quinta-feira, outubro 04, 2007

Do Narcisismo

Posso ter uma visao enviesada por alguns anos de Lisboa. Mas quase me arriscaria dizer que os portugueses sao algo bipolares na sua sociabilidade. Quer dizer, o país só existe em sociedade, e somos um povo que beija, perdoa e experimenta, quando mobilizado. Na verdade, repare-se que nós nao temos catedrais excelsas, nem pintura por aí além, e poucas contribuiçoes científicas para a Humanidade. À excepçao da poesia e literatura, seríamos mesmo muito pequenos. O que realmente fazemos bem, quando nos superamos, é uma sociedade com uma certa beleza humana, que podemos dizer insuperável, e conseguimos atingir alguns feitos impossíveis para outros povos. Para nenhum povo é tao verdadeira a frase de que, se nós formos em direcçao ao impossível, ele recua.

No entanto, como contraponto a essa perfeita sociabilidade, existe a solidao, às vezes absoluta, nos centros urbanos, na velhice, nos hospitais. Um português só é uma coisa muito triste. A solidao é algo que vejo também instalar-se na juventude. A vida vem ter a casa, já nao a temos de procurar tanto quanto antes. Há telemóvel, TV, net, MSN, Hi5. As pessoas perdem alguma naturalidade e sinceridade na relaçao com os outros, condicionados por limites que intuem existir. Vejo muitos jovens estanques. Estou à vontade para o dizer - sempre gostei do meu isolamento. Mas eu conheço-o à muito tempo, e pratico-o para arrumaçao mental. Giro-o, nao lhe pertenço.

Mas Portugal tem tido, nos seus "casos isolados", fora do nosso poderoso e envolvente "mainstream", destaques nacionais. Poetas, escritores, intelectuais, profetas de toda a sorte. Por exemplo, para mim Álvaro Cunhal é um exemplo recente - foi um homem que se isolou dos outros para o que ele julgava ser o bem dos outros. O "caso isolado" português merece, do ponto de vista intelectual, muito respeito.

Mas acho que o isolamento juvenil urbano nao faz sentido. Se um jovem nao se apercebe desse perigo, passa a olhar-se somente a si. A preocupar-se demasiado com os seus sonhos, e como os outros nao lhos permitem. Perdem-se no seu narcismo, intelectual e físico. Bastam-se. Acreditem, meus caros, vale mais a pena tentar, errar, e começar de novo. Lembrem-se do que aconteceu ao maior narcisista da nossa história.