sábado, dezembro 22, 2007

Boas... Festas


Eis a minha ajudante de Natal no Generosità. Ou aquilo que eu pedi este ano... Já não me lembro bem - é uma das duas. Nada como uma noite tranquila, o bom jantar de tradição, o calor quente da lareira a acariciar toda a sala, e os humildes presentes sob a árvore, nomeadamente uma Laetita Casta em lingerie (portei-me muito bem este ano...). Não gosto de desembrulhar os presentes antes - mas este eu adivinhava.

A todos os leitores do Generosità, os meus desejos de Boas Festas e um Ano Novo cheio de novidades, risos, pequenas e grandes alegrias. Que o próximo ano seja generoso para todos vós. Um abraço.

Pessoas Movediças

"- Por que é que eles não se calam ao falar com ela [professora]? Estão ali a discutir inutilmente, nai vai dar em nada. Não percebem que ela é areia movediça - quanto mais se mexem, mais se afundam."

terça-feira, dezembro 18, 2007

Cáfila

Olha... Notícia curiosa. Querem ver que Francisco George se vai dedicar em exclusivo à docência? É uma cruzada difícil, e eu não estou exactamente de acordo com ele. Embora não-fumador, tenho-me por extremamente tolerante. Desde que lidando com pessoas de bom-senso, não participo em "caça às bruxas" a fumadores. E acho que esta é uma lei que não vingará, mas é saudável, pelo menos, o esforço.

Aprende-se muito a ler o Correio da Manhã. Não é que esta coisa de não fumar às vezes ainda pode ser pior para as pessoas? Realmente, sejam eles fumadores ou não fumadores, os farmacêuticos têm sempre soluções, estão sempre a lucrar. Essa gente é uma cáfila autêntica.

Não Sair de Cima

Com o assédio invernil a Edgar, jogador que o Porto foi buscar naquele afã típico de o roubar ao Benfica (mais do que ao Sporting, é o Benfica que tem tido a guloseima que o Porto cobiça), relembro que, num plantel tão extenso, a sorte tem permitido uma paz podre.

Com tantos jogadores, o Porto criaria sempre "ghettos" no plantel. Existem vários jogadores que, este ano, ainda nem "cheiraram" o relvado. Não fosse a sorte de uma série vitoriosa, haveria certamente um barril de pólvora a explodir para aqueles lados. Se bem se conheço o Porto, entre os jogadores que saírem e entrarem no Inverno, o saldo não andará muito longe de 0.

É caso para dizer que o Porto "rouba" os jogadores para os inutilizar, os "secar" abaixo dos titulares. É uma espécie de política de contratações "não **** nem sai de cima" (é o povo que diz, não sou eu)...

O problema é que o Porto, por agora, pode-se dar ao luxo de a reclamar como inteligente, que não é, porque, no que respeita ao campeonato e às conquistas desta época, não aparenta, "sair de cima" tão cedo.

Da Nobreza

Julgo que, numa sociedade onde impere o livre-arbítrio (e não é uma condição assim tão simples), a nobreza está em, percebendo quando o outro está, de alguma forma, menorizado, não se aproveitar da situação. Não só perguntar se outrem está em plena liberdade na decisão que faz, perguntar tão bem se a faz em plena lucidez.

A nobreza está, genericamente, no pormenor. É de uma alma nobre deixar de exercer direitos legítimos, escritos, em função de regras não-escritas. E, tantas vezes, os beneficiários nem de tal se apercebem.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Pecado Original 24


Carla Bruni. Nascida de "boas famílias" italianas (e os italianos prestam antenção a esse pequeno pormenor), e educada pelos pais, na "villa" de campo, a falar igualmente com o mais douto dos homens como com os alegres camponeses que cuidavam da propriedade. Sempre em paz com o elemento natural, Carla cedo teve que se confrontar com o elemento humano: a família teve que fugir da Itália natal para França, na altura das "brigatte rosse", em plenos "anni di piombo"... (1970s). Lá foi a pequena Bruni crescer numa Paris que a veria afirmar-se por entre a primeira geração de top-models internacionais (Schiffer, Campbell, Evangelista). Aproveitada essa época de ouro, partiu então para a música, tendo lançado dois albuns, um deles o ano passado. Abaixo está o belo tema "Quelqu'un m'a dit".

Bruni tinha lugar marcado neste Pecado Original, era realemente uma questão de tempo. Mas foi a descoberta, ontem (noticiada hoje), de que pode estar envolvida com "monsieur le presidént" Sarkozy, que precipitou a justa dedicatória. Como é que se diz "bem fisgada" em francês? Hum... se o soube não me lembro.

Bravo, Sarko! Assim, estás cada vez mais próximo de seres o político-ícone da minha geração. Sempre a marcar pontos - trazes contigo a vitória do bom gosto. E no entanto (não resisto)... sacana, pah! Mais uma beldade que eu não sabia disponível e que nunca conheceria, nem se interessaria por mim, que eu deixei escapar incompreensivelmente. Malandro! Quer-se dizer, vens a Lisboa falar com o boçal Khadafi e não trazes a "dame du coeur". Depois anda cá pedir ratificações de Tratados sem referendo que a gente diz-te. Bandido.


sábado, dezembro 15, 2007

Natal, Natais


Natal à Beira-Rio


É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...

Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

(David Mourão-Ferreira)

A Brincar Comigo

Estou a comprar gravatas numa loja da especialidade. Passo os dedos pelos padrões e matizes, insatisfeito. Sou muitíssimo exigente nesse simples acessório... Adoro gravatas, nada a fazer. Nisto, coloca-se a meu lado um rapaz, da minha idade suponho, com um ar distraído e desgranhado, que vinha com a namorada, e andava a escolher as gravatas no módulo "chuchuzinho, gostas desta?". Não é que ele dissesse isso, mas é somente a classificação que eu uso para os casais nefelibatas e... chatos.

Ao escolher as gravatas, deixa, subitamente, cair ao chão uma enorme quantidade. Eu, que estava ao lado, por reflexo, apanhei-as. "Obrigado". Não tem de quê, pensando eu, nem olhando para ele sequer, embrenhado nas "minhas" gravatas, pensando como seria possível deixar cair tantas ao chão. Eis quando, pouco depois de as recolocar, rolam, gozonas, mais umas dez gravatas ao chão, batendo a sua placa-cabide no chão, com um barulho denunciador. "Mas será possível? Que grande trapalhão". Apanhei-lhe de novo as gravatas (por qualquer razão ele demorava a fazê-lo, deliciado com a sua própria trapalhice: "chuchuzinho, já me viste isto?"), pensando que, sendo eu próprio pouco hábil tantas vezes, havia gente bem pior. Ele ficaria de referência para a minha próxima situação constrangedora.

Mas nem tive tempo de saborear esse pensamento, porque faltava-lhe ainda deixar cair um outra gravata. Três vezes! Três vezes é demais, é um teste à minha cortesia. "Amigo, eu para esta nem me mexo", não lhe cheguei a dizer - fiquei-me somente pelas minhas gravatas. Lá se riu ele com o "chuchuzinho" e a apanhou. É que eu gosto de ser prestável e cortês, mas três vezes já é Deus a brincar comigo, já há contornos de ira. Chega.

É claro que Deus sabe melhor, e, pouco depois, sou eu quem deixa cair a placa-cabide de uma gravata ao chão (só isso, apesar de tudo), mas com esse barulho como quem diz: "não penses que não te acontece a ti". Raios.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

O Dito Por Não-Dito

É no nível de "goes without saying" que uma pessoa também se define. Aquilo que observa sem reclamar, aquilo que respeita, sempre respeitou. É no não-dito, na forma como são preenchidas as lacunas, que aprendemos sobre alguém. E, não raras vezes, chegamos à conclusão de que "sometimes less is more" - há quem, dizendo pouco, diga o fundamental, mantendo uma coerência discreta.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Se Os Não Podes Derrotar...

1º Caso

Há dias pediram-me um livro para fotocopiar. Tendo nascido entre livros, tenho um respeito ancestral pelo objecto. Sou da tribo que sente o cheiro, o tacto, que detecta os matizes nas folhas, às vezes mesmo na letra. Ou, pelo menos, era - que hoje, não sei se condicionado pelo meu curso, se por outras razões, vejo-me a ler bem menos que aquilo que gostaria. Mas sobre o prazer da colecção de conhecimento, de vidas, nas nossas mãos, sobre essa quase luxúria do livro tentarei discorrer noutro post - que o merece.

