sexta-feira, março 14, 2008

Histórias de Itália I

Havia que ir à Accademia de Florença visitar o David de Miguel Ângelo. Uma obra-prima, realmente. Por serem proibidas, tive que tirar uma foto furtiva, por detrás do pilar, enquanto a segurança (das que fazem o curso do grito "no photo!" ou "no flash!"), falava com outra pessoa, distraída.


Miguel Ângelo concebeu David com formas intencionalmente desproporcionadas (refiro-me nomeadamente às mãos), exactamente para permitir uma visão mais poderosa, de baixo para cima. Esses pormenores de génio fazem a estátua parecer bem mais alta do que realmente é. O voo da mente, mais uma vez, na mão do artista.

O que é interessante reflectir nesta obra é o facto de ser a antítese da história bíblica, em que Golias era o gigante, derrotado pelo pequeno David. Aquilo que me ocorreu, nessa perspectiva de baixo para cima, foi a ideia de Miguel Ângelo em querer representar a última imagem que teria visto Golias. Eis a ironia captada na história real. Aos pés de David, o gigante no solo vê o seu antes pequeno adversário em formas gigantescas. É um aviso à soberba, à arrogância. Uma espécie de representação excelsa do adágio "quanto maiores são, maior é a queda".

Achei piada a ter tentado entrar, desta forma, nas intenções de Miguel Ângelo. Não tenho a presunção de ser pioneiro nessa observação, mas o certo é que, realmente, não a li em nenhum outro lado. Seguramente, existirá.

Ainda assim, não deixa de ser bela esta ironia de Miguel Ângelo e (e isto, sim, estava escrito algures) um hino à vitória (às vezes são poucas, mas ainda assim existem) da inocência, e da mente, sobre a bruteza. Quando a mente voa, agiganta-se sobre qualquer gigante que exista. Essa é a mensagem da história mítica, e a ironia é captada pela sensibilidade de Miguel Ângelo: afinal, a altura é só uma questão de perspectiva...