Eu admiro a capacidade e a força de vontade que Ronaldo tem para superar as adversidades. Não vou estar com tretas: ele merece tudo o que ganhou. Nunca deve ter havido um jogador de futebol tão trabalhador e
driven. Ainda assim: o homem é ele e a sua circunstância. Havia Ronaldo - genética e mentalmente, se quisermos - e a sequência de eventos fortuitos (o Sporting, o Manchester de Ferguson, a selecção de Scolari, etc.) que o ajudou. Ninguém - ninguém - vence sozinho. Por mais que assim o pense.
Não posso deixar de criticar o seu cinismo ao elogiar todo o entorno do Manchester, se for verdade que irá deixar o clube para rumar a Madrid. Para mim, é mau carácter. Mas é o mundo do futebol (talvez o próprio mundo). Também não posso admitir que Ferguson venha dizer que Ronaldo "deve" ao clube (um discurso bastante 'socialista' e 'continental' para o país de Adam Smith), se não perceber o pão amassado pelo diabo que Ronaldo teve que comer. A dureza do novo ambiente. O individualismo dos colegas. As entradas a matar. A falta de piedade de jogadores séniores como Nistelrooy, com quem teve pegas. Ninguém fala disso. Ninguém se lembra disso. Ninguém viu isso. Mas tudo isso Ronaldo superou em silêncio.
Tudo dito, apesar de tudo, acho que ele não deve tentar jogar esse jogo manipulativo. No entanto, faço uma ressalva - eu dizia o mesmo em relação à garganeirice do Figo, e o Figo, provavelmente, esteve à frente do seu tempo. Poucos anos depois da sua transferência, as trocas milionárias estavam vulgarizadas, e os salários - para jogadores inferiores a ele e mais novos - tinham subido. Agora veio a crise, tudo pode mudar. Mas, dessa perspectiva, fui eu quem se equivocou. Donde, a conclusão a tirar é que quem lá está é que sabe como as coisas são. Nada mais. Por isso, julgando as acções de Ronaldo a partir do meu entorno é provavelmente errado. Ainda assim, fica a nota.
De resto, não me recordo de futebolista para quem a Bola de Ouro tenha sido a antecâmara de qualquer coisa. Foi sempre o 'beijo da morte'. Sem excepção, todos decrescem depois do prémio. Mais: não é só Messi que ameaça Ronaldo. Basta verem Alexandre Pato a jogar à bola. E ele não tem só a capacidade, tem também a humildade que Ronaldo parece ter perdido, e, portanto, mais margem de progressão. Se o Milan não complicar o simples, Pato - disse-o o próprio Kaká - chegará àquele topo dentro em breve. Tenho nesse caso a desfaçatez de dizer que no Generosità eu já falara nele (Junho de 2007) mesmo antes de ser comprado pelo Milan. Foi
aqui.
Não façam erros: eu desejo a maior das sortes ao Cristiano. Mas acho que no futebol cai-se tão rapidamente quanto se se ergueu. A grande desvantagem de surgir uma nova estrela no futebol é que, parece que nos últimos anos há sempre uma nova estrela a surgir, a ameaçar o pódio. Ainda bem para nós, adeptos. Antes não era possível a um jogador de 24 anos ganhar todos os prémios que Ronaldo ganhou. Mas como o seu homónimo 'Fenómeno' está aí para demonstrar, mesmo para os 'fora-de-série' o sucesso parece ser de consumo rápido. Such is the allure of the game.