Tenho respeito pelo livro, dizia. Acontece que no outro dia pediram-me justamente algo que eu detesto particularmente (e eu até nem detesto muitas coisas particularmente): fotocopiar um livro. Antigamente fotocopiar um livro era um acto inconcebível para mim: eu podia poupar em muitas coisas, (e, acreditem, nunca fui muito gastador, ou então fui inconsciente), mas preferia sempre investir no livro a fotocopiá-lo. É claro que, havendo bibliofilia por casa, as coisas eram mais fáceis de enquadrar, mas, ainda assim, acabava por ser uma opção.

Isto no que respeita a fotocópias para mim. Mas é maior o problema quando se trata de fornecer fotocópias aos demais a partir de livros meus. É que... o livro não é o mesmo. Eu costumava dizê-lo "esventrado" pela fotocopiadora. As páginas começavam a descolar de forma às vezes irreversível, e o livro parecia mais volumoso, mudado, estranho aos olhos de quem dele tanto gostava. É como ver perante nós um amigo querido que fez algo muito estúpido, que comprometeu o seu ser, a pessoa que nos era familiar (só um verdadeiro bibliófilo aceita esta comparação desmesurada).

Portanto, quando me pediram para fotocopiar um livro meu, essa alergia voltou. Não tão intensa como antes - suponho que ando menos livresco e mais dado ao compromisso nesta questão. Ainda assim, pedi para só o emprestar em último caso. Houve um colega que se disponibilizou, e eu expus-lhe a situação, com a cortesia e honestidade devida, disposto, no limite, a rever a minha posição. Felizmente ele é muito mais racional que eu nessa matéria, e não houve qualquer problema.

2º Caso

Parte de um plano acarinhado há alguns meses, a minha irmã mais nova quer trazer a casa amigos estrangeiros que conheceu em Erasmus. Não estando eu por lá nessa altura, pensou, tomou como adquirido, que poderia usar o meu quarto para os alojar. Ora eu sei que estas coisas são importantes para ela, e, julgo eu, não tenho mais infantis prazeres de contrariar, mas... aquele espaço, sinto-o como meu, e disse-lho.

Não acho confortável a ideia de ter pessoas que não conheço por lá. De todo. Claro, para ela é tudo muito mais prático, tudo questão de mudar camas. É certo, racionalmente faz sentido. Mas, lá está, eu não sou muito racional em várias coisas. Sempre respeitei o espaço dos outros, nomeadamente o dela, e gosto que repeitem o meu. Mas, realmente, devo estar aqui contra os ventos deste tempo. São velozes, exigem o descartável, e abominam o apego. E eu gosto de algum apego.

Dou comigo a pensar nesta frase de Pacheco Pereira, neste artigo (espero não a citar descabidamente):

"A privacidade é, no seu melhor sentido, um dos adquiridos do mundo burguês, da casa, do espaço familiar ou reservado, da liberdade de mostrar ou esconder o que nos parece ser a última propriedade: o mundo próprio do ser."

Serei eu quem está a ser anacrónico, obsoleto, inflexível, precocemente envelhecido - "careta", "bota-de-elástico"? Ou ela que não está a respeitar um princípio básico, que "goes without saying"?

Dado estas duas situações, serei eu quem é socialmente disfuncional? Em confronto com todos os outros? Cultivando delicadezas risíveis, reclamando direitos hilariantes? Que insiste numa individualidade exagerada, que ninguém respeita - mas que também ninguém reclama? Com o tempo virá a resposta. Convinha não demorasse muito, para que um possa decidir se resiste ou se cede. E seguir em frente com a sua vida.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Deep

Manhãs de Outono, o céu plúmbeo acima de nós. Um ligeiro quebranto, talvez mesmo um certo nervoso. Nos sentidos, percorrendo todos os sentidos, a música de Leonard Cohen. Que quase nem precisaria de música.




Don't matter if the road is long

Don't matter if it's steep
Don't matter if the moon is gone
And the darkness is complete
Don't matter if we lose our way
It's written that we'll meet
At least, that's what I heard you say
A thousand kisses deep

I loved you when you opened
Like a lily to the heat
You see, I'm just another snowman
Standing in the rain and sleet
Who loved you with his frozen love
His second hand physique
With all he is and all he was
A thousand kisses deep

I know you had to lie to me
I know you had to cheat
You learned it on your father's knee
And at your mother's feet
But did you have to fight your way
Across the burning street
When all our vital interests lay
A thousand kisses deep

I'm turning tricks
I'm getting fixed
I'm back on boogie street
I'd like to quit the business
But I'm in it, so to speak
The thought of you is peaceful
And the file on you complete
Except what I forgot to do
A thousand kisses deep

Don't matter if you're rich and strong
Don't matter if you're weak
Don't matter if you write a song
The nightingales repeat
Don't matter if it's nine to five
Or timeless and unique
You ditch your life to stay alive
A thousand kisses deep

The ponies run
The girls are young
The odds are there to beat
You win a while, and then it's done
Your little winning streak
And summon now to deal with your invincible defeat
You live your life as if it's real
A thousand kisses deep

I hear their voices in the wine
That sometimes did me seek
The band is playing Auld Lang Syne
But the heart will not retreat
There's no forsaking what you love
No existential leap
As witnessed here in time and blood
A thousand kisses deep

quinta-feira, dezembro 06, 2007

O Pódio

Falando da língua portuguesa a uma espanhola, e tendo já lidado com português, francês e italiano, confesso-lhe que, realmente, em termos de dificuldade crescente vamos do espanhol ao italiano, e só então ao português. "Repara que, em Espanha, existe mais que um idioma (castelhano, basco, galego, catalão*), e em Itália, a cada região corresponde um dialecto único (um lombardo pode não perceber palavra do que diz um napolitano). Em Portugal, sendo certo que o país é mais pequeno, todos falam a mesma língua, integralmente a mesma. Até os matizes são insignificantes. O que tu descobrirás, se tiveres curiosidade, é que o português é uma língua muito especial no sentido em que permite uma grande criatividade e individualidade - é como se cada português falasse a língua adaptada à sua pessoa".

*Se houver dúvidas quanto aos outros, seguramente que o basco é, mais que dialecto, uma língua distinta

Selecção Natural

Ah, a necessidade de classificar... Panda? Ratazana? Nem um nem outro?... Pensemos antes assim: deixemos a selecção natural funcionar, mais que forçar uma opinião. Observemos em silêncio, com algum respeito, alguma humildade. Porque, às vezes, quando classificamos ("tu és isto", "tu és mais assim"), estamos na verdade a tentar evitar, justamente, essa essa selecção natural. E a isso alguém chamaria de inveja, mesmo até de canalhice...

quarta-feira, dezembro 05, 2007

O Gene

"Dilbert", uma "comic strip" de que gosto bastante, satiriza o ambiente de trabalho nas empresas tecnológicas, tipicamente as "cube farms", com enormes salas de cubículos, saídas dos anos 80. Os empregados/personagens são todos engenheiros informáticos. Se o engenheiro é já um ser... especial, o engenheiro informático é a versão amadurecida de um universitário "nerd" até às lágrimas, socialmente inábil e emocionalmente desencontrado.


Numa dessas tiras o tema é justamente a capacidade masculina para evitar trabalho desnecessário. Há um "gene", exclusivamente "macho", que permite "cheirar" o trabalho desnecessário. As mulheres não têm esse 6º sentido, esforçam-se muito mais. Sempre achei que havia algo de verdadeiro nesta observação, e comprovo-o pela dinâmica de alguns anos de trabalhos universitários em grupo. Suponho que algumas vezes o trabalho constante a longo prazo compensa, pela mecanização e pela humildade, noutras o trabalho desnecessário rouba-nos, de facto tempo de vida e stressa-nos sem necessidade. Ou seja, às vezes ganham elas, outras eles.

A Grande Porca

Chega a altura de eleições para a associação académica da universidade. Parece que haverá uma lista que se mantém, outra para a "novidade". Não reconheço qualquer utilidade à organização, e tem sido burgo daqueles que pretendem muito mais "do well" que "do good" pela comunidade de alunos. Nada de novo... Mas, na perspectiva da possibilidade de câmbio, do Generosità vão 3 conselhos:

1. Leiam este livro - devorem este livro. Poupar-vos-à muito tempo de vida, erros e maquinações fátuas. É uma obra-prima de simplicidade e natureza humana.


2. Já que a universidade tem ao lado a sua casa, lembrem-se das caricaturas daquele tipo dos livros de História, sim esse: o Rafael Bordalo Pinheiro. Não se esqueçam que a política, do lado dos eleitores, parece ainda (e sempre?) "a grande porca".


3. Lembrem-se deste poema:

Termidor Errado (25 de Novembro de 1975)/XI

"Democracia é alternância"
repetiu de novo a embalar tédio
um senhor de sonho espesso.

