sábado, dezembro 01, 2007

As Cigarras e a Formiga

Ocupados em OPAs e fusões, lá no cimo dos seus egotismos, puxa e empurra, deixa e retoma, se entretêm BCP e BPI. E qual deles, contas feitas, teve o maior crescimento orgânico nos últimos tempos? Pois é - o BES. Também considerado (disso se gabam em anúncios de jornal) o melhor banco em Portugal, num qualquer ranking estrangeiro, aparentemente importante. É sempre assim. Discutem as cigarras aos berros, e a formiguita vai tratando da vida e precavendo o futuro. Depois queixem-se.

"De"

Virtude do aniversário do acontecimento (200 anos), sempre prenho de artigos e leituras, foram algumas as curiosidades que lhe transmitira, nas conversas desse dia. Fico caricato a trazê-las à conversa, claro, - Deus nos livre de sermos um pouco mais cultos, de sabermos um pouco mais sobre as Invasões Francesas. Ela queria simplesmente troçar dessa insistência. A ele, que era algarvio, ao almoço, aproveitou uma frase para compor o chiste:

Ele: "....lá em baixo, no Algarve"
Ela: "Não me digas que também foram as invasões francesas!" (risos)
Ele: "Não... Geralmente, no Algarve, temos mais invasões de francesas"

Big Brother Mao is Watching You

Brinquem, brinquem, que eles andem .

Cold Outside

When it's cold outside... you should come inside, Heidi! No clue? No clue?! I understand your authority in the matter, but please give (some of) us some credit, will you? And, should there be indeed insuficient knowledge, I reccomend the virtues of experience and those of learning through trial and error.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Amanhã, Parece Que Foi Ontem

