sexta-feira, fevereiro 01, 2008

A Maldição Pedro Oliveira

Por curiosidade, constato que a maior parte dos amigos com quem mais estou nestes dias é benfiquista. Não seria preciso ir mais longe que os próprios co-autores deste blog. A minha lucidez analítica de sportinguista não sabe exactamente porquê - serão efectivamente mais, suponho (raios!).

Vou, por isso, aproveitar para, amigavelmente, lançar uma maldição ao Benfica. Só por amizade. Bom, não é exactamente uma maldição - mais bem é uma previsão, que deve inclusive agradar a muito benfiquista. Nem eu preciso de ser anti-benfiquista para ser sportinguista, felizmente (nos jogos é cada um para seu lado - e aviso já que sou muito mais sportinguista quando stressado ou provocado). Sou até bastante moderado - e às vezes, supremo crime, perfeitamente indiferente ao futebol nacional.

A maldição decorre de uma análise das coisas que suplanta o futebol. Pois bem, fica escrito neste blog, neste dia, a esta hora (ver abaixo), que Pedro Oliveira cunhou esta previsão:

O Benfica só voltará a uma final da Liga dos Campões quando apenas uma equipa portuguesa puder ir a essa competição

Está enunciado. Ensaio de justificação: decorre da psique benfiquista que é necessário, primeiro, limpar a frente interna, doméstica, para então conseguir a expansão. O modelo existente favorece, claramente, as aspirações de Sporting e Porto, e prejudica o Benfica. O modelo de Taça dos Clubes Campeões Europeus seria muito mais favorável à natureza do Benfica.

Quando eu falo de aspirações do Sporting na Liga dos Campeões - bom... faço-o por cortesia com o meu clube. O Sporting, também pela sua natureza, não está talhado para ir muito longe nessa competição específica (já uma Taça da Liga, doméstica, é perfeita para ser coutada leonina - ok, eu percebo a diferença. É preciso é ganharem das outras e cá estaremos para os campeonatos). De essa capacidade julgarão alguns os dois clubes. Mas, pessoalmente, eu tenho orgulho, como sportinguista, nos jogadores que o meu clube consegue formar, no seu desenvolvimento de talento, e, nos melhores anos, numa estética de jogo que suplanta o resultado final (riam-se à vontade).

O que me interessa realmente é verificar se esta maldição se verifica. E reparem que eu digo "final", porque ganhá-la é mexer com uma maldição que precede a minha, e eu quanto a essa anda posso fazer. Não se esqueçam, pois, deste post. Ah, e, já agora, peço somente o favor de remeterem como autor, algum dia, desta inusitada opinião.

"Dá-lhe Falâncio!"

Faltava, apesar de tudo, neste blog. Alguns bons momentos (nestes clips há pormenores geniais - veja-se a ideia para a Campanha Agrícola do séc. XXI no Alentejo) merecem o convite a Neto e Falâncio para o Generosità, que tem a mania de ser da reacção. É favor mandar as crianças para a cama - a linguagem pode ter contornos revolucionários (dispensáveis na parte do fado, mas é o ardor da luta).



É preciso ir para o Governo - mudar o rumo deste país. E o das nossas contas bancárias.

Nota: repare-se na alegria e cooperação de Falâncio ao ser levado pelo segurança no treino de Portugal. É que, por alguma razão, o homem era discriminado - os seguranças têm uma apetência especial pelo Neto/Jel. A reacção quando nasce não é para todos.

Tempo

Há coisas que me espantam, verdadeiramente, na vida. Algumas obras de Miguel Ângelo, por exemplo. O seu Moisés, a sua Pietà, a sua Capela Sistina, o seu David. Mas, talvez quase tanto, é o facto de, tendo feito tão glorioso trabalho, e tornando-se mítico, por exemplo, o seu esforço físico ao pintar a Capela Sistina, tenha vivido quase 90 anos (!). Incrível.

