Depois perguntam-me porque sou eu bicho de casa que nao gosta de sair.
Ontem, noite diferente do meu estilo. Jantar com amigos Erasmus da amiga italiana da minha irma que está cá por casa. Depois - Bairro Alto.
"Vou ou nao vou?". Eis a questao de um pantufa. Lá fui. Quando temos expectativas de encontrar pessoas interessantes e bonitas à nossa frente, e só nos vamos motivando com a frase de mestre Damiao de Goes: "A experiência é a madre de todas as coisas", andamos claramente a ler livros a mais.
Pessoalmente, escapa-me o encanto do Bairro Alto. Algumas belas figuras a roçar ombros com "mitras" de cabelo pintado e fato de treino, aventuras para passar pelos magotes de gente, o ar frio e puro da noite misturado com o de urina, sobre a calçada negra, disforme e traiçoeira. Vestem todos da mesma forma, falam da mesma forma, nao distingo nada de único, nada de original. É certo, alguns olhos lusos mais especiais, porque tudo valeria a pena, mas... e conhecê-los?
Uma rapariga de Madagáscar (imagine-se), uma francesa, espanhóis, espanholas, italianos, e os que serao alemaes-austríacos-polacos-nórdicos. E eu a olhar o céu, as paredes, a pensar que nao conheço a razao daquelas ruas terem aqueles nomes, nem sequer conheço os nomes. Talvez só à procura de uma certa portugalidade.
E pronto, lá se faz figura, lá se experimenta e lá se mistura.
E lá se vai embora. Que deveria ser uma tranquilidade.
Mas nao. Tocou a mim levar a amiga italiana. Sem problema, ela é muito simpática, damo-nos bem. Mas eis que começa a falar com outros dois italianos numa esquina. Enquanto dois rapazes negros bêbados escreviam eufóricos na parede do bar, eu esperava perante a sua conversa. Ela falava com um deles, o outro encostado à parede. A discussao era mastigada, muita parra, mas a certa altura evolui para algo mais grave, sobe o tom das vozes - há briga. Um "Ma come ti permeti?!", já borderline grito, deixa-me sobressaltado. Lá ouvia os "cazzo" para ali, "tu no mi conosci!" para acolá, via o gesticular e pensava... "Hum... ainda me meto numa bela alhada". O aborrecimento pela demora virou ansiedade disfarçada. Olhava o rapaz encostado, calado também e pensava: "bom, este ao menos é dos meus, está a ver se a coisa acaba". A coisa acabou depois de mais algumas injúrias imperceptíveis. Que alívio.
A rapariga desceu comigo a rua, irada e a chorar, e cambaleando do álcool, dando-me sólidos encontroes. Eu, de costas doridas por ter levado uns sapatos-vê-se-mesmo-que-este-gajo-nao-sai-de-casa, claro, tive de ouvir a história toda.
Parece que o primeiro rapaz era amigo do segundo e estava a defendê-lo veementemente por a minha amiga se ter negado, depois de ter dito que ia partilhar casa com ele. Parece (confirmo) que usou termos pouco gentis, e lhe faltou ao respeito. Parece que ele nao percebeu nada da situaçao, nao sabia que ela estava connosco uns dias. Parece que começou logo a puxar pelo "divide" Nord-Sud, acusando-a de snob. Parece-me que nunca mais uso estes sapatos.
Tive pena dela também. Estava muito perturbada - nao percebia porque era hostilizada por um compatriota em país estrangeiro, em onda de Erasmus. Disse-lhe, meio para acabar o tema, meio por análise sincera, para os esquecer em Lisboa. Se um pecou por intençao, o outro calado "defendido", que eu julgava estar solidário comigo, pecou por omissao. "Non parlare mai con nessuno di loro".
