domingo, outubro 19, 2008

Do Ulme a Ülm: A Última Barreira

Estou a cumprir o último ano do meu singelo curso. É um curso agradável, não é certamente o tema dos meus sonhos, mas é um curso muito interessante. Aprendi a gostar e a respeitar Farmácia - embora ache que o meio (tal como outros) padece de grande... corporativismo. Terá algumas perspectivas de empregabilidade - e essa escolha parece hoje mais inteligente.

Não fiz um curso brilhante, creio. Fiz dois anos de excelentes notas, para depois entrar numa certa mediania. Posso encontrar várias razões para o justificar (próprias e alheias), mas da mesma forma que isso não me perturba por aí além (porquanto sempre tenha gostado de ser bom aluno), acho que não vale a pena invocá-las. Quando a dança das cadeiras começa, pouco importa se eu tinha média de 18 no meu secundário. Quem lê, lê curso científico em universidade privada, de 'segunda linha' e essa é uma realidade com a qual eu tenho que lidar.

As pessoas não têm tempo para o cinzento, para a história completa, para as justificações, para os pudores, para os pequenos sacrifícios. Julgam num instante, e nesse instante lê-se: 'curso com empregabilidade, média aceitável, universidade de pouco/médio prestígio'. Ponto. É assim o preconceito - é assim que eu, e os meus colegas, temos que trabalhar com ele, mesmo que não corresponda à realidade.

Mas estou a acabá-lo, o meu curso, e este ano tenho que produzir um relatório final e acabar três cadeiras em atraso. Eis porque decidi aproveitar o tempo para algo que, sim, me dá um infinito prazer: aprender línguas. E, tendo já estudado inglês, francês, espanhol e italiano, faltava-me uma grande língua, naturalmente,: o alemão.

Comecei assim, a estudar para ultrapassar essa última barreira. Porque gosto de ler, e falta-me essa língua para ler. Porque gosto de viajar, e falta-me essa língua para me desenrascar por essa Europa fora. Porque acho que isso pode enriquecer um currículo - em qualquer área que seja. E também porque eu tenho a 'minha', e vou continuar a tê-la - por mais piores sentimentos, pior sociedade, piores alturas na vida das pessoas que conheço.

Eu tenho a 'minha'. E bem pode tudo andar em alvoroço, que eu, cumprindo as regras da sociedade, não desisto dela. Nem que chovam picaretas. Por isso, conheci tantos ao longo desta vida que preferem ofender, exibir, vegetar, maldizer, invejar. Eu cá é mesmo ler, e conhecer coisas novas e estimulantes. Mesmo em tempo de crise - que há dez anos andamos nós em crise.

Mas sente-se já uma grande pressão social para começar a trabalhar, por mais que eu me defenda a dizer que até nunca fui um gajo de excessos, que escolhi racionalmente uma profissão, e que agora, se faz favor, gostava só de acabar o meu curso como deve ser. Ainda no próprio dia do curso me perguntavam 'Profissão?'. E eu lá disse 'estudante', mas com bastante