quinta-feira, outubro 04, 2007

O Factor Maldonado

X diz-me no outro dia algo como que tenho "levado o blog a um nível, que já merecia uns links de outros blogs". É claro que eu me derreto com o elogio. Só quem nao me conheça. Como eu costumo dizer: "Nao me dêem graxa, que sabem perfeitamente que eu tolero! Admito-vos, perceberam?! Bom, estamos entendidos."

Porquanto considere a opiniao de X, porque considero as opinioes de pessoas inteligentes, ainda para mais que se esforçam por ser imparciais, talvez seja ainda cedo. Afinal, a bitola dos blogs, que eu coloco ao nível de um Estado Civil, um A Origem das Espécies, para nao ir buscar o caso particular do Abrupto, está ainda longínqua. De algum modo sempre estará, porque a concorrência é desleal, entre 3 tipos nos seus vinte e veteranos. Só a diferença de leitura feita é abismal. No entanto, também só faz sentido trabalhar neste blog olhando para essa bitola, para essa conjunçao de conteúdo e grafismo. Paradoxal embora, é assim que prefiro pensar.

Realmente, um linkzito nao faz mal a ninguém. é óbvio que nao desdenharia entrar na família da blogosfera portuguesa. Mas... também prezo o anonimato. Sabendo embora que, neste ponto, a rede está constituída demais para que pessoas que eu preferiria nao lerem o blog lhe possam ter acesso. Acaba aí o blog "intimista", que verdadeiramente nem chegou a existir. Como o autor das peças mais intimistas, creio, até agora, poder dizer que estou seguro de nenhuma delas ameaçar a minha privacidade. Por exemplo, nao publico fotos dos autores no blog. No que à poesia diz respeito, ela é, por natureza, demasiado diversa e demasiado efémera, ainda mais por ser "daquela idade", para me radiografar. Tudo o que escrevo é, antes de mais para amigos, mas sempre com a certeza de que nem só os amigos fazem uso do blog. Tenho essa noçao bem clara desde o primeiro dia. Como o blog nao é o meu único instrumento de socializaçao, nao há qualquer problema.

Dito isto, gosto (e creio que os meus colegas gostarao) de reconhecimento. Vou enfatizar: eu adoro reconhecimento. Sendo seres humanos, todos o adoramos. Tenho tido esta situaçao engraçada na vida de, até nao há muito tempo, eu ter a tendência natural para elogiar franca e fácilmente qualquer pessoa, nao me sentindo embora suficientemente elogiado pelos demais. Nao que seja algo de grandioso, mas a nobreza de quem elogia e motiva está justamente na capacidade de encontar as qualidades. Posso mesmo dizer que alguma parte das carreiras de sucesso de meu avô e meu pai vêem, para além de darem o exemplo, saberem elogiar justa e eficazmente. O elogio é algo de central à minha maneira, por exemplo, de ver o ensino, parte da motivaçao. Daí decorrem grandes críticas aos professores que tenho encontrado.

Mas adiante. Quero contar uma história que me tem dado essa motivaçao na vida, e que, às tantas, um ou outro leitor do blog ainda se lembrará.

Quando eu estava no meu colégio, creio que pelo 7º, 8º ano, tínhamos um professor de História e Geografia que ficou emblemático, por cariacato. Seu nome: Maldonado. Era alto e seco, afagava sempre o queixo ao pensar antes de falar, e guardava ainda um estilo de vestuário à anos 70 Lembor-me de um notável fato branco com camisa bem aberta, com que andava pela escola, e das pernas esguias e apressadas nas calças justas de pano fino. Nao lhe faltava sequer a "pochette" para compor o hábito. Nao falarei das suas aulas, das suas rixas com alunos e contínuos, da sua desconcertante atençao para algumas raparigas. Vou direito ao assunto.

Éramos 3 a 5 os melhores alunos da turma. Talvez nao peque se disser que, ao longo dos anos, se destacaram sobretudo 3, de entre os quais eu figurava. Nao porque especialmente dotado - confesso-o desde já (embora eu esteja sempre pronto a discutir o conceito de "dotado", com os deslumbrados e os pavoes). Simplesmente era, sempre fui, muito "gregário" - se havia gente de qualidade no grupo a que pertencia, eu era naturalemtne puxado para cima. Talvez eles também por mim, quem sabe haja uma espécie de interdependência. No entanto, porque sempre fui também algo preguiçoso, algo inapto para alguns temas, as minhas valências estavam bem concentradas em determindas disciplinas. Nomeadamente humanísticas. Por isso, e porque dos outros dois, um era especialmente talentoso para disciplinas mais árduas, o outro especialmente maduro para a idade, e os 3 contornássemos as curvas, eu seria de bom grado considerado o "terceiro". Para mais, sempre me preocupou saber muito de demasiado tema - eu queria mesmo ter uma educaçao holística, chegar a esse conceito intelectual de "cultura geral". Talvez essa fosse a minha "trademark" em comparaçao - a pura paixao intelectual, nao por um só tema, por vários. Alguém lhe chamaria simplesmente "curiosidade".

O professor Maldonado gostava de bons alunos, naturalmente. E, expansivo, fazia questao de elogiar os meus colegas pelos vários exames e excelentes notas que obtinham. Eu estaria num nível parecido nessa cadeira, mas tinha menos lastro e era bastante tímido, tinha pavor de qualquer intervençao. E assim se passaram as aulas, os sapatos de Maldonado estalando sobre o chao de madeira, velho. Aula após aula, teste após teste, elogio após elogio. Lembro-me em retrospectiva de me ser indiferente - até gostava de passar despercebido.

Eis quando, a situaçao já tao bem assimilada em mim, ele se lembra de, numa das nossas últimas aulas, me elogiar. Que eu também isto, que ele realmente nao falava de mim, mas eu merecia, que o meu trabalho aqueloutro. E alongou-se, bastante até, como se de uma redençao se tratasse. Fiquei deveras surpreendido e envergonhado, mais que orgulhoso. Naquele entao tentar o meu melhor era natural para mim, um dever. Hoje custa um pouco mais a bastar-me a auto-satisfaçao do dever cumprido. Chama-se idade adulta, suponho.

De qualquer forma, tenho-me lembrado dessa história recentemente. Tenho-me lembrado de como, às vezes, temos que continuar, por mais que ninguém nos aprecie como quereríamos. Temos que continuar, por mais que tudo pareça um deserto. Sem beleza, sem nobreza, sem futuro. Temos que continuar. E neste blog também. Afinal, quem sabe se lá ao fundo, mesmo ao fundo do nosso esforço, quando já estamos dispostos a desistir enfim e mandar tudo para sítios indignos, nao é o dia em que um Maldonado se redime e nos elogia; nao chega o dia do nosso merecido reconhecimento.