sábado, outubro 25, 2008

A Moralidade Descartável

Estava-me a lembrar de alguém que tem uma curiosa capacidade: a da moralidade descartável.

Imaginem alguém que é capaz de, nunca cumprindo um código moral, desfraldar a sua bandeira quando é preciso - isto é, quando é preciso para reclamar de algo, para conseguir o que pretende. E que, para tal, se assegura de 'dar umas pinceladas' dessa moralidade, de vez em quando. Mesmo que a maior parte do tempo siga os próprios intentos - em sentido contrário.

Assim, por exemplo, se tivermos um indivíduo que advogue o vegetarianismo, pode ele criticar doutamente aqueles que comem carne, pode até dar o exemplo mais beato, numa refeição, de se ficar pelo pão com manteiga, porque naquele restaurante só se come cozido à portuguesa e chanfana. E, no entanto, quando sai com os seus amigos, incorre nos mais suculentos coiratos, ou recheados hambúrgueres.

Do respeito geral, contudo, não se livra. Até porque vive dele. Diz que faz umas outras coisas menos recomendáveis, e que não participa ou fura a sociedade. 'Mas reparem no seu empenho para salvar os animais... Tocante.'

Usa, assim, de uma moralidade descartável, incompleta, que defende quando lhe aprouvém. É assim daquelas moralidades que se vendem nas bombas de gasolina. Quando passa por lá, compra mais uma recarga, juntamente com o seu desportivo e um o ambientador para o carro.

Ele há várias dessas moralidades salvíficas, a bom preço: vegetarianismo, aquecimento global, direitos das minorias, o clube de futebol, a luta pela elevação de Ermesinde a concelho, a defesa dos ornitorrincos, ou a demarcação da zona produtora de pastéis de Tentúgal. Ele há várias.

E assim, usando uma moralidade descartável, se atinge a perfeição: não se tem que trabalhar para que haja uma legitimidade, mas pode-se criticar quem se quiser. Eles não sabem, ou não podem apontar o dedo quanto à falta de ligitimidade.

As moralidades a longo prazo, de vida são, na realidade, uma parvoíce: só dão trabalho, para pouco mais. Nada como a moralidadezinha descartável.

Afinal, não se está a inventar nada de novo. Que já o Eça, com o seu conselheiro Acácio, paladino dos bons costumes, que se acostumou demasiado à criada, se referia à coisa. E pode-se, por isso, dizer 'acaciana' essa tal de 'moralidade descartável'.