quinta-feira, março 19, 2009

Sentire

Ele falava em alto tom propositadamente. Com os amigos, discorria sobre as 'damas' que conhecia em jogos na net. Qual era o nome daquela? "Só quero afogar o ganso. Falei com ela, disse que já tava farto de ir para os copos com os gajos. E ela disse que tinha vodka".

De repente trocava, já não falava de 'damas', 'cena', 'chaval'. Falava brasileiro? Imitava o sotaque. Porquê? Ah. Mas 'o gajo', 'a dama', 'ya', 'ya', 'ya', 'tás a ver?' voltou, voltaram.

E à distância o mitrês trocava com um sotaque brasileiro. Propositadamente a fazer-se sentir. Aliás, em italiano, 'ouvir' é 'sentire'. E há conversas, tons, rumores, dúvidas que se querem fazer 'sentir' em redor - às outras pessoas.

Mas depois, só, houve ainda um galão a beber. E apontou ao empregado como um colega se esquecia de um pormenor no serviço da bebida.

Talvez tantas vezes, ao nosso jeito, usemos o nosso qualquer 'mitrês' ou 'pseudo-brasileiro' para nos fazermos ouvir. Não - ninguém é perfeito. Talvez só nos distingamos se, realmente, ainda damos atenção a esse pormenor, a essa pequenice de que gostamos. Somos portugueses respeitadores enquanto gostarmos desse pormenor. É o nosso modo de melhor expressão - involuntária, silenciosa - pelo rumor que quisermos criar, com que quisermos dar a entender aos outros - aquilo que somos, aquilo que podemos ser.