Como se fosse possível - ó glória! ó ânsia! -
construir um prédio,
mudando de vez em quando
os mesmo tijolos do avesso.

(José Gomes Ferreira)

Estações Sul-Americanas

Sem o saber ou querer bem explicar porquê, às vezes o Inverno português parece-me argentino - como o Verão brasileiro.

Pecado Original 23

Se estivéssemos na selva (e às vezes parece mesmo que estamos), Valeria Mazza seria uma leoa, rondando segura o seu território, atenta a todos os elementos. Passaria serena, mas pronta para toda a defesa, num impulso. O mero olhar, os olhos intensos, vigiam toda a insistência canalha, e desencorajam as vis hienas de entrar na sua toca.

Não me lembro de Valeria como rapariga, quase sempre foi (jovem) mulher. Corrijo: Mulher. Reclamando a sua dignidade desde logo, mas sem medo de ir em frente, e de ser ela a defender-se a si mesma. Com toda a sensualidade feminina, mas sem a delicadeza doentia. Com curiosidade e alegria, mas elegendo a fidelidade acima de tudo. Sabendo cortejar e ser cortejada sem manipular - muito menos admitindo ser manipulada. Sabendo divertir-se sem perder o controlo. Sabendo escolher as pessoas, e não hesitando em confrontar o que não está - simplesmente não está - certo. Prazenteira sem ser escrava do prazer, sem fraquejar. Segura sem ser arrogante. Bela sem ser inatingível.

Nem elegante nem voluptuosa: tão somente mulher até ao osso. Mulher sem se preocupar demais com isso. Agora, que espera o seu quarto filho (e será, decerto, boa mãe), um cumprimento de admiração, e respeito, não só de mero deleite estético, a esta argentina, de corpo, de beleza e de coração.

"noi fummo i Gattopardi, i Leoni; quelli che ci sostituiranno saranno gli sciacalletti, le iene"

terça-feira, dezembro 04, 2007

Sem Compromisso

"- Mas vais?
- Sei lá. Sabes como eu costumo dizer - não me comprometo. Sou o autêntico profissional da indecisão. É só mais uma hipótese. Uma hipótese muito interessante".

Obrigado

Só para assinalar a personagem mais bem conseguida, creio, nesta série de Gato Fedorento: Ezequiel Valadas. Note-se a sua última frase "obrigado sou eu", preparada para "pegar", entrar no maistream, ser repetida e emblemática. É bem capturado, o falar campesino, que Ricardo Araújo Pereira conhece bem. Mas... se pensarmos bem nisso, dizer "obrigado sou eu" não estará assim tão errado. O nosso "obrigado" é parente em termos de significado do "obliged" inglês. Eu sinto-me obrigado ("feel obliged"), eu estou obrigado ("I am obliged"), mais do que sou obrigado. Ainda assim, não é um tosco tão tosco como parece. Aliás, como raramente o é, o tosco campesino, para o julgamento (amiúde, esse sim - alarve), do citadino. No Portugal campesino há expressões que decorrem, mais do que ignorância, de uma certa pureza linguística, e sentido profundo da língua, antes de ela se tornar superficial, vácua e veloz no frenesim citadino.




Chassez Le Naturel

No outro dia algumas colegas levantaram a questão do "casar e ter filhos". Quem, eu? Nunca sabemos como será a nossa história, mas digo-vos isto para esta geração: os 30 são os novos 20. E a classe média com um emprego relativamente bom (o meu futuro?? hum...) tem alguma margem de manobra. O pior é mesmo se, estando o resto do país tão mal, ser "solteirão" não é quase um acto imoral... Não que esse seja o meu projecto - digo somente que é uma possibilidade para qualquer pessoa nessa condição de poder "fazer vida", com curso, emprego, ainda apoio parental, etc.

Mas, nunca devemos esquecer, a cada manhã, que a melhor manhã está por acontecer (mesmo se as nossas manhãs forem preguiçosas...). Não devemos deixar que a rotina se instale cedo de mais. Ter sempre coragem de mudar: "A change is as good as a holiday". Não só as mesmas pessoas todos os dias, não só os mesmos temas, os mesmos trabalhos. Outra música, outro livro, outro prato, outro estilo. Qualquer idiota se prende, se habitua a um trabalho, se casa, tem filhos. Isso é ceder à nossa natureza. E nada há de mal nisso, pelo contrário - é bom que esse seja o objectivo final de todos nós. Mas não sem antes querer mais, tentar mais, conseguir mais. Não sem um antes. Aqui, lá fora, onde for. Porque, feitas as contas, convém não ceder à rotina sem ter uma história para contar. Quem cede ao desejo de rotina cedo demais (e temo ser um traço genético da minha geração...), quando a consegue enfim, segura e quentinha, mesmo com a realização de ter filhos, amigos que ficaram, e prazeres cultivados, corre o risco de que tudo isso lhe saber a pouco. E quando se chega a esse objectivo na vida de cada qual, nada é tão trágico como sentir-se aprisionado.

Suponho, no entanto, sempre supus talvez, que aí há algo da natureza da pessoa que é determinante. Se prefere arriscar ou não. É que, às vezes, por mais caminhos que fizermos, a nossa natureza leva-nos, invariavelmente, magneticamente, para o mesmíssimo lugar. Donde... arriscar nem é assim tão perigoso, se acreditarmos estarmos mais inclinados para determinada situação na vida. Não é por um abanão que vamos mudar tão profundamente o nosso ser. "Chassez le naturel, il revient au galop".

Novo Léxico Politiquês

A frase metafórica de Ribau Esteves, um dos números 2 de Menezes: “Se queremos uma gaja boa como o milho, temos que a namorar” (leia-se é preciso esforço para ter uma obra bem feita*). Um poeta, este Ribau. Vá, Ribau, tou a brincar – tu até és porreiro. És um porreiro, pá!

*na Sábado deste fim-de-semana

Resistência

Às vezes parece que ser português é só uma questão de resistência psicológica. Ou então é mesmo desta era em que, tendo a subsistência assegurada (e bem que jogou Salazar com o medo da escassez…), a mente anda a ocupar-se com trivialidades sem nexo, induzindo depressão.

Nessa depressão é demasiado comum culpar o país, os “outros”. Este Portugal tão pequeno, mesquinho e cheio de inveja, que não se adapta ao que nós queremos, que nada nos dá, só aos outros.

sábado, dezembro 01, 2007

As Cigarras e a Formiga

Ocupados em OPAs e fusões, lá no cimo dos seus egotismos, puxa e empurra, deixa e retoma, se entretêm BCP e BPI. E qual deles, contas feitas, teve o maior crescimento orgânico nos últimos tempos? Pois é - o BES. Também considerado (disso se gabam em anúncios de jornal) o melhor banco em Portugal, num qualquer ranking estrangeiro, aparentemente importante. É sempre assim. Discutem as cigarras aos berros, e a formiguita vai tratando da vida e precavendo o futuro. Depois queixem-se.

"De"

Virtude do aniversário do acontecimento (200 anos), sempre prenho de artigos e leituras, foram algumas as curiosidades que lhe transmitira, nas conversas desse dia. Fico caricato a trazê-las à conversa, claro, - Deus nos livre de sermos um pouco mais cultos, de sabermos um pouco mais sobre as Invasões Francesas. Ela queria simplesmente troçar dessa insistência. A ele, que era algarvio, ao almoço, aproveitou uma frase para compor o chiste:

Ele: "....lá em baixo, no Algarve"
Ela: "Não me digas que também foram as invasões francesas!" (risos)
Ele: "Não... Geralmente, no Algarve, temos mais invasões de francesas"

Big Brother Mao is Watching You

Brinquem, brinquem, que eles andem .