Fomos entao apanhar um táxi. Estávamos na fila tranquilos, quando ela sai para o meio da estrada para ir apanhar o táxi antes de este dar a volta e encontrar as pessoas da fila. E entao lembrei-me daquela absoluta verdade: "gli italiani non fanno la fila". Flachback para o meu pai a gritar com os "carabinieri" na praça antes do complexo da Basílica de Sao Pedro (eu ainda esmagado por tudo aquilo) porque as pessoas nao respeitavam a fila para os táxis.
Enquanto eu recordava isto, lá ia ela, e as reclamaçoes das pessoas fizeram-se ouvir. E agora? Tinha de ir com ela, mas detesto nao cumprir regras de civilidade. Como lhe impor isso? Tou tramado. Mas ela, por mero acaso, tinha uma certa razao: os táxis que passavam em sentido contrário nao podiam dar a volta e vir ter connosco. Questoes de estradas e voltas alfacinhas. Donde, nao era realmente os táxis da fila de espera que estávamos a "roubar". Com esta intelectualizaçao da coisa já me safo da minha consciência. E do meu perfeito embaraço, atrás dela, a apanhar um táxi na minha cidade. Um atado total, nao fosse o facto consolador de nao ser Lisboa, nem nenhuma outra, a minha "cidade". Nao sou daí.
Na vinda tento fazer conversa com o taxista. Tipo novo, vou à frente com ele. Carros? Ok, temos tema. Futebol? Nao? Estranho... Música house no táxi? E eu que me consegui livrar disso toda a noite... Ainda mais estranho. Mas falando. Boa noite e bom trabalho. Aperto de mao, olhar de alguma surpresa. Nada como o taxista velhote com que fui para lá, discorrendo alegremente ele sobre o seu Porto, eu sobre o meu Sporting.
Mais uma noite, mais um "feito" na minha lista de "E se eu gosto disto? Devo experimentar ao menos uma vez". Ah, as aventuras de um "nerd" quase-escritor no mundo dos homens... Lá se fez.
Mas ainda me doem as costas. E o Menezes ganhou. Onde é que estao as minhas pantufas?
Ontem, noite diferente do meu estilo. Jantar com amigos Erasmus da amiga italiana da minha irma que está cá por casa. Depois - Bairro Alto.
"Vou ou nao vou?". Eis a questao de um pantufa. Lá fui. Quando temos expectativas de encontrar pessoas interessantes e bonitas à nossa frente, e só nos vamos motivando com a frase de mestre Damiao de Goes: "A experiência é a madre de todas as coisas", andamos claramente a ler livros a mais.
Pessoalmente, escapa-me o encanto do Bairro Alto. Algumas belas figuras a roçar ombros com "mitras" de cabelo pintado e fato de treino, aventuras para passar pelos magotes de gente, o ar frio e puro da noite misturado com o de urina, sobre a calçada negra, disforme e traiçoeira. Vestem todos da mesma forma, falam da mesma forma, nao distingo nada de único, nada de original. É certo, alguns olhos lusos mais especiais, porque tudo valeria a pena, mas... e conhecê-los?
Uma rapariga de Madagáscar (imagine-se), uma francesa, espanhóis, espanholas, italianos, e os que serao alemaes-austríacos-polacos-nórdicos. E eu a olhar o céu, as paredes, a pensar que nao conheço a razao daquelas ruas terem aqueles nomes, nem sequer conheço os nomes. Talvez só à procura de uma certa portugalidade.
E pronto, lá se faz figura, lá se experimenta e lá se mistura.
E lá se vai embora. Que deveria ser uma tranquilidade.
