sábado, agosto 09, 2008

As Catedrais Pagãs 2

Antes de mais, é curioso reparar como, da mesma forma que as igrejas cristãs eram construídas sobre antigas mesquitas, também os hospitais começaram por ter inspiração cristã. Mas hoje não obedecem – não poderiam obedecer – a esses preceitos. O Sagrado, é certo, continua a conviver com o Profano, mas a confusão só beneficia o Profano.

De alguma forma, o hospital cria em si uma força centrípeta, decorrendo do seu objecto por excelência: o corpo humano - que é também o elemento central do paganismo.

Num hospital, o corpo humano é Deus. Ele dita as regras e a moralidade. A moralidade, claro está, é a absoluta solidariedade entre corpos. Os prestadores dedicam-se a salvar corpos, e fazem também o que for preciso aos seus para o conseguir. Levam-no ao ‘red line’ naquele momento, tratam-no depois como entenderem.

O stress absolutamente ímpar de querer salvar uma vida, por ser um fim supremo, perdoa qualquer mecanismo de compensação, de relaxamento.

Repare-se que, se um cirurgião for capaz de trabalhar várias horas ‘non-stop’, e, mercê de meticulosa arte, operar magistralmente o coração a um doente e o salvar, ninguém o condenará por… praticamente nada. Por ser mal-educado, pedante, cocainómano, viciado em sexo? Por nada. O seu trabalho é essencial demais – é a sua redenção. É óbvio que a maior parte das pessoas é normal, e há-os virtuosos também. A questão é que, em nenhum outro tipo de função são os vícios privados tão tolerados - face à complexidade e importância da função.

Profanidade nº1: todo o vício ou abuso (adulto) é consentido em função de um bem maior.

(continua)