sábado, novembro 11, 2006

Travar/Respirar Fundo

Ter 22 anos é sempre difícil, e talvez sempre tenhamos a necessidade de dizer que é mais difícil quando somos nós. Afinal, o mundo nasceu connosco, e não percebemos porque raio não se adapta àquilo que intuitivamente cremos que ele devia ser.

Mas ter hoje 22 anos é difícil. Para além das barreiras e maldições de Tântalo da idade, há incertezas que nos consomem. Estão sempre lá, “in the back of the mind”. Será que terei trabalho? Será que serei feliz no meu trabalho? Sou de esquerda ou de direita? O que é exactamente o capitalismo?, e até mesmo: Será que vai haver uma guerra para a minha geração?. Contudo, a maior parte das vezes, felizmente, continua a ser: “Muito gira... ficava mesmo bem ao meu lado".

Quando por vezes me concedo pensar nessas angústias, e n
ão consigo vislumbrar uma resposta, lembro-me do Zé e encerro a questão.

O Zé era uma figura míticia da aldeia. Já morreu, coitado, nem o cheguei a conhecer. Mas tantas vezes o meu pai contou as suas anedotas que sinto que as vivi também. O Zé, na verdade, era conhecido como... Zé da Merda. Segundo os relatos, o seu emprego da palavra profana era constante: “Já fui fazer a m.... que me pediste, Comprei a m.... da enxada por tanto, Fui à m.... da feira”, de tal forma que a trivializava e domesticava. O seu significado perjorativo deixava de estar associado ao uso para depender do tom. Uma vez, após o 25 de Abril, numa sessão de esclarecimento do povo, ouvia aqueles jovens a falar de democracia e democratas, devidamente sentado na plateia. A certa altura, tanto a palavra balançava de frase em frase, que, ansioso, se levantou e disse: “Mas então o que é que é essa merda dos Mocratas?”. O riso foi geral, malgrado a sua sinceridade.

Mas o Zé vem a propósito não dessa, mas de outra história. O Zé era um herói da aldeia, não pelo registo cómico, mas porque sabia guiar em Lisboa. E isso de guiar em Lisboa era coisa só para alguns, predestinados. Ainda hoje lá conheço pessoas, hábeis a conduzir, que nunca se aventuraram no tráfego lisboeta. Mas o Zé era generoso, um dia partilhou o seu segredo: “É assim: a mim disseram-me que os gajos lá, se tu estiveres parado, quem te bater é que tem a culpa. Então, quando me vejo apertado, travo aquela merda a fundo. Se eles baterem a culpa é deles!”

Às vezes, quando me sinto confundido pelo mundano, e não sei bem qual dos lados que me puxa tem razão, lembro-me das palavras do Zé. Travo a fundo.

Se eles baterem a culpa é deles.