Não percebo bem porque é que é assim, mas sempre que vou ao Corte Inglés tenho a sensação de que os portugueses que por lá andam tiveram uma lavagem ao cérebro. Como se tivessem sido espanholizados. Refiro-me aos empregados, claro (embora também não faltem clientes presumidos). É como se tivessem feito parte de um programa "vamos a intentar sacar lo más diñero que possamos dos vossos compatriotas. Vocês também encham os bolsillos. Pode ser?". Como que uma espécie de Clube Miguel de Vasconcellos.
"Não meus amigos - isto para ter classe tem que ser mais que português. A gente importa uns cafés e uns lombos ensacados, faz um clube Gourmet, e treina os empregados para se lavarem muito bem todos os dias dessa coisa horrível... a portugalidade." - alguém de topo terá dito um dia.
Nada de inteligência emocional, nem flexibilidades 'à tuga'. Só o certinho, as excepções que estão nas leis castelhanas, o fatinho perfeito (melhor que o do cliente). Nada de confianças, que isto é internacional, meus amigos. Isto tem classe. Aquele senhor ali no Bar é formado em Filologia. O caballero da Hugo Boss tem um mestrado em Biologia Marinha. E ali o chefe... bom - é espanhol, não o ouve a falar alto ao telefone como se estivese em Marbella?
É preciso manter o nível da coisa, em suma - pode aparecer algum espanhol por ali. A lei parece que diz que não se pode barrar ugas mais burgessos... mas eles devem perceber a crítica tácita. Aqui só os portugueses com classe - entenda-se gente classe empresarial acomodada, 'quadros', gente académica, políticos do meio da cadeia inteligentes o suficiente para se terem 'safado', senhoras velhotas sem mais nada que fazer, senhoras novas, a pensar em comprar, ver, aparecer, passear, jovens algo desenquadrados, classes médias altas, médias baixa presumidas...
Tudo aquilo podia existir serenamente. Agora... há uma espécie de fusão do pior espírito lisboeta - de distância, 'marmorismo' emocional, com uma espécie de escape 'internacional' - os parâmetros dos 'outros' lá fora. Tudo junto, parece falso demais, vendido, hipócrita. Tem coisas boas? Excelentes (sobretudo no supermercado, a minha crítica diz mais respeito ao armazém acima). E tudo junto - que poucos têm tempo ou paciência para percorrer lojas 'gourmet'. Mas... um estilo tão híbrido, tão indefinido, tão constrangedoramente... falso, traidor tira muito prazer à coisa. Para mim.
É, agora me apercebo - há ali uma fusão de tanta coisa que eu dispenso: o surrealismo e mania lisboeta, um castelhanismo encapotado (tipicamente paternalista - respeitamos muito a cultura portuguesa, mas nos bastidores 'se habla' como deve ser), e, claro, o amorfismo de uma grande empresa, uma 'corporate', interessada - na forma manhosa de que é paradigma a colocação das escadas rolantes - no lucro. Mistura, assim, qualidade com coisas que - dispensassem a ambiência e o serviço 'by the book', intimidante, de alguém num fato impecável, ao ar condicionado - seriam chamados de 'normais', talvez mesmo apenas 'sofríveis'.