domingo, setembro 07, 2008

Terra de Cegos

Uma coisa que eu acho extraordinária na glorificação que a nossa sociedade faz de futebolistas: aquilo é fácil. Acreditem: jogar à bola é fácil. Porque quem tem qualidade pessoal, tem-na em qualquer mester, o de jogar à bola, que me desculpem a expressão é cagativo.

Porquê? Porque meus caros, fintar é a satisfação imediata - é a vitória logo ali. Muitíssimo mais complexo é vencer noutros campos de batalha. Difícil é ser como nós, estudantes de algo, mal ensinado por uma sociedade a quem não interessa que os jovens saibam demais, para ir disputar lugares contados, em estruturas laborais espartilhadas por corporações. Não, que me desculpem. O que o Cristiano Ronaldo faz, tendo qualidade pessoal, é fácil. Difícil é preserverar como nós, andar a tolerar tudo aquilo que nos parece fundamentalmente errado, lançar garrafas para o oceano, sem saber se alguém as ler, lançar os nossos esoforços e dores no futuro sem saber se valerão de algo.

Difícil é ter uma profissão simples nesta sociedade 'cuidado onde pisas'. Fintar não: fintou, está passado, vitória, ponto. Há a satisfação logo ali. Nós... nós temos que adiar a satisfação demasiado tempo. E alguns não aguentam mesmo, essa mera promessa de alegria, face às pressões e dores do presente. Cedem.

Não, o que o Cristiano Ronaldo faz é cagativo. Jogar à bola é cagativo. Sendo bom, claro. Ter qualidade, potencial, e investí-lo numa profissão intelectualmente exigente, numa sociedade desconfiada e castradora, isso sim, é difícil. Fintar idiotas até eu consigo fazer. Ter o nosso ego, euto-estima, dependente de coisas muito menos imediatas é que custa. E eu não aceito a estupidez de um mundo, de um Portugal que não percebe puto de nada, que não percebe a diferença.