Amanhã foi o dia final. Ouviu-se o último martelar solene. As televisões reuniram-se em torno dos advogados derrotados. Era o fim do derradeiro recurso à Justiça. Como nunca antes, foram parcos em palavras, eles cujo nome havia sido repetido inúmeras vezes, que eles o quiseram repetido inúmeras vezes. Culpados, foi o veredicto, e várias as sentenças. Era realmente o fim. Quem prestou atenção ao processo Casa Pia durante todos aqueles anos ficou com a surpresa do primeiro veredicto confirmada. Quem fez por não prestar atenção também emergiu em súbito alívio. A maré tinha começado a mudar com a manchete daquele fim-de-semana, naquele jornal. Quando viram seu destino traçado, seis dos acusados juraram que não iam sozinhos. “Boca no trombone”, nem menos, foi o título dessa denúncia. Sabendo-se perdidos, elencaram um a um os senadores que flutuavam acima do seu opróbrio. Discorreram sobre seus vícios, pormenores íntimos, que desgostaram e prenderam quem os leu. Os senadores desmentiram, atacaram a credibilidade dos acusadores. Fizeram entrevistas nos jornais, alguns na televisão. Mas as pessoas não lhes criam mais. A cada olhar o desconforto, a dúvida, a crítica. Seus movimentos estudados, suas conversas escutadas. Até que uma conversa precipitou o cárcere. Eles próprios sentiam-se já caçados, hesitantes entre sair para o estrangeiro, para onde alguns haviam enviado as suas famílias. As ironias que a História cultiva, foi o tema de algumas colunas de jornal. O primeiro julgamento durara dois anos, dois longos anos. A vergonha e os olhares carrascos desfiguraram os acusados com o tempo. Veio a vergonha suprema para alguns no final das suas vidas, como nunca o haviam pensado. Alguns acreditavam tanto nos de “sua confiança”, que descuraram pormenores. Pormenores fatais. Parecia o fim de um processo, tão somente isso. E no dia a seguir a amanhã tantos simples homens respiraram um ar matinal bem diferente. Parecia puro e antigo, como o dos seus avós. Parecia que o sol aquecia mais que antes, e as pessoas afinal se conheciam e se confiavam. Parecia que eram todos sobreviventes, a um tempo, a um medo, a uma opressão. Quase de repente, surgiram na televisão, nos jornais, nas livrarias, fragmentos de um país antigo. Ensaios, romances, obras, esforços, génios, lusitanidades sortidas. “Tinha-me esquecido totalmente…” pensou ele, num dia de Março, pouco depois da tormenta, enquanto sentia a textura daquele livro de outros tempos. Comprou-o num alfarrabista e deu-o ao filho, na esperança que a curiosidade de o ler o afastasse de outras atenções. Escreveu algumas linhas no livro, e a partir daí ele próprio leria, dia após dia, todos os livros que se prometera saborear. Um dia o filho atentou naquele interesse pelo papel, e, no seu mundo secreto, começou a deambular pelas páginas de fantasia, e a provar a inteligência fluída desses livros. Nada disse ao pai, que o sabia. Nada lhe disse dessa nova paixão, que o havia de fazer escritor celebrado. Na escola falou do livro aos seus colegas. Um deles, que não o acabou, pensava só em algo de muito diferente. Perdera a mãe muito novo, e começara a trabalhar antes dos 16 anos, numa oficina. Mas era boa a sua escola secundária, por sorte, e ardente o seu entusiasmo. Entrou com uma excelente nota na universidade, e foi logo no primeiro dia que conheceu outros dois personagens: um deles diletante, curioso e bem-humorado, o outro vindo do estrangeiro para ali fazer o curso, sempre insistindo na mesma paixão não correspondida por uma estudante de Arquitectura, e querendo explorar mais Matemática que Engenharia. A ética de trabalho entre eles era surpreendente naquele meio. Zangaram-se algumas vezes durante o curso, mas a decisão de fazerem o último ano na Alemanha e nos Estados Unidos cimentou uma tríade que nunca se separaria mais. Precisavam da inteligência, do brilhantismo de cada qual – os outros não lha ofereciam. Ainda antes do último ano conseguiram conceber um qualquer pormenor de motor que permitia reduzir o consumo a metade. Algo relacionado com uma injecção gradual e um método de bioengenharia para reconverter detritos. Ninguém podia acreditar na tão estúpida ideia, que veio a ser elegante mais que simples. Um gigante do sector comprou-lhes a patente, e o sucesso comercial era aventado por todos. Foi fundada uma enorme fábrica em Portugal. Poucos ouviriam falar deles, apesar de tudo, não fosse uma peça de televisão. Aos quarenta, casados e já com filhos, empregavam na sua fábrica quinze mil pessoas. Eram excelentes pessoas e patrões. Conseguiram ser fiéis a eles mesmos. Ninguém mais os animaria, só eles sabiam que era possível, desde aquela tarde na casa de um deles, ao Cacém. Nessa mesma tarde, no campo de futebol vizinho, despontava, vindo de uma equipa de Tondela, um talento que iria emprestar poesia ao jogo. Desde criança seguira o seu sonho a cada chuto, e o sonho evoluíra para uma sensualidade de bailado com a bola, na adolescência. Aos dezassete anos era já disputado por vários clubes. Jogou dois anos num “grande”, os suficientes para ser arrematado por uma fortuna para um clube espanhol do “star system”. Viria ainda a jogar em Inglaterra, e Itália, antes de voltar a Portugal. Crente desde cedo, nunca cedeu às facilidades da vida de jogador. Seguiu a sua febre e paixão, e levou consigo a namorada de infância. Encantou todos e deixou orgulhoso um país. Foi um médio-centro virtuoso, com um perfume de técnica que tantos outros viriam a invejar. Amava demais a sua terra para não voltar cedo. Fê-lo ainda para jogar no clube do coração, mas sempre reservado. Quatro épocas fez ainda antes do crepúsculo da sua carreira, sem nunca aparecer em revistas, sem nunca ceder na sua intimidade. Sem nunca se enfurecer com as fotos que dele eram tiradas na sua praia algarvia, de refúgio. Perto dela, mais ou menos pela mesma altura (amanhã) em que ele jogara o dito jogo no Cacém, um grupo de quatro amigos, com uma rapariga de voz desconcertante, começou um grupo de música que ocuparia os palcos e os corações do país os próximos vinte anos. Para os seus sucessos misturavam músicas portuguesas de sempre, influências externas de vária ordem, mas mantendo um registo de elevação e, mesmo idealismo, que foi admirado por todos. Um “back to basics”, foi o que disseram os críticos, meio saudosistas, meio desconfiados, com o primeiro albúm. Entretanto a regulação tinha evoluído para combater eficazmente a descarga de música on-line e a indústria musical floresceu como antes. Foram eles e a sua circunstância, alguém diria depois, que estavam na base daquele sucesso inusitado. Mas, em última análise, sempre assim foi. Os primeiros passos para a regulação da obtenção ilegal de música foi feita pelo governo do homem que daria um novo “-ismo” a Portugal. Esse decreto-lei não foi percebido a princípio, ocupado que estava o país a discutir a implantação de centrais nucleares e de um pólo aeronáutico, de fabrico de pequenos jactos, no Alentejo. Sobre a questão nuclear, os argumentos caíram perante a eficiência de um ministro, de nome Luís, que viria a tomar o nome de “Luzinhas” para grande parte do povo. A sua previdência permitiu desenvolver grandes capacidades de energia solar e de biomassa, antes da evolução para o nuclear, que defendia como medida de segurança. Foi vaiado em manifestações, várias vezes ofendido pessoalmente. Mas a sua resiliência vinha do espírito de missão, de se lembrar de um avô longínquo, e da frase de Churchill, lida na sua adolescência: “Um político pensa na próxima eleição, um estadista na próxima geração”. Saiu ao fim do ciclo de oito anos, o segundo mandato (em maioria absoluta) daquele governo tendo sido considerado o melhor “desde o primeiro de Cavaco Silva”. Um homem de esquerda, “de uma certa esquerda”, como gostava de dizer, que fez parte de um “dream team” de gente decidida (bruta no dizer de alguns), e que permitiu conter o desemprego galopante, e aumentar significativamente o rendimento per capita dos portugueses. Com maior riqueza individual, o número de casamentos disparou e a natalidade também, nos anos seguintes. Os jovens de vinte anos desse tempo foram marcados por um movimento nacional, o “Elo”, oriundo de círculos católicos, que daria origem a uma corporação nacional de solidariedade com lugar na História pela sua originalidade. Conseguiram vários sucessos na ajuda a sem-abrigo, juntaram várias associações para cruzamentos culturais, incluindo tertúlias que apaixonaram uma geração. Ressuscitaram o interesse em Poesia e toda a Ciência. Das suas reuniões saíram membros ilustres da comunidade científica portuguesa de vinte anos mais tarde. Souberam convencer grandes professores, mestres vários, a participar. Alguns partidos políticos procuraram o seu apoio, em vão. Permaneceriam independentes (embora, dizia-se, com ligações informais ao governo) até à sua dissolução, por morte do núcleo de quatro fundadores, trinta anos passados sobre aquele começo virtuoso. Sobre a sua iniciativa muito se viria a escrever.

Foi este o país que surgiu, sem que ninguém o esperasse, quando em volta parecia só haver terra queimada, amanhã. Foram anos impressionantes, de grandes esforços e conquistas, amanhã. Engraçado... quase parece que foi ontem.

Adenda

A propósito deste post, peço a contribuição do genial Cesário Verde, com Deslumbramentos. Maior afinidade é possível, ou não falasse ele também (bela coincidência) de "rainhas".

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!

(Cesário Verde)