Cold Outside

When it's cold outside... you should come inside, Heidi! No clue? No clue?! I understand your authority in the matter, but please give (some of) us some credit, will you? And, should there be indeed insuficient knowledge, I reccomend the virtues of experience and those of learning through trial and error.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Amanhã, Parece Que Foi Ontem

Amanhã foi o dia final. Ouviu-se o último martelar solene. As televisões reuniram-se em torno dos advogados derrotados. Era o fim do derradeiro recurso à Justiça. Como nunca antes, foram parcos em palavras, eles cujo nome havia sido repetido inúmeras vezes, que eles o quiseram repetido inúmeras vezes. Culpados, foi o veredicto, e várias as sentenças. Era realmente o fim. Quem prestou atenção ao processo Casa Pia durante todos aqueles anos ficou com a surpresa do primeiro veredicto confirmada. Quem fez por não prestar atenção também emergiu em súbito alívio. A maré tinha começado a mudar com a manchete daquele fim-de-semana, naquele jornal. Quando viram seu destino traçado, seis dos acusados juraram que não iam sozinhos. “Boca no trombone”, nem menos, foi o título dessa denúncia. Sabendo-se perdidos, elencaram um a um os senadores que flutuavam acima do seu opróbrio. Discorreram sobre seus vícios, pormenores íntimos, que desgostaram e prenderam quem os leu. Os senadores desmentiram, atacaram a credibilidade dos acusadores. Fizeram entrevistas nos jornais, alguns na televisão. Mas as pessoas não lhes criam mais. A cada olhar o desconforto, a dúvida, a crítica. Seus movimentos estudados, suas conversas escutadas. Até que uma conversa precipitou o cárcere. Eles próprios sentiam-se já caçados, hesitantes entre sair para o estrangeiro, para onde alguns haviam enviado as suas famílias. As ironias que a História cultiva, foi o tema de algumas colunas de jornal. O primeiro julgamento durara dois anos, dois longos anos. A vergonha e os olhares carrascos desfiguraram os acusados com o tempo. Veio a vergonha suprema para alguns no final das suas vidas, como nunca o haviam pensado. Alguns acreditavam tanto nos de “sua confiança”, que descuraram pormenores. Pormenores fatais. Parecia o fim de um processo, tão somente isso. E no dia a seguir a amanhã tantos simples homens respiraram um ar matinal bem diferente. Parecia puro e antigo, como o dos seus avós. Parecia que o sol aquecia mais que antes, e as pessoas afinal se conheciam e se confiavam. Parecia que eram todos sobreviventes, a um tempo, a um medo, a uma opressão. Quase de repente, surgiram na televisão, nos jornais, nas livrarias, fragmentos de um país antigo. Ensaios, romances, obras, esforços, génios, lusitanidades sortidas. “Tinha-me esquecido totalmente…” pensou ele, num dia de Março, pouco depois da tormenta, enquanto sentia a textura daquele livro de outros tempos. Comprou-o num alfarrabista e deu-o ao filho, na esperança que a curiosidade de o ler o afastasse de outras atenções. Escreveu algumas linhas no livro, e a partir daí ele próprio leria, dia após dia, todos os livros que se prometera saborear. Um dia o filho atentou naquele interesse pelo papel, e, no seu mundo secreto, começou a deambular pelas páginas de fantasia, e a provar a inteligência fluída desses livros. Nada disse ao pai, que o sabia. Nada lhe disse dessa nova paixão, que o havia de fazer escritor celebrado. Na escola falou do livro aos seus colegas. Um deles, que não o acabou, pensava só em algo de muito diferente. Perdera a mãe muito novo, e começara a trabalhar antes dos 16 anos, numa oficina. Mas era boa a sua escola secundária, por sorte, e ardente o seu entusiasmo. Entrou com uma excelente nota na universidade, e foi logo no primeiro dia que conheceu outros dois personagens: um deles diletante, curioso e bem-humorado, o outro vindo do estrangeiro para ali fazer o curso, sempre insistindo na mesma paixão não correspondida por uma estudante de Arquitectura, e querendo explorar mais Matemática que Engenharia. A ética de trabalho entre eles era surpreendente naquele meio. Zangaram-se algumas vezes durante o curso, mas a decisão de fazerem o último ano na Alemanha e nos Estados Unidos cimentou uma tríade que nunca se separaria mais. Precisavam da inteligência, do brilhantismo de cada qual – os outros não lha ofereciam. Ainda antes do último ano conseguiram conceber um qualquer pormenor de motor que permitia reduzir o consumo a metade. Algo relacionado com uma injecção gradual e um método de bioengenharia para reconverter detritos. Ninguém podia acreditar na tão estúpida ideia, que veio a ser elegante mais que simples. Um gigante do sector comprou-lhes a patente, e o sucesso comercial era aventado por todos. Foi fundada uma enorme fábrica em Portugal. Poucos ouviriam falar deles, apesar de tudo, não fosse uma peça de televisão. Aos quarenta, casados e já com filhos, empregavam na sua fábrica quinze mil pessoas. Eram excelentes pessoas e patrões. Conseguiram ser fiéis a eles mesmos. Ninguém mais os animaria, só eles sabiam que era possível, desde aquela tarde na casa de um deles, ao Cacém. Nessa mesma tarde, no campo de futebol vizinho, despontava, vindo de uma equipa de Tondela, um talento que iria emprestar poesia ao jogo. Desde criança seguira o seu sonho a cada chuto, e o sonho evoluíra para uma sensualidade de bailado com a bola, na adolescência. Aos dezassete anos era já disputado por vários clubes. Jogou dois anos num “grande”, os suficientes para ser arrematado por uma fortuna para um clube espanhol do “star system”. Viria ainda a jogar em Inglaterra, e Itália, antes de voltar a Portugal. Crente desde cedo, nunca cedeu às facilidades da vida de jogador. Seguiu a sua febre e paixão, e levou consigo a namorada de infância. Encantou todos e deixou orgulhoso um país. Foi um médio-centro virtuoso, com um perfume de técnica que tantos outros viriam a invejar. Amava demais a sua terra para não voltar cedo. Fê-lo ainda para jogar no clube do coração, mas sempre reservado. Quatro épocas fez ainda antes do crepúsculo da sua carreira, sem nunca aparecer em revistas, sem nunca ceder na sua intimidade. Sem nunca se enfurecer com as fotos que dele eram tiradas na sua praia algarvia, de refúgio. Perto dela, mais ou menos pela mesma altura (amanhã) em que ele jogara o dito jogo no Cacém, um grupo de quatro amigos, com uma rapariga de voz desconcertante, começou um grupo de música que ocuparia os palcos e os corações do país os próximos vinte anos. Para os seus sucessos misturavam músicas portuguesas de sempre, influências externas de vária ordem, mas mantendo um registo de elevação e, mesmo idealismo, que foi admirado por todos. Um “back to basics”, foi o que disseram os críticos, meio saudosistas, meio desconfiados, com o primeiro albúm. Entretanto a regulação tinha evoluído para combater eficazmente a descarga de música on-line e a indústria musical floresceu como antes. Foram eles e a sua circunstância, alguém diria depois, que estavam na base daquele sucesso inusitado. Mas, em última análise, sempre assim foi. Os primeiros passos para a regulação da obtenção ilegal de música foi feita pelo governo do homem que daria um novo “-ismo” a Portugal. Esse decreto-lei não foi percebido a princípio, ocupado que estava o país a discutir a implantação de centrais nucleares e de um pólo aeronáutico, de fabrico de pequenos jactos, no Alentejo. Sobre a questão nuclear, os argumentos caíram perante a eficiência de um ministro, de nome Luís, que viria a tomar o nome de “Luzinhas” para grande parte do povo. A sua previdência permitiu desenvolver grandes capacidades de energia solar e de biomassa, antes da evolução para o nuclear, que defendia como medida de segurança. Foi vaiado em manifestações, várias vezes ofendido pessoalmente. Mas a sua resiliência vinha do espírito de missão, de se lembrar de um avô longínquo, e da frase de Churchill, lida na sua adolescência: “Um político pensa na próxima eleição, um estadista na próxima geração”. Saiu ao fim do ciclo de oito anos, o segundo mandato (em maioria absoluta) daquele governo tendo sido considerado o melhor “desde o primeiro de Cavaco Silva”. Um homem de esquerda, “de uma certa esquerda”, como gostava de dizer, que fez parte de um “dream team” de gente decidida (bruta no dizer de alguns), e que permitiu conter o desemprego galopante, e aumentar significativamente o rendimento per capita dos portugueses. Com maior riqueza individual, o número de casamentos disparou e a natalidade também, nos anos seguintes. Os jovens de vinte anos desse tempo foram marcados por um movimento nacional, o “Elo”, oriundo de círculos católicos, que daria origem a uma corporação nacional de solidariedade com lugar na História pela sua originalidade. Conseguiram vários sucessos na ajuda a sem-abrigo, juntaram várias associações para cruzamentos culturais, incluindo tertúlias que apaixonaram uma geração. Ressuscitaram o interesse em Poesia e toda a Ciência. Das suas reuniões saíram membros ilustres da comunidade científica portuguesa de vinte anos mais tarde. Souberam convencer grandes professores, mestres vários, a participar. Alguns partidos políticos procuraram o seu apoio, em vão. Permaneceriam independentes (embora, dizia-se, com ligações informais ao governo) até à sua dissolução, por morte do núcleo de quatro fundadores, trinta anos passados sobre aquele começo virtuoso. Sobre a sua iniciativa muito se viria a escrever.