"Olha, Desculpa Lá..."

Foi ainda esta semana. Tinha apenas regressado a Lisboa, começado a revisitar de rotinas. Levantar mais cedo, comprar bilhete de metro, almoçar no café, e ter a inteligência ofendida ao comprar o bilhete de volta. Sim, eu sei que fui eu que me meti na parte de trás das máquinas, mais resguardada, ao jeito deles. Apeteceu-me. "É que falta-me dinheiro para o bilhete, se não te importasses...". Depois do meu sermão, o desabafo ao calor (andara um belo esticão ao sol), já era "ando na metadona". 70 cêntimos. Só não recusei em absoluto porque seria também soberba. Também não trabalho ainda, não faço dinheiro, não tenho a legitimidade completa. Hoje era o tal dia cada 2 meses em que eu pagava alguma soberba. Tiveste sorte. "Desculpa lá". "Não tenho nada a desculpar. O problema é teu". Voltei as costas, subi para o metro.

Compromisso: sermão até ele torcer por vergonha, mas 70 cêntimos consentidos. Estou-me nas tintas para os 70 cêntimos, honestamente. Vejo alguns que desperdiçam dinheiro em hedonismos que eu não acompanho, e me vêm pregar "questão de princípio". É a sua puxada à Presidente dos EUA. Em vez de "este país não negoceia com terroristas", é "não se dá dinheiro a essa gente". A solenidade é a mesma. Ficam todos satisfeitos pela sua rigidez contra-intuitiva, com a SWAT ou os trocos ali à mão para provar a sabedoria.

Mais bem é falta de coração digo eu. Não são 70 cêntimos a quem está perdido que me compram um lugar no céu, é certo. Mas também não sei dizer que não todos os dias. Algures no meu sistema de débitos e créditos, um funcionário do Tesouro manda a mensagem para a "mainframe": "tudo bem, o sistema está carregado, suporta a perda." E o secretário de estado da Trouxice (que felizmente pouco faz neste Governo) assina o despacho. Vai à Assembleia. O líder da oposição, que tem o pelouro da Mesquinhice corrige: "tudo bem, desta passa. Mas só 70 cêntimos".

O princípio que mais me terá chateado foi o de orgulho ferido, talvez. Aquele "toni" nem sequer se perguntou, não disse a si mesmo "não, este está a jeito, mas é inteligente demais para a coisa... Não dá mesmo." É certo que há a sede estúpida de prazer, mas caramba: saibam escolher os vossos otários s.f.f.. Como é que é? Não, não soube, acreditem. Aqueles 70 cêntimos foram o esforço de um dia. "Então como é que foi o teu dia a pedinchar humilhantemente no metro, querido?". "Ehh..., não me digas nada mulher [descalça os sapatos]. Apanhei um gajo que devia voltar cansado ou qualquer coisa, para me dar 70 cêntimos parece que tinha morto alguém, ó caraças. E ainda disse que tinha tido sorte. Decidi que por hoje chegava, era mau dia". "É assim, Nico, já se sabe... Há aí gente sem educação nenhuma".

De futuro exijo, como cliente pagante (de 70 cêtimos cada 2 meses), variedade. Não chega sempre a mesma frase repetida por todos. Já sei que "a velha" está no hospital, coitada. E que "falta só X para o bilhete", que coincidência. Já terei algumas saudades do "para comer"... Da próxima quero algo como "estou com uma granda fezada que é desta que ganho o Euromilhões", "preciso de mais moedas para estacionar a nave espacial. Aqueles gajos da EMEL são lixados", "pretendo fazer uma Lisboa em miniatura com moedas de 50 cêntimos", ou mesmo "é que tenho ali uma miúda... sabes como é. Precisava de uma moeda pra fazermos à sorte quem fica por cima".