Mas nao. Tocou a mim levar a amiga italiana. Sem problema, ela é muito simpática, damo-nos bem. Mas eis que começa a falar com outros dois italianos numa esquina. Enquanto dois rapazes negros bêbados escreviam eufóricos na parede do bar, eu esperava perante a sua conversa. Ela falava com um deles, o outro encostado à parede. A discussao era mastigada, muita parra, mas a certa altura evolui para algo mais grave, sobe o tom das vozes - há briga. Um "Ma come ti permeti?!", já borderline grito, deixa-me sobressaltado. Lá ouvia os "cazzo" para ali, "tu no mi conosci!" para acolá, via o gesticular e pensava... "Hum... ainda me meto numa bela alhada". O aborrecimento pela demora virou ansiedade disfarçada. Olhava o rapaz encostado, calado também e pensava: "bom, este ao menos é dos meus, está a ver se a coisa acaba". A coisa acabou depois de mais algumas injúrias imperceptíveis. Que alívio.
A rapariga desceu comigo a rua, irada e a chorar, e cambaleando do álcool, dando-me sólidos encontroes. Eu, de costas doridas por ter levado uns sapatos-vê-se-mesmo-que-este-gajo-nao-sai-de-casa, claro, tive de ouvir a história toda.
Parece que o primeiro rapaz era amigo do segundo e estava a defendê-lo veementemente por a minha amiga se ter negado, depois de ter dito que ia partilhar casa com ele. Parece (confirmo) que usou termos pouco gentis, e lhe faltou ao respeito. Parece que ele nao percebeu nada da situaçao, nao sabia que ela estava connosco uns dias. Parece que começou logo a puxar pelo "divide" Nord-Sud, acusando-a de snob. Parece-me que nunca mais uso estes sapatos.
Tive pena dela também. Estava muito perturbada - nao percebia porque era hostilizada por um compatriota em país estrangeiro, em onda de Erasmus. Disse-lhe, meio para acabar o tema, meio por análise sincera, para os esquecer em Lisboa. Se um pecou por intençao, o outro calado "defendido", que eu julgava estar solidário comigo, pecou por omissao. "Non parlare mai con nessuno di loro".
Fomos entao apanhar um táxi. Estávamos na fila tranquilos, quando ela sai para o meio da estrada para ir apanhar o táxi antes de este dar a volta e encontrar as pessoas da fila. E entao lembrei-me daquela absoluta verdade: "gli italiani non fanno la fila". Flachback para o meu pai a gritar com os "carabinieri" na praça antes do complexo da Basílica de Sao Pedro (eu ainda esmagado por tudo aquilo) porque as pessoas nao respeitavam a fila para os táxis.
Enquanto eu recordava isto, lá ia ela, e as reclamaçoes das pessoas fizeram-se ouvir. E agora? Tinha de ir com ela, mas detesto nao cumprir regras de civilidade. Como lhe impor isso? Tou tramado. Mas ela, por mero acaso, tinha uma certa razao: os táxis que passavam em sentido contrário nao podiam dar a volta e vir ter connosco. Questoes de estradas e voltas alfacinhas. Donde, nao era realmente os táxis da fila de espera que estávamos a "roubar". Com esta intelectualizaçao da coisa já me safo da minha consciência. E do meu perfeito embaraço, atrás dela, a apanhar um táxi na minha cidade. Um atado total, nao fosse o facto consolador de nao ser Lisboa, nem nenhuma outra, a minha "cidade". Nao sou daí.
Na vinda tento fazer conversa com o taxista. Tipo novo, vou à frente com ele. Carros? Ok, temos tema. Futebol? Nao? Estranho... Música house no táxi? E eu que me consegui livrar disso toda a noite... Ainda mais estranho. Mas falando. Boa noite e bom trabalho. Aperto de mao, olhar de alguma surpresa. Nada como o taxista velhote com que fui para lá, discorrendo alegremente ele sobre o seu Porto, eu sobre o meu Sporting.
Mais uma noite, mais um "feito" na minha lista de "E se eu gosto disto? Devo experimentar ao menos uma vez". Ah, as aventuras de um "nerd" quase-escritor no mundo dos homens... Lá se fez.
Mas ainda me doem as costas. E o Menezes ganhou. Onde é que estao as minhas pantufas?