Foi este o país que surgiu, sem que ninguém o esperasse, quando em volta parecia só haver terra queimada, amanhã. Foram anos impressionantes, de grandes esforços e conquistas, amanhã. Engraçado... quase parece que foi ontem.

Adenda

A propósito deste post, peço a contribuição do genial Cesário Verde, com Deslumbramentos. Maior afinidade é possível, ou não falasse ele também (bela coincidência) de "rainhas".

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!

(Cesário Verde)

sexta-feira, novembro 23, 2007

Nunca Princesa, Sempre Rainha (Sem Trono)

"- Miúdas como ela vão acabar com um gajo do piorio."

Elas (aquelas miúdas absolutamente fatais) tendem a gostar dos piores. Às vezes acontece vermos nós ali, claro como água, que o gajo é um sacana e ela anda com ele. É que não é só ser ele sacana com outros homens - é-o com as próprias mulheres. Ah, mas elas são cegas, não conseguem ver, isso que é tão claro para nós. Obviamente, não lhes podemos dizer - seremos mal-intrepretados (e às tantas somos bem-interpretados - gostamos delas, realmente).

Mas elas continuarão até ao momento inevitável em que, claro, são magoadas. E então ficam exactamente como a rapariga sobre quem se dizia esta frase, distantes e senhoris. É que vejo demasiadas raparigas, já jovens mulheres, que desistiram de ser "princesas", são já só rainhas, ou antes querem sê-lo. Que pena - isso só lhes trará infelicidade - nunca o serão. É que a beleza, por infortúnio, não dura para sempre. A contrição emocional só trará coisas piores com os anos. Desde logo, a sensação de ter desperdiçado algo precioso. Mas enfim, o jogo é assim mesmo, só idiotas, os bons idiotas, têm pena que seja assim.

Sai Uma Discussão Fresquinha

O que a gente da empresa de publicidade que concebeu a campanha "orgulho hetero" para a cerveja Tagus não percebe é que o próprio conceito de "orgulho" é a reacção à opressão de se ser minoria. Não faz sentido em falar em "orgulho em gostar de respirar" ou "orgulho em gostar de comer bem", "orgulho em gostar de café", ou "orgulho em gostar de gastar dinheiro", ou "orgulho em gostar de dias de sol", etc. São coisas normais, estatisticamente normais. Há vivê-las com segurança, no respeito pela diferença. Embora, (e eu aí sou algo politicamente incorrecto), respeitar a diferença não é aceitar tudo e todos. O que eu nunca aceitarei, definitivamente, é que me tomem por tolo.

Mas estas "boutades" só apelam a um conjunto de "burgessos" ignaros, que reagem agressivamente, defensivamente, na defesa da sua heterossexualidade (têm medo do estranho, e "a coisa" afigura-se-lhes muito estranha; falta de cultura...). Nesse sentido, a campanha apela até a uma certa homofobia, no limite. O que só pode querer duas coisas - para além da óbvia publicidade grátis que a discussão (previsível) suscita - ou o padrão de normalidade está a reduzir (e daí poderíamos ir para discussão do "tempo histórico", da tal "Civilização") ou então, teoria maquiavélica, foram mesmo "eles" que conceberam a publicidade, e estão a rir-se disso neste momento.

When You Look At It

Porque parece que há sempre qualquer coisa a chatear-nos. Qualquer coisa a comprometer a nossas felicidade. Sempre alguma escolha mal feita, sempre algo, ou alguém, que repassamos, e que "não é o nosso estilo". Não vale a pena. Life's really too short. Melhor viver cada dia da maneira mais feliz possível. Fiquemos com os nossos bem perto, os demais que vivam suas vidas. Se os "liberais" estiverem certos, a sociedade funciona se cada pessoa, dentro dos limites legais, procurar seguir os seus interesses (como seria bom eu acreditar nisso...).



Some things in life are bad
They can really make you mad
Other things just make you swear and curse.
When you're chewing on life's gristle
Don't grumble, give a whistle
And this'll help things turn out for the best...

And...always look on the bright side of life...
Always look on the light side of life...

If life seems jolly rotten
There's something you've forgotten
And that's to laugh and smile and dance and sing.
When you're feeling in the dumps
Don't be silly chumps
Just purse your lips and whistle - that's the thing.

And...always look on the bright side of life...
Always look on the light side of life...

For life is quite absurd
And death's the final word
You must always face the curtain with a bow.
Forget about your sin - give the audience a grin
Enjoy it - it's your last chance anyhow.

So always look on the bright side of death
Just before you draw your terminal breath

Life's a piece of shit
When you look at it
Life's a laugh and death's a joke, it's true.
You'll see it's all a show
Keep 'em laughing as you go
Just remember that the last laugh is on you.

And always look on the bright side of life...
Always look on the right side of life...
(Come on guys, cheer up!)
Always look on the bright side of life...
Always look on the bright side of life...
(Worse things happen at sea, you know.)
Always look on the bright side of life...
(I mean - what have you got to lose?)
(You know, you come from nothing - you're going back to nothing.
What have you lost? Nothing!)
Always look on the right side of life...

terça-feira, novembro 20, 2007

Os Meus Filmes 9: Match Point

Christopher "Chris" Wilton: The man who said "I'd rather be lucky than good" saw deeply into life. People are afraid to face how great a part of life is dependent on luck. It's scary to think so much is out of one's control. There are moments in a match when the ball hits the top of the net, and for a split second, it can either go forward or fall back. With a little luck, it goes forward, and you win. Or maybe it doesn't, and you lose.

O Desporto da Crítica

Espero bem que a selecção amanhã ganhe. Como português, é certo - mas um português menos apaixonado por uma selecção com Decos, Pepes e Scolaris (se é para este aperto, como antes, prefiro uma equipa portuguesa de berço - sou assim de inconveniente).

Mas espero que ganhe também porque a selecção, com o trauma da máquina de calcular, os seus jogos fracos, com um Madaíl e um Scolari que traz a reboque, anima-me muito pouco, actualmente. Mais - retira à semana o sal e pimenta (por mais que seja um sal grosseiro e uma pimenta sem aroma) de uma jornada. Apesar de tudo, continua a ser o primeiro tema de conversa, o "espanta-espíritos" num café. Sobretudo no Inverno, defendo que os seus jogos deviam ser proibidos.

Depois, desde a saída de Figo e Rui Costa, falta realmente alguma veterania lusitana, e não vou desenvolver mais o tema. E, se não fosse isso, outra crítica eu acharia. Sou português, afinal, e criticar é, a par do futebol, um dos meus desportos favoritos.

Da Gaffe

A boa Diplomacia dirá concerteza que há um protocolo a seguir após uma gaffe. Eu digo que a redenção, que se impõe, anda em torno de uma compensação, de uma qualquer reposição do valor em conta, depois de tão abrupto levantamento.

Às vezes, esse esforço de restabelecer o equilíbrio pode ser bastante desagradável, mas o certo é que a gaffe é uma maneira estúpida de originar uma ruptura social. É absolutamente gratuita, uma preocupação desnecessária, um inimigo desnecessário. E, como tal, há sempre o esforço intuitivo, natural, de compor os estragos que causa.

O quanto essa reposição nos custa depende, geralmente, da graciosidade do ofensor, mas não menos da empatia (leia-se classe pessoal) do ofendido.

Perigosa Condescendência

Há um traço de personalidade que é, para mim, particularmente intrigante e interessante, e que tentarei partilhar aqui na esperança que alguém mais o tenha detectado.

Começemos pelo facto básico: as pessoas, tantas vezes, não são grande coisa umas para as outras. Permitem-se desconsiderações, desonestidades, canalhices, mesmo perversões e agressividades. Nada de novo. É a face lunar do ser humano.

Reparo, no entanto, que existe determinado tipo de pessoas que, não se permitindo esses excessos, toleram praticamente tudo a tantos. "É assim...", "o que é que queres...", "não há nada a fazer...", "ah, pois, já sabes como é...". Quer dizer, elas não ferem o espírito da colectividade (às vezes são mesmo excelentes pessoas), mas suportam infracções várias, assumem-nas como um facto natural. São, de algum modo, uma espécie de "vencidos da vida", no sentido em que deixam de lado um sentido de Justiça e Moral. Não conhecem mais qualquer tipo de idealismo. E o caso é ainda mais grave quando surge na juventude, quem sabe surja com alguma frequência até.