Arcaica Força Centrípeta

A propósito da música que faz o último, brilhante, post do Edu neste blog, leio no comentário do utlizador que o colocou no YouTube:

"It's about different generations in Quebec and what kind of life possibilities they had. I suppose it could apply to anywhere but the transition in Quebec from Catholic backwater to liberal modernity was particularly quick and harsh".

Não posso deixar de me rir interiormente. Faz lembrar outro país que a gente sabe, não?

Cruzo o pensamento com o Rio das Flores, de Miguel Sousa Tavares. Tenho constatado que, ao longo dos meus tempos, a maior parte das pessoas não é capaz de perceber essa obsessão telúrica, quase vertigem, dos seus avós. Mesmo os que ainda conheceram os avós do campo. É certo que o país era atrasado, e é certo que para muitas pessoas não havia, em muitos casos, outra hipótese que não perseguir essa vida rural. Mas o ser humano era, por muito que nos custe, tal como hoje. E alguma razão haveria de ter.

Quando passar o complexo surgido num cosmopolitismo balofo a uma ditadura paternalista e rural, como a salazarista, as pessoas ainda um dia vão perceber esse sentimento. E o sentimento de liberdade e independência absoluta que ser "landowner" dá. Alas, para tantos deles, tarde demais. Andam mais entretidos em jogar as Liasons Dangereuses da vida (e de algum modo contra mim falo também...).

Mas, voltando a Sousa Tavares, ele sempre percebeu esse sentimento da sua infância, em parte, campesina. E aproveitou-o bem para este romance. É que a coisa, está visto, vem de muito, muito longe. E parece que não vai mudar assim tão cedo, também - que este música vem de algum lado. Desde os Sem-Terra brasileiros à Tara de Scarlett, haverá por aí sempre gente a sonhar com essa vida.



É que da Babilónia, ao contrário do que eles pensam, também está tudo visto e revisto. Há só variações de tema. Talvez o futuro ideal seja conjugar a universalidade e prazer intelectual do Cosmos com essa ruralidade e regularidade na vida, se pudermos. E, com boas estradas, Internet, Tv Cabo ao nosso dispor, há sempre isolamento que se perde, há sempre mundo que se ganha. Estes tempos, malgrado a nossa desenvolvida depressão, são dos melhores que a Humanidade tem vivido, meus caros. Volto ao senhor Flaiano, deste post, que dizia que
quando "l'uomo non ha più freddo, fame e paura è scontento". Aproveitem cada dia. Non si sai mai.

Dégénérations




Ton arrière-arrière-grand-père, il a défriché la terre
Ton arrière-grand-père, il a labouré la terre
Et pis ton grand-père a rentabilisé la terre
Pis ton père, il l'a vendue pour devenir fonctionnaire

Et pis toi, mon p'tit gars, tu l'sais pus c'que tu vas faire
Dans ton p'tit trois et demi bien trop cher, frette en hiver
Il te vient des envies de devenir propriétaire
Et tu rêves la nuit d'avoir ton petit lopin de terre

Ton arrière-arrière-grand-mère, elle a eu quatorze enfants
Ton arrière-grand-mère en a eu quasiment autant
Et pis ta grand-mère en a eu trois c'tait suffisant
Pis ta mère en voulait pas ; toi t'étais un accident

Et pis toi, ma p'tite fille, tu changes de partenaire tout l'temps
Quand tu fais des conneries, tu t'en sauves en avortant
Mais y'a des matins, tu te réveilles en pleurant
Quand tu rêves la nuit d'une grande table entourée d'enfants

Ton arrière-arrière-grand-père a vécu la grosse misère
Ton arrière-grand-père, il ramassait les cennes noires
Et pis ton grand-père - miracle ! - est devenu millionnaire
Ton père en a hérité, il l'a tout mis dans ses RÉERs

Et pis toi, p'tite jeunesse, tu dois ton cul au ministère
Pas moyen d'avoir un prêt dans une institution bancaire
Pour calmer tes envies de hold-uper la caissière
Tu lis des livres qui parlent de simplicité volontaire

