terça-feira, dezembro 30, 2008

Olivus 2008: Livros do Ano

Reparem, como apontou Francisco José Viegas no seu 'A Origem das Espécies', no facto de o 'Ypsílon', suplemento cultural do 'Público', na lista dos melhores livros de 2008, não incluir um único título de Ciência ou Filosofia.

Tendo passado pela lista análoga da 'Actual', do 'Expresso', e reconhecido igualmente pouca não-ficção (creio que também nenhum título de Ciência ou Filosofia) vou, para os meus livros do ano, escolher dois tomos que são, justamente, não-ficção.

Faço-o, antes de mais, pela questão elementar: foram, que me recorde (e do pouco que infelizmente li), os que mais me marcaram. E depois, claro, sempre dou a 'pinta' de ler imenso - seja de ficção ou não-ficção. "Keeping up appearances". É sempre importante.

Os livros pertencem ao mesmo nível de qualidade, estão ex-aquo, apesar da numeração.

1. "Outliers", de Malcom Gladwell


É difícil encontrar uma etiqueta temática para este livro. Psicologia pop? Talvez. Ensaio/ciência sociológica popular? Quem sabe.

Tal como nos seus anteriores 'The Tipping Point' e 'Blink', Malcom Gladwell volta a produzir um livro surpreendente, criativo na abordagem, compilando uma série de factos dignos de nota numa teoria. Acerca de quê?, perguntam vocês - e bem. Pois, acerca de algo que a maior parte das pessoas procura na sua vida: sucesso.

'Outliers' é o termo inglês que se refere ao ponto estatístico que escapa à média. No caso concreto da análise de Gladwell, os casos das pessoas com sucesso nas suas vidas, consensual. Quais são os factores que são comuns a todos os casos especiais, a todas as pessoas brilhantes e que 'conseguiram'? A um Bill Gates, a um atleta, a um cantor famoso, etc.? Nas palavras de Gladwell, qual é a 'ecologia' do sucesso?

Gladwell identifica alguns factores comuns aos conjuntos de casos que apresenta. Alguns muito interessantes, na verdade. Como o 'efeito Mateus' (a partir do episódio bíblico), que ocorre com os atletas - e alunos - nascidos nos primeiros meses do 'cut-off' anual para a segmentação dos grupos. Essas crianças têm maior probabilidade de ter sucesso na sua vida (dado igual componente genética, quantidade de trabalho, etc.), concluiu. Acontece que, nas primeiras idades, uma diferença de poucos meses é muito significativa. Assim, um jogador de futebol, por exemplo, que nasça em Janeiro (supondo que o 'cut-off' de captação é em Janeiro) tem maior probabilidade de evoluir para um profissional do que aquele que nasce em Dezembro. Ocorre aquilo que se chama uma 'self-fulfilling prophecy', ou um 'feedback positivo', uma espécie de 'vitória busca vitória', de tal forma que o menino Aquário - mesmo se não for à partida o melhor, se torna o melhor, em virtude dessa série de sucessos acumulados.

Os factores enumerados, que incluem também (que pena que a cultura de Gladwell não chegue aí...) uma outra versão da célebre frase de Gasset: 'El hombre es él y su circunstancia', seja na oportunidade em termos do tempo histórico para se nascer, seja no contexto cultural que nos marca (sobretudo na mudança desse mesmo contexto, como no caso de um emigrante, ou na vantagem de hábitos antigos em tempos modernos; sobre esta última, uma curiosa reflexão sobre a cultura do arroz no espírito trabalhador do chinês, e no mandarim a conferir vantagem em Matemática).

Sejamos claros: haverá algo no livro que é superficial, seguramente. Mas o caso que Gladwell expõe é suficientemente interessante para ser atentamente lido. É como uma colecção tratada de estudos científicos e livros que apresentam ideias diferentes sobre a realidade, que fazem notícias de jornal - desconexas entre si.

Porquanto haja o perigo de falibilidade de alguns postulados após a sua análise, 'Outliers' suficientemente 'thought-provoking' para merecer este prémio. É criativo, neo-prespectivista (inventei agora, porque eu também posso ser criativo), e está claro, bem escrito o suficiente para que se o leia de uma ponta à outra.

Nota: se bem que publicado recentemente, este livro está já disponível na tradução portuguesa.

2. "The Drunkard's Walk", de Leonard Mlodinow



Muitíssimo mais consistente no seu tema é este livro de Leonard Mlodinow, que trata sobre a aleatoriedade nas nossas vidas. Por mais que pareça conversa de bêbado a sair da taberna (embora não seja daí que venha o título), as nossas vidas são mesmo muito condicionadas por fenómenos aleatórios, e, pior, nós condicionamo-las por fenómenos que a nossa mente crê seguirem um determinado padrão, quando a Ciência pura e dura prova a sua aleatoridade. O grande problema - o de sempre, talvez - é que, enquanto seres humanos, não conseguimos 'funcionar' sem a certeza do controlo - e a nossa sociedade é simplesmente aleatória, complexa demais, para que a possamos inteligir. Não somos nós que não encontramos o padrão - ele simplesmente não existe.

Ninguém quer acreditar nisso, claro. Mas Mlodinow, começando com uma (refrescante, para mim, já que era esse o único tema em Matemática de que eu gostava) revisão sobre Probabiliades e Estatística - um pequeno 'primer' - dá depois exemplos muito consistentes, que abarcam a Medicina, a Justiça, a Finança, mesmo - citando mesmo algumas fontes comuns a Gladwell - o sucesso pessoal, e que expõem a miserável incerteza das nossas vidas neste complexo entorno hodierno.

O livro está bastante bem escrito - é rigoroso, lúcido, como próprio de um cientista - mas igualmente espirituoso. Pessoalmente, achei-o brilhante, e muitíssimo esclarecedor. Afinal, eu sempre tive essa teoria a priori: a sorte, a 'Lady Luck', dá 'nós' no caminho que nunca pensaríamos possível, com a boca cheia de 'trabalho', 'esforço', 'qualidade intrínseca'. Não seria por outra razão que tenho em boa memória filmes como 'Sliding Doors', ou 'Match Point'.

Completo, lúcido, a espaços impressionante. Ainda bem que tive a sorte de comprar este livro.

[***]

Ambos lidos no original inglês, como deve ser; quilometragem em Inglês: 909 páginas.