Dedicam-se a fazer o seu trabalho com o mínimo de ondas, melindrar o mínimo de pessoas, passar por cima de todas as pequenas canalhices (não falo de crimes, mais bem das pequenas vilanias repetidas). Algum horizonte de futuro, alguma outra forma de vida as anima para não protestar e amordaçar os instintos vez após vez. Algum dia se esqueceram que "eles" não devem fazer "aos outros", "aquilo que não gostam que lhes façam". Mas, com a consciência tamponada, condescendem.

A grande questão de fundo é antiga demais: o medo. O medo de perder o emprego, o medo de uma retaliação, o medo de que a sua situação piore em consequência disso ("better the devil we know than the devil we don´t"), sempre o medo, num país que se sente pequeno, a sociedade ainda mais pequena. Está fora de moda levatar a voz por um princípio. Está fora de moda levantar a voz por uma vítima (às vezes as vítimas também traem os próprios defensores, mas essa é outra história). É mais bem uma questão de cumprir o seu trabalho, e aproveitar ao máximo o alheamento que nos garante uma indústria de lazer que ainda não conhece limites.

Esta condescendência com coisas graves que se passam não é saudável. Tende a criar clones, a repetir-se, a ter um efeito dominó "Ai é assim? Então eu também me estou a lixar". É que, quando um dia aceitamos praticamente tudo nos outros, se não temos cuidado, acabamos a aceitar praticamente tudo em nós. A condescendência e a habituação são tão forte analgésico - primeiro toleramos demasiado os outros, depois toleramo-nos demasiado. E esse é sempre um caminho perigoso.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Uncalled For

É angustiante a sensação de sermos bode expiatório, mesmo "saco de pancada" de outrém. Todos libertamos vapor, todos sacudimos pressão para a pessoa ao lado. E quando estamos muito tempo juntos - colegas de trabalho, familiares - a coisa é mesmo uma questão de tempo, carece quase de relação matemática.

Até ali estávamos tranquilos. Depois do trovão pensamos "Eh pah... Mas o que é que eu fiz ou disse para merecer esta?...". Eu, regra geral, tendo a não contestar - sou também uma pessoa com os meus "quês", de alguma forma incomodo os outros também. Mas confesso que talvez já tenha sido mais tolerante.

O que acho realmente curioso é aquele sentimento de ficarmos suspensos, remoendo (ninguém se furta a remoer, mais ou menos). É que o tempo pára ali, e a mente processa uma qualquer variação do "totally uncalled for..."- a expressão americana (bem precisa) que a minha, nessas situações, vai buscar.

O Desconcertante Sr. Mailer

Morreu no sábado passado Norman Mailer, um peso-pesado da literatura americana. Como não a sigo (e confesso também não ler, em geral, quanto deveria e quereria), passaram-me ao lado as suas obras. Lembro-me somente de há uns anos se ter comprado o seu “Viragem aos 80”, e do inicio do livro, onde Mailer desafiava quem pensava que, chegando um homem aos 80 anos a vida se torna um deserto. Para o provar, começava por assumir ainda se excitar “com um belo par de mamas”.

Leio agora nos jornais que era machista, tendo combatido os movimentos feministas dos anos 60 e 70, também pelos seus livros. O que lhe valeu, claro está, o carinhoso título de “porco chauvinista”. Mas o que eu não resisto a reproduzir é mesmo uma resposta que lhe deu Gore Vidal. Não sei se por ser homofóbico ou por ter em Vidal um émulo, Mailer esmurrou-o um dia. A resposta, sublime, de Vidal no chão: “Uma vez mais, Norman, as palavras falharam-te”.

Pecado Original 22

[Cláudia Vieira em desfile Triumph no Porto] "Mas o que é que estás aí a ler tão interessado no jornal?". "Nada de especial. Futebol. Parece que o Porto teve mais um triunfo. Aquela equipa é tão boa que até irrita".

E pensar que viveu (vive ainda?), aqui tão perto deste blog... Eis a única verdadeira sex-symbol portuguesa dos nossos dias. Mais um pecado original dedicado a ela, que põe o "Cláudia" em "claudicar".


nota: claudicar - fraquejar, vacilar

sábado, novembro 17, 2007

O Pós-Virtual

É uma característica genética da minha geração a lide com um mundo virtual, por oposição ao real, físico, multi-sensorial, arcaico. Todos nós nos vemos confrontados com o uso de telemóvel (falando ou escrevendo), do PC, da Internet. Tivemos que desenvolver essas literacias, seja por pressão dos pares, necessidade de trabalho, ou mera curiosidade.

Acontece que é também muito da minha geração um certo sentimento “pós-virtual” nos relacionamentos. Quer dizer, há um código, e uma soltura de ânimos que o telemóvel (sobretudo na sua versão SMS), o chat online (de que o exemplo mais popular é o MSN, precedido pelos mIRCs) e mesmo, mais recentemente os blogs. Esse à vontade existe num código escrito, que também foi adaptado para os próprios meios, e que, vazio da voz, da denúncia do inconsciente no nosso tom de voz, liberta o próprio inconsciente sobre a capa da ambiguidade. Há todo o tempo para escolher as palavras, para se dizer exactamente aquilo que se quer.

O domínio sobre esse código escrito – tomemos como exemplo o que se escreve no MSN – varia com as pessoas. E o registo que imprimimos ao que escrevemos aí é também diferente do nosso registo oral. Toda a variabilidade que permite o código de sociabilidade cibernético, dá margem de manobra, cria um microcosmos de ambiguidade, que é muito bem explorado em questões mais delicadas, a que as pessoas se escusam de enfrentar pela conversa vis a vis. Um exemplo muito simples é uma declaração de interesse amoroso, antigamente transmitida por bilhetinhos ou poemas, e hoje possível por este meio. É mais fácil a um rapaz fazer o “beating about the bush”, explorando, indagando, saber se pode “andar “ com uma rapariga pela via cibernética. É muito mais cómodo que “tê-los no sítio” para convidá-la in loco, sujeitando-se a uma rejeição mais explícita (e existe a noção de que as raparigas não gostam também dessa abordagem directa). Muitos rapazes coleccionam endereços de MSN e anseiam por aqueles das raparigas que lhes interessam (às vezes aproveitando uma oportunidade, como um trabalho em conjunto, algo que se organiza). A partir daí “ela” está fisgada, e será sujeita a uma série de conversas “da treta”, para aferir a sua disponibilidade, o seu eventual interesse.

Mas, volto ao fundamental, o mais interessante, para mim, é esse sentimento de pós-virtual. Não só nos relacionamentos afectivos. Em todo o tipo de relacionamentos. Quer dizer – há uma lacuna entre a confissão virtual e a confissão em conversa, directamente. Duas pessoas podem estar a falar muito tempo no MSN sobre temas importantes, expondo-se bastante, criando afinidades. No da seguinte encontram-se e existe esse sentimento “pós-virtual”. É certo que pode existir igualmente, por exemplo, depois de uma saída à noite, em que se libertam os espíritos e se dizem coisas mais honestas, mais profundas que o normal. No dia a seguir há uma correcção, um fingido esquecimento talvez. Mas, como disse, essa distensão do espírito é, exactamente, a marca do relacionamento virtual. E esse sentimento, no dia seguinte, está sempre presente. Faz parte da inteligência emocional de uma pessoa saber fazer a ponte entre a conversa intimista da noite anterior e o dia de trabalho do dia seguinte. A regra geral é continuar com outros temas, aproveitando a cadência dos requisitos profissionais, como se nada tivesse sido dito.

Acho muita piada a este constrangimento que se cria, mais ainda ao esforço para “passar por cima”. E à influência que o registo dessas revelações tem na postura das pessoas connosco. Dou o meu exemplo. Não é que utilize muito o MSN, ou mesmo o SMS, mas constato que, por vezes, é já incorporada na opinião dos outros sobre mim os artigos que escrevo neste blog*. Surge já em conversas referência a um ou outro post. Suponho mesmo que, no caso de um blog é mais inescapável, porque o registo está lá e é público.

Não sei se alguma vez repararam nesta décalage entre a conversa escrita, ou a mensagem escrita, e a vivência de todos os dias. Mas seguramente, sendo utilizadores destes meios, todos a terão sentido. Há um pós-virtual, dentro do esforço de sociabilidade, que entra em confronto com o à vontade e absoluto controlo do que se diz no virtual. Talvez esteja aí parte do sucesso do virtual – dizemos aquilo que queremos, controlando tudo a cada segundo. Liberdade e controlo absoluto. Difícil de superar, não acham?


* E isso, perdoem-me, é algo que dispenso. O que aqui está escrito é para ficar exactamente aqui, não é para dar um registo do meu pensamento. Nem sequer me comprometo com o que está escrito – é demasiado volátil e efémero para traduzir o meu carácter. Mas, é claro, também, percebo que a tentação é irresistível. Por isso disse, desde logo, que não pretendo comentar em pessoa aquilo que escrevo aqui. Seja para me elogiar ou criticar.

