quinta-feira, outubro 04, 2007

O Erro De Salazar

No projecto de Salazar para o país estava uma teoria, interpretaçao, daquilo que seriam os portugueses, suas virtudes e defeitos. Salazar partiu do país, de Portugal. Partiu de uma sociedade composta, e quis nutri-la, abafando os seus defeitos. Portugal, ele nunca o soube, para grande mágoa de portugueses como eu também já fui, nao existe verdadeiramente.

Existe sim uma super-estrutura que imana do individual. Nao existe Portugal, existem somente portugueses. E para esses, embora a sua vida pudesse ser de um ponto de vista melhor, se agíssemos em funçao disso, nao temos o direito desse despotismo iluminado. Salazar nao tinha o direito. Nao tinha o direito de declarar o que eram os portugueses e conceber um modelo sustentável. Nao tinha o direito de adiar a canalizaçao nas aldeias para que as pessoas fossem obrigadas a falar entre si na fonte. Nao tinha o direito de manter o país atrasado para promover um Portugal rural. Custa-me dizê-lo por várias razoes, a primeira das quais é a minha perfeita ira, de estilo parecido ao dos seus, com injustiças perfeitas que nao deveriam acontecer. Mas aí está o problema da minha educaçao católica - eu detesto a dor, abomino a dor desnecessária. Detesto a negligência, a estupidez, a cobardia, o défice na autoridade de quem é responsável. Mas nao tenho o direito de dirigir a vida dos demais, mesmo se bem intencionado.

O erro de Salazar foi a virtude do homem do campo: o pragmatismo. O "begin with the end in mind". Nao o deveria ter feito. Os portugueses sao o que sao, nas suas qualidades e defeitos. E têm todo o direito a rejubilar ou sofrer com isso. Nao podemos é crer que nao há outra sociedade possível, e temos sempre que obedecer a noçoes de Justiça, e também, vagamente, de naçao, desde que mandatados para tal. A vida, se fosse para ser fácil, nao necessitaria de ser socialmente correcta.

Salazar, permitam-me o egotismo e o humor, era um Oliveira apesar de tudo. Pertencia a um cla mítica de aldeia, de um outro país. Tinha o dedo mágico, o instinto. E nao creiam em quem pinta retratos dantescos do seu tempo. Teve a seu cargo um ciclo, teve a sua aurora de novidade, e a sua decadência, o fim. Mas nao tinha o direito.