Portugal vive um momento absurdo da sua história. Assim uma espécie de deserto existencialista. Estou certo que Camus adoraria escrever sobre este Portugal.
Quando se vive no absurdo, quando não há regras ou limites distintos, a estupidez momentânea - essa que passa pela mente num 'vibe' - sente-se em casa. Dorothy: estamos definitivamente no Kansas.
Dei comigo a pensar nisto no outro dia quando ouvi uma rapariga dizer um palavrão de camionista. Ou de puto rebelde que quer chocar os pais. Não é que eu não diga palavrões, ou seja sexista - e daí talvez eu seja um bocado sexista nesse aspecto. Mas o chocante ali foi a gratuitidade e o 'out of the blue' da coisa. Enquanto os demais cumprem regras de convivência e civilidade, há quem as fure, e deite cá para fora o que não deve. Uma espécie de incontinência verbal.
Esta incontinência, parece-me, está muito em voga, em virtude justamente desse 'normal absurdo', e vai além do palavrão gratuito e chocante, para chegar à excentricidade repetida da falta de lógica, ou de moralidade básicas (mesmo para humor). Tem, assim, outro sinal patognomónico - a
boutade. Em suma, delicia-se com este deserto de lucidez que se tornou Portugal.
Um dos temas favoritos da
boutade é, nesse mantra de 'espantar o burguês', a sexualidade. Nomeadamente das formas de perversão da sexualidade*. Clássico: dar a entender (levando nós uma 'sheltered life') que certas realidades chocantes existem bem vívidas, e que nós nos cruzamos com elas todos os dias.
Se alguém perguntar por factos - não há. 'Fact-checking' é só um estrangeirismo manhoso usado por indivíduos de óculos que perdem tempo com blogs. Se alguém aprofundar a conversa (uma surpresa, aliás, dado que o tema é supostamente 'para não mexer ainda mais', a não ser por uma espécie de desejo necrófilo), é-se sempre desviado, sobretudo com a justificação subentendida de 'não nos perturbar mais' com a dura realidade - quando o maquiavelismo está, exactamente, em deixar tudo suspenso, difuso, ambíguo. À boa maneira portuguesa, o subjectivo é senhor do objectivo.
Seja pelo palavrão gratuito, seja pela
boutade de conteúdo explícito, perverso, incompleto, configura-se na sociedade portuguesa, no microcosmos de uma conversa aquilo a que eu gosto de chamar o 'movimento streaker'.
Tens um pensamento perturbador? Conheces uma notícia sórdida? Então manda cá para fora, quando as pessoas estiverem a comer ou a pensar em coisas sérias! É despires tudo e mostrar 'your stuff' para o público. São os teus quinze minutos de fama, a libertação! Uuuuiiiiii! Bora lá.
A gente tira logo o preconceito do civismo e mostra a realidade nua e crua aos olhos preservadinhos desses copos de leite! Nem interessa se sabemos da coisa, ou se ela é verdade! Estamos com a coisa a roer na mente. Os jornais e a televisão também não seguram as cuecas - porque haveríamos de o fazer? Interessa é que fica na retina essa corrida em pêlo pela falsa moralidade! Está cá fora... Uff... Que alívio!
Ah, todos os 'streakers' portugueses fossem como este senhora, com o perfil ideal para a primeira 'streaker' de Wimbledon...
Na verdade, a metáfora mais ajustada seriam aqueles senhores barrigudos em meias, fugindo de outros senhores fluorescentes, com "ultra-mega-über-casino.com" toscamente pintado nas costas. Urghhh... "didn't need to see that".
E o mesmo se aplica na perfeição aos 'streakers' tugas hodiernos: urghh... "didn't need to hear that".