Pacheco Pereira e a Teoria do Tudo

José Pacheco Pereira (JPP) é uma figura de referência da opinião publicada portuguesa. Tal como foi um pioneiro do mundo dos blogs. Tal como percebeu bem cedo o advento do PC, do mundo virtual, e a sua relação com a realidade.

JPP tem opinião sobre, bom – sobre tudo. E porquê? Eu, que o leio há alguns anos a esta parte – e continuarei a ler, por o achar erudito, mesmo brilhante a espaços – diria que, em todas as suas análises existe, subjacente, uma “Teoria do Tudo”. Explico-me. Desde a Teoria da Relatividade de Einstein que surgiu um problema da Física: a conciliação desses pressupostos com a Teoria Quântica. Acontece que, ambas comprovadas pela experiência, são incompatíveis no limite. O próprio Einstein acabou os seus últimos anos intrigado com este paradoxo. De algumas décadas a esta parte que a descoberta da “Teoria do Tudo”, que unifica Teoria da Relatividade e Teoria Quântica, é o Santo Graal da comunidade física.

Partindo desta analogia, permito-me dizer que existe, nas análises que faz Pachaco Pereira, uma certa “Teoria do Tudo” subjacente. Quer dizer, tudo para ele bate certo, faz sentido. Todo e qualquer fenómeno. E quem o lê sabe-o a atento a todas as minudências da vida comum, igualmente que a Política, a Arte, mesmo a Ciência. Eu diria que, no seu papel de intelectual, JPP parte de uma matriz explicativa que vai desde o átomo, a célula, até ao espaço, passando pela natureza humana e como a limita, contorna e aproveita a Civilização (Ocidental, nomeadamente). Estou certo de que JPP conheceu e se lembra de alguns portugueses de um Portugal que para nós é hoje só miragem. De um Portugal de outros homens, de outras fés, de outras vidas. Somos pobres herdeiros de alguns desses antepassados.

Repare-se na afinidade que JPP professa com Sá de Miranda, autor da célebre estrofe:

"Homem de um só parecer,
dum só
rosto e d'ua fé,
d'antes quebrar que volver

outra cousa pode ser
mas da corte
homem não é"

JPP configura-se, em parte pelo menos, como o continuador de homens como Sá de Miranda. É dele a memória, e também a obsessão com a memória, o registo dos eventos e das vivências. Daí também a sua filiação nos formatos que servem de suporte à memória: o papel, o PC, o vídeo, a fotografia. Daí o seu interesse com o registo da vida. Porque sabe que, a dado momento, todos nós olhamos para trás. Corso, ricorso.


Co
nfesso que aprendi muito ao ler JPP. Por isso o continuarei a ler sempre. Além de que foi o único ver
dadeiro “erudito”, o único “mestre” a que tive
acesso nos “meus tempos”. A ubiquidade do medíocre surpreendeu-me como eu nunca pensara antes. Daí o meu elogio, que eu não preciso que alguém morra para o elog
iar.

Retomo o que disse antes – JPP é brilhante a espaços, e um corredor de resistência a que poucos dão valor. Se usar uma metáfora futebolística (e falta-lhe perceber o quão humano é também o futebol), JPP é o verdadeiro “trinco”. Ele é douto, extremamente douto, em natureza humana. E, como tal, não se perde em tentações de ataque. Sabe que são todas repetições de um tema. Mas percebe o quão importante é o ataque. E, como tal, assume o papel de trinco. Deixa que os outros, lá à frente, ataquem à vontade, troquem a bola, soltem o virtuosismo. Ele fica como último homem – ele sabe que, apesar de tudo, nas equipas à retranca, um contra-ataque canalha pode ser fatal. Um contra-ataque que é uma ofensa para o virtuosismo dos que estão lá na frente a dar toda a sua alma ao jogo. E ele, seguro na sua posição, pode tocar pouco na bola durante o jogo. Mas garante que a equipa contrária não tenha sucesso nesses contra-ataques canalhas e cínicos. Faz parte de uma equipa completa, JPP, de uma equipa portuguesa – grandes jogadores, que dão tudo em equipa. O problema é sempre o mesmo, é eterno – convencer essas individualidades a jogar em equipa.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Red Dwarf

Aconteceu-me hoje passar por um episódio da (parece-me agora) longínqua série "Red Dwarf". Gostava muito de ver aqueles personagens, aquele humor bem conseguido, aquela exploração do absurdo (tão britânica), de um holograma, um vadio com sotaque e um mutante felino vagando pelo espaço como últimos representantes (?) da humanidade.

Belos os tempos em que via estes episódios, puto deliciado, numa RTP 2 de boa qualidade (ainda assim, tenta manter um ou outro pormenor, mas onde estão os "Lugares da História", os "5 Noites, 5 Filmes", mesmo os "Finantial Times"?).

Parece-me que, com o advento do DVD e a obsessão em olhar para trás dos nossos dias (assim indefinido vai o Presente), esta série está a voltar a ser popular. Sugiro este vídeo para refrescar a memória.

Sem Compromisso

Olha que bela novidade. A radiografia da juventude italiana: pouco sonhadores; o sexo - ocasional (aos entusiastas, para quem a coisa deve ser "todos os dias", por ocasional entende-se aqui "one night stand"). Como uma luva se pode aplicar este título ao nosso país. Essas coisas são transversais, bem mais transversais que aquilo que nós, portugueses, cremos, quando nos queixamos.

A questão interessante é esta: o que está subjacente à falta de sonho e ao sexo ocasional? Já pensaram bem? Pois é - a fuga ao compromisso. Tudo gira em torno à nossa capacidade de compromisso. Sem ele somos egoístas e solipsistas. Somos a geração IM (I Am). E o problema, claro está, é que não há sociedade sem compromisso. Passe o alcance desta frase, é mesmo assim que penso.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Força Centrípeta

Um conjunto de amigos perfeito para ir ver o nosso Sporting a Manchester. "Se eu quero ir?... Acho que não, mas agradeço o convite." Desdenho assim a oportunidade, a conjunção de factores e pessoas. Isto partindo desse fundamental nesta idade tão esquecido - a capacidade económica para o fazer.

Falam-me meus colegas insistentemente na viagem de finalistas, na transição de semestre. Gosto muito do espírito, mas... não sei. "Posso bem não ir", vou avisando. E faço-o com certa pena.

Surge a oportunidade de fazer o meu estágio no estrangeiro. Milhares de oportunidades, situações, experiências e crescimentos pessoais concebe o meu espírito. "Mas em Portugal, se nós quisermos, também aprendemos - eu não sou provinciano, nunca fui. Temos gente de muita qualidade". Acredito nisso quando o digo, mas sei que terá algo também de justificativo. Há muitos bons relatos da experiência. Muita a gente a dizer "Vai. Vais gostar". Mas... vou indagando e indagando, vasculhando todos os pormenores, até acontecer o que só pode acontecer: passar o prazo - e a possibilidade.

Prende-me esta força centrípeta de quem já viveu fora, sendo demasiado português, sentindo saudades de voltar. Prende-me o medo de fazer longas viagens de avião. Prende-me o outro receio, de "fugas para a frente", debruçares nervosos, estúpidos, foguetes com pólvora a mais, a rebentar com estrondo em céus tranquilos, e que podem mesmo rebentar ali, nas mãos. Prende-me a noção clara de não ter ainda feito tanto que há de básico por cá. (Tanto que me resta conhecer. Tanta gente que me resta conhecer). Prende-me mesmo uma certa qualidade de vida e pormenores que são tratados por mim de que eu nem suspeito. E que gosto de nem suspeitar.

Falta de ousadia? Acomodado? Aceito a crítica sem problema, tem toda a lógica. Digamos que já perdi algum tempo em folias desnecessárias (mas aí o pormenor que faz a diferença - eu tentar tento sempre), e o fundamental ali ao lado. Não é que tenha medo do que quer que seja - não terei, simplesmente, vontade. Porquê ao certo não sei. Não sei se desilusão, se mera percepção (atrasada) da realidade das coisas. Tendo a culpar o não ter encontrado as pessoas que pensava existirem, nos últimos anos (encontrei outras, que me supreenderam pela positiva). Pelos vistos, não é agora com esta atitude que as vou encontrar.

Esta, realmente, não é a melhor postura - e não duvidem que comporta riscos. A vida é feita com períodos de andar em frente, e com períodos de balanço. E, se não tivermos cuidado, esses olhares "para trás" podem ser fatais.

