segunda-feira, outubro 08, 2007

Cantigas De Amigalhaço

Lembro-me de um texto de Miguel Esteves Cardoso em que ele distinguia o amigo do amigalhaço. Verdadeiramente, só me lembro da primeira distinçao (a quantidade de ligaçoes). O que de cada espécimen se segue, é da minha lavra.

O amigo tem somente uns quantos seus amigos, afinidades de carácter verdadeiras. Sua é uma amizade que vem de muito cedo ou uma amizade por conjunçao de individualidades, de respeito mútuo. Partilham experiências que nao podem partilhar com mais ninguém, e a prova do elo que se forma está nessa confiança. Nao há crime maior que quebrar essa fidelidade.

O amigalhaço é o que tem vários "amigos". Com todos fala do mesmo modo, nao faz hierarquias. Tem um plano mais ou menos consciente - o de nao hostilizar ninguém, perseguindo embora seus instintos egoístas. Quer manter todos os canais abertos - quem sabe quando pode precisar deles? No seu cérebro há uma senaçao de poder e possibilidade. Nao se zanga com nenhum, nao se ofende com nenhum, tenta nao ofender também. Mantém uma distância confortável, e nao partilha viveres íntimos com nenhum, embora a sua intimidade seja muitas vezes sacrificada a esse projecto de "network". A todos canta cançoes, a todos se acomoda, a todos conhece os dados, os quem, os quês. Está tudo bem armazenado. A sua paciência é uma preciosa arma na velocidade da vida dos outros. Passa pela taberna como pelo salao, o seu propósito nao pede compromisso - só adaptaçao.

Direi que nem por um dia, nas minhas relaçoes pessoais, me esqueço dessa singela diferença entre o amigo que respeito e o amigalhaço, que, contas feitas, tem em mim um rival que nunca suspeitou.