"E... pode ser um UCAL s.f.f.". Leite com chocolate, só UCAL. No meu caso até, leite - só mesmo UCAL. Foi como a primeira cerveja. Foi um prazer distante, aquele sabor, naquele café, ao largo do meu colégio, de manha. Com torradas, deliciosas - a manteiga dos dois lados (essa descoberta fantástica).
Mas o leite UCAL continua o mesmo. As torradas já nem interessam. Aquela espuma cremosa, e o sabor guloso sao os mesmos. Abanar sempre a garrafa, para remover o chocolate depositado. O fluir do leite para compor o copo, inteiro. Consistência inconfundível: acomoda-se ao copo com primor. Deve ser bebido suavemente, controlando a gulodice, aumentando o prazer por mistura suave com a torrada. Ah, mas o sabor ainda é o mesmo.
A cada gole, pausado, todo o gosto sob a língua, toda a intensidade - a cada gole, a memória dessas manhas. Mais tarde entraríamos no colégio. Agora estávamos ali, a beber o tal leite (e o pecado era supremo, pois eu nem leite deveria beber - mas viver afinal é pecar), à cadência das tais torradas.
A manha lá fora estava fria, mais tarde ficaríamos sozinhos. Mais tarde começaríamos as aulas, esperavam-nos nossos amigos. Esperava-me um meu amigo. Limpava os dedos como podia aos toalhetes finos. Nunca ficavam bem limpos. E depois o leite lembrava, à digestao, o respeito devido. Mas o sabor, ah, o sabor.... Eu sempre adorei o sabor das coisas, o sabor da vida. E sempre detestei quem o nao tinha.
Vazo UCAL sobre o meu copo. As margens têm a marca cremosa, o cheiro sabe à manha, às minhas manhas. É a minha "madeleine" de Proust. Sinto o miúdo, vejo a mala, as paredes, o espírito de descoberta desses anos. Lembro-me, lembro-me tao bem. Deixar que os outros esqueçam, que se embriaguem em vinho-cinismo. Só vos peço que nao me chateiem. Eu abro o meu UCAL fresco, despeço-me dos meus pais, confiro a bola no saco e vou ter com os meus amigos, à porta do corredor. Até um dia o copo chegar ao fim.