sexta-feira, janeiro 16, 2009

Les Aventures de Tintin: Dans Un Monde Sans Intelligence

Tintin fez recentemente 80 anos. É uma idade vetusta. E eu não gosto que se brinque desta maneira com o Tintin.

Mas ok, caramba... o artigo está suficientemente 'bem-visto' para a gente se rir um bocado. Diz Matthew Perris (ex-deputado conservador, e homossexual assumido) que Tintin é... gay. Alguma calma, por favor, - eis os seus argumentos:
  • "um jovem imberbe, andrógino, com um caracol loiro sobre a testa, em calças de aspecto curioso e um cachecol indo viver para a mansão do seu melhor amigo, um marinheiro de meia-idade?"
  • "um rapaz de face dócil devotado a um felpudo 'toy terrier' branco, cujos outros amigos mais próximos são um par de detectives inseparáveis em chapéus de coco, e cujo única amizade do sexo feminino é uma diva de ópera [Bianca Castafiore - 'A fag-hag if ever there was one']? "
  • " (...) a única e enigmática referência quanto às origens de Tintin [por parte de Hergé] foi descrevê-lo como tendo saído recentemente dos escuteiros."
  • " (...) conto apenas oito figuras identificáveis como mulheres (cerca de 2%) da lista de cerca de 350 personagens por entre as quais Tintin se move na sua vida. Não há qualquer mulher jovem, e nenhuma mulher atraente, nas suas aventuras. (...) Nem mesmo ao seu arqui-inimigo Rastapopoulous, fumador de charutos, empresário de filmes e traficante de drogas, (...) é alguma vez dada uma loira no seu braço ou a miúda do vilão que se esperaria. Permanece solitário."
  • Milú: "o único mamífero masculino que é heterossexual sem ambiguidades no universo de Tintin. Sabemos isso pela tendência de Milú em ser distraído por cadelas (...). (...) 'Pity this dog, wretchedly straight and trapped ina a ghastly web of gay human males'."
  • 'But Snowy [Milú] saw everything; Snowy knows all. And Snowy never tells'
Ora, alguns franceses (embora o criador, Hergé, seja belga) ficaram meio irritados com esta desfaçatez. E eu percebo-os.

Mas, lendo a entrada na Wikipedia em francês sobre Tintin (bem sei - é a Wikipédia, mas quem conseguir cruzar os artigos em diferentes línguas estará mais próximo da verdade), podemos extrair estes factos - que, para mais, me fazem todo o sentido:
  • Hergé chegou a ser interrogado sobre o assunto, e recusou essa interpretação, defendendo que as aventuras de Tintin referem-se somente a histórias de amizade masculinas, e que as relações amorosas não encontram aí lugar
  • é preciso recordar que a legislação do ante-guerra - e mesmo depois - relativa às publicações para juventude era muito rigorosa. Nessa época, a juventude masculina e feminina estava na Europa claramente separada, tanto na vida escolar como nas publicações que lhe eram destinadas. Essa característica pode, aliás, ser comprovada noutros autores para além de Hergé
  • também a grande experiência de Hergé em matéria de escutismo pode indiciar que as suas relações de amizade ao longo da adolescência foram somente masculinas, o que era comum na primeira metade do séc. XX
Eis a resposta a Perris - como deve ser. E a defesa de Tintin, afinal, de toda esta gente que teima em julgar assim - a traço juvenil, sem fazer o 'trabalhinho de casa'.

A piada é boa, sim senhor (mas está visto até que a 'teoria' nem é nova como ele faz crer...) - mas é só piada juvenil, nada mais. Com toda a ignorância , todo
o défice de análise - por debaixo da ânsia na síntese.



Não dá para explicar a este mundo - a esta gente - o que é o onírico, um conceito de honra e amizade que Hergé cultivou, mal ou bem (ponho a hipótese de 'mal', porque a ingenuidade paga-se cara). É o mundo dos Tom Sawyer e Huckleberry Finn, dos Cinco, das aventuras do Hitchcock, do 'Uma Aventura'. É o mundo da fraternidade juvenil, de amigos que se juntavam para explorar este mundo, quando o mundo não vinha todo na televisão e na Internet. É, meus caros, um mundo dos livros. Com alguma simplicidade, com alguma inocência. E o mundo não a percebe mais, porque já não há nele assim paraísos do simples e do inocente. É um mundo mais cruel - mas mais honesto. Quem conheceu esses universos, teve essa sorte, conheceu. Quem não conheceu, bom... pode esperar que regressem. Talvez então, quem sabe, até dê ao filho um livro de Hergé.