abaixo comprar o jornal à papelaria que poderia haver no rés-do-chão do meu prédio. Disse-me o sr. Albano, quando eu estava a pagar o Público: "Vem aí o Fim do Mundo". Ainda pensei se seria alguma nova série de televisão. Mas depois percebi. "Então isso quer dizer que não há 'Público' amanhã?". Responde o sr. Albano: "Goze, goze, que vocês é que cá ficam. Eu já tenho 63 anos, já gozei muito, comi que me fartei, e, sem a minha mulher saber, andei amancebado com duas mulatas e uma ucraniana. Vocês é que se vão lixar." Eu já não estava a apreciar a conversa. "Ó sr. Albano, mas o senhor, desculpe lá, se o mundo estiver para acabar de que serve também o senhor ter gozado? Quer dizer, quem é que sabe disso? Eu não, porque não estarei cá. Não vou ser eu a dizer na minha hora: 'Eh pá. Quem me dera ter gozado como o sr. Albano, com duas mulatas e uma ucraniana. Aquilo é que foi viver'. Já não vou ter um filho para lhe dizer: 'Jaquim Júlio, não faças esta vida estúpida do teu pai. Vai mas é curtir como fez a seu tempo o sr. Albano.' De que serve ao futuro todo o gozo que teve o sr. Albano? Vai deixar tanto lastro o seu nome como ali o do Pintas." O Pintas é o rafeiro do bairro, um simpático cão amarelo, de uma cor amarela desmaiada pelo muito coçar em que se entretem, por ociosidade.

O Sr. Albano ficou mais chateado do que daquela vez em que eu disse que o Benfica era beneficiado pelos árbitros. Se eu visse a ucraniana que não falava assim e não sei que mais. "Você não vê", disse ele, que "se amanhã morrermos os dois, eu vou de barriga cheia?". Hum... "Hum... Mas ouça lá, embora isso possa ser verdade, desaparecendo você, o que é que deixa na Terra? Quem é que vai dizer: 'aquele indivíduo não só existiu, mas gozou que se fartou'? Quer dizer, que obra ou filhos deixa você?". "Uma filha.". Ah, ah! "Bom, pelos vistos não deixa, não é? Quer dizer, o Fim do Mundo, quando vem, é para todos, não?" Não gostei muito da expressão com que o sr. Albano me fitou naquele momento. Suspeitei que já não me ia calhar o próximo fascículo de biografias de Grandes Carpinteiros com o 24 horas. Mas tudo bem, já tenho a do Gepetto (é por isso que mais vale prevenir).

Algo embaraçado, lá me fui embora. Era para lhe perguntar pelo novo fascículo da Agostini e pelo sentido da Vida, mas achei melhor ficar para outro dia. Isto, claro, na eventualidade de haver um outro dia.

Mas a verdade é realmente essa. A tal coisa portuguesa de curtirmos mais a vida, só faz sentido se... ainda houver mundo. Se os tipos acabarem com ele, por terrorismos, guerras ou crises financeiras, infelizmente, ninguém vai comentar o meu recorde de 322 croquetes em dia e meio. A modos que a coisa, vá por onde vá, nos lixa sempre. Ah e tal, vem aí o fim do mundo e fulmina-nos todos. E pah, se for mesmo todos, todos, é desagradável. Porque se somos nós e aqueles aos que fomos mais espertos, então... diacho - volta tudo à estaca zero.

Foi aí que eu senti que o que o sr. Albano, na verdade, me queria dizer, era que devia manter o meu blog como estava. E isso, claro, significa deixar o 'Rústicos Epicuristas', mas lá terá que ser. Eis pois, o fim da mais curta moratória anual de sempre - nomeadamente porque durou somente um terço do mês.

Enganei-vos bem, não foi?