Tes arrière-arrière-grands-parents, ils savaient comment fêter
Tes arrière-grands-parents, ça swignait fort dans les veillées
Pis tes grands-parents ont connu l'époque yé-yé
Tes parents, c'tait les discos ; c'est là qu'ils se sont rencontrés

Et pis toi, mon ami, qu'est-ce que tu fais de ta soirée ?
Éteins donc ta tivi ; faut pas rester encabané
Heureusement que dans' vie certaines choses refusent de changer
Enfile tes plus beaux habits car nous allons ce soir danser...

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Um Lema Para Portugal

A propósito do post anterior, visitar este blog, de Beppe Severgnini, que anda à procura de um lema para o seu país. Aliás, ao que ele diz, foi ele que criou o "L'Italia è una repubblica fondata sullo stage", remodelação irónica do artigo 1 da constituição italiana, "L'Italia è una repubblica democratica fondata sul lavoro". Está na letra da pungente música de Christicchi (já apresentado neste blog) "laureata precaria" (basicamente, "licenciada a recibos verdes"):

"(...)
L’Italia è una Repubblica fondata sullo Stage

Corsi di formazione, Master e New Age
I licenziamenti sono all’ordine del giorno
Avere un posto fisso è come fare Terno al Lotto…
(...)"

(não há vídeo no YouTube, só estas gravações).

Mas voltando ao blog, e antes de entrar nas outras sugestões para Itália, pausa só para as preciosidades que o Herald Tribune recolheu para o Reino Unido (daí vem o desafio de Severgnini):

"One mighty empire, slightly used"

"We apologize for the inconvenience"

"No motto, please - we're british", d'aprés o célebre "No sex, please - we're british"

Então e para Itália? Eis as primeiras sugestões:

"L'onestità è un optional" ("A honestidade é um extra")

"Non si sai mai" ("Nunca se sabe", ou "Nunca fiando")

"Libera curva in libero stadio" (tomado emprestado do "Livre Igreja em livre Estado" pelos amantes do futebol)

"Uno per uno, Tutti distrutti." ("Um por um, Todos destruídos", remetendo para a individualidade egotista, "trademark" italiana. Hiperbolizando poder-se-ia dizer que um italiano só pára de ser egoísta se obrigado. A sua liberdade acaba onde choca de frente com a do outro. Não há cá "sociedades").

E, pergunto eu, um lema para Portugal? Ou, melhor, um lema para os portugueses?

A Situação é Deseperada, Mas Não é Grave

Diz Maurizio Costanzo (também não conheço) num livro que anda por aí: "Un paese anormale: l'Italia che non ci piace", que pertence ao jornalista Ennio Flaiano (idem, mas se se derem ao trabalho, este senhor tem algumas frases excelentes, "à la Millôr") a frase: "La situazione è disperata ma non grave".

Realmente, com as peripécias da política italiana (dou comigo a invejar a Espanha na sua tranquilidade democrática, de legislaturas para cumprir, no meio destes dois insanos países verticais), não há frase que se lhes aplique melhor. A situação é desesperada, mas não grave. E, se nós tivéssemos alguma lucidez, quem sabe, acabaríamos a dizer o mesmo de algumas coisas por cá.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

A Luxúria do Pensamento

Santo Agostinho de Hipona escreveu algures sobre o "eros da mente". Referia-se ao desejo da mente humana de compreender, de tornar os fenómenos inteligíveis. De alguma forma, de usar a surpresa causada por uma situação para a poder prever no futuro, acrescento eu (alguém o terá dito antes, seguramente...).

A luxúria do pensamento, a paixão por perceber, o prazer intelectual que daí advém é, parece-me, um bom pilar para uma vida (digamos que há luxúrias bem piores e menos úteis). E, claro, é tão boa justificação para este blog como qualquer outra.