E bom, em última análise, se pudermos ter algum bem estar, por cada vida, por cada caminho que percorremos, outras tantas - imensas - ficam por viver, ficam por caminhar. Cabe a nós a função, dentro das nossas limitações, de ser feliz. Nem sequer vale a pena esperar que venham coisas "com a idade". Para tal basta ler Camões: "não cuide a gente futura/que será obra da idade/o que é força da ventura".

Pautado Futuro

Digo a um amigo que a diferença entre nós dois se resume aos cadernos pretos em que escrevemos. Vocês conhecem-nos: o típico caderno de estudante, da Ambar, capa toda preta, cúmulo da simplicidade.

O facto é que ele é muito organizado (na fronteira do "control freak", se genial na sua capacidade estratégica), gosta de se levantar "a horas" e fazer as coisas bem feitas. Só gosta de escrever nos tais cadernos que tenham linhas. Eu, pela minha parte, sou muito mais criativo, gosto de esperar para ver os desafios de amanhã, e impôr a mim mesmo uma resolução "on the spur of the moment". Gosto de inovar e tenho um perfeito horror à rotina. Donde, folhas lisas, e o mais amplas possível, por favor.

Augura-me esse amigo uma conversão às suas linhas, à sua ordem. Mas tudo aquilo me parece uma prisão, mais uma prisão para além das outras. E, sendo um fanático por liberdade - de tal forma que não me assusta estar só - duvido que chegue a mim esse tão grande desejo de "ordem". Mas, cauteloso como sou, não digo peremptoriamente que não seja, ou tenha que ser, pautado o meu futuro.

terça-feira, novembro 13, 2007

Semper Idem

A vossa atenção para estas estrofes de "Sôbolos Rios Que Vão", de Camões. A enquadrar com algo do que já foi escrito neste blog, e a provar que os tempos mudando embora, não mudam assim tanto no fundamental.

(...)

Acha a tenta mocidade

prazeres acomodados,
e logo a maior idade
já sente por pouquidade
aqueles gostos passados

(...)

Mas deixar nesta espessura
o canto da mocidade,
não cuide a gente futura
que será obra da idade
o que é força da ventura

(...)

Que se o fino pensamento
só na tristeza consiste,
não tenho medo ao tormento
que morrer de puro triste,
que maior contentamento?

(...)

E beato quem tomar
seus pensamentos recentes
e em nacendo os afogar,
para não virem a parar
em vícios graves e urgentes

(Luís de Camões)

Semper idem...
?

segunda-feira, novembro 12, 2007

Mundo Lusófono

Se se diz "eu não sou racista, mas...", há sempre o "mas" em que os demais pegam como negação da primeira parte da frase. Mas se se o omite, é-se igualmente estranhado - porque dizê-lo é litúrgico e, como povo semi-católico, o português até pode pecar, só não deve falhar na liturgia.

Vou-me, assim, esquivar ao "saying" o "goes without saying" que precisa de ser dito. Confusos? Calma. Serve a introdução do elemento catártico, mais que o elemento em si, para pegar no poema "Lágrima de Preta" de António Gedeão. Somente para atentar na coincidência de o ter colocado no blog ontem, e hoje, verdadeiramente me ter espantado com a quantidade de pessoas de cor negra na minha faculdade.

Ok, volto atrás. Nada tenho contra os negros - cedo à necessidade de o dizer. De todo. Sou muito mais racista com a estupidez, mediocridade e bovinidade - a falta absoluta de algo especial na vida - do que com qualquer raça.

Mas insisto - fiquei abismado com a quantidade de pessoal (soa melhor assim?) "de cor" a entrar hoje na minha universidade. A Lusófona (pois assim se conhece) tem imensa gente - gente a mais, para o meu prazer de serenidade. E bastantes protocolos (pífios?) de acolhimento a estudantes africanos. Daí a inusitada quantidade. Sejamos francos, senhores, - muito mais que a densidade portuguesa média.

A questão aqui está no facto de, exactamente, não serem portugueses. Os negros portugueses são... exactamente como os outros portugueses. Um dos meus projectos é ter um amigo negro com quem possa falar livremente da sua cor, que isso seja tão natural como da minha barriga. Da mesma forma que pretendo ter várias amigas atraentes e falar livremente com elas sobre os seus atributos físicos... (talvez esse projecto seja mais apelativo - e mais difícil). Chama-se "à vontade". Sinto que tenho alguma legitimidade para o fazer - amiúde sou o meu maior crítico jocoso.

Mas, de facto, os africanos levam o continente nos olhos. É algo de distinto. São luso-africanos, e isso faz também a diferença, nota-se. Pacíficos, educados, mas... surpresos, espantados, olhando olhos europeus com uma notória curiosidade. Aconteceu-me hoje, ao distribuir folhetos à entrada da Lusófona para recolha de medicamentos fora de prazo (a propósito, se os tiverem, a recolha dura a semana inteira). Parece que aquele fugaz contacto é inesperado, prazer de curiosidade, mais importante que o saco dentro do folheto para colocar os medicamentos, mais importante que a viagem ao Brasil em sorteio (e daí talvez não). Pelo menos, eu achei. "Eh pah... este gajo nunca falaria comigo se não fosse para me dar isto", pensarão. Conheço de cor o sentimento - o mesmíssimo que eu teria a falar com uma rapariga gira a querer-me vender algo. Subitamente tratamos com alguém "acima" do nosso nível (eu não disse que estava acima!, digo somente que eles o pensarão).

Enfim, acho curioso. Vestem mais ou menos da mesma forma humilde, e são humildes também a ouvir (e eu sou sempre a favor dos humildes). O facto inusitado, perdoem-me a honestidade, foi mesmo a... quantidade imensa.

Mas os africanos são, no geral, boa onda - há fauna menos confortável ao nosso lado. Tenho visto também pela universidade umas figuras proto-brasileiras (chungas de má vida e uma mulher mulata de cara horrível, brutissima) que parecem directamente saídos da "Cidade de Deus". Aliás, não faltarão à Lusófona membros do "bas-fond" - sim esses em que estão a pensar. Os tais, as tais - a malta do transgredire. Nem quero pensar muito nisso. Mas enfim, que a coisa aos meus olhos tantas vezes parece clara, só pela pinta, - parece.


Por entre gente normal (baixa classe média, e média-média - o meu curso é algo de excepção), e bastante boa gente, vejo às vezes membros de outros lugares andando livremente. Por entre os estudantes que se arrastam falando, além do remanso dos cafés onde o fumo torna o ambiente irrespirável, vejo - poucos, apesar de tudo - personagens que não deviam estar a roçar ombros com gente inocente. Mas deve ser só da minha vista. Embora eu tenha a maldição de, por análise a posteriori tantas vezes confirmar a minha primeira impressão, visceral e apriorística.

domingo, novembro 11, 2007

Ironia

De súbito, levantou a cabeça, olhou a estante além do livro na mão. Não lhe tinha ocorrido até então essa ironia de estar e ler a autobiografia de Giacomo Casanova em papel "tipo bíblia". Semi-sorriu com o inusitado, e continuou pela vida do homem nas suas mãos.

Lágrima de Preta

Às vezes tenho saudades do Portugal de Rómulo de Carvalho. Ah, não podia mais ser, foi um tempo que passou... Tivesse eu tido um professor assim (depois do secundário). Se ser português é ter inveja de algo, eis a minha, talvez uma versão menos comum: a falta absoluta de um grande "mestre".

Lágrima de Preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

(António Gedeão)

Sr. Belzebu, Dá Licença?

Bom, e já que fomos ao céu de "Top Gun", e que pedi essa música para a próxima viagem, porque não descer agora, num instante (estamos apertados de tempo), ao inferno. Está boa, Kelis? Bem obrigado. Sabe que ouvi essa sua música no Lux (na única vez que lá fui), falei dela e... é um sucesso entre o pessoal. Vá-se lá saber porquê, não é? Sim senhor... então você é mandona. Tá no seu direito. Os espanhóis chamam-lhe mais outra coisa: "calientadora". Não sabe espanhol, pois não? Um dia descobre. A sua tatuagem no meu braço? Hum... não convém, diz que isso dói. Continue a fazer músicas dessas, que a gente ouve com interesse, mas só à noite. Beijinhos.

Belzebu! Tás bom, pá? Então? Muito trabalho não é? Pois, já se sabe... Se eu quero ficar? Para jantar ou para a eternidade? Ah, malandro... Até bebia uma cerveja fresquinha. Ah, não tens? Pois, isso é uma coisa do céu. Tudo bem. Vou andando, pode ser? Faz favor dizes ao teu cãozito para me deixar passar. Vá, fica bem rapaz. E vê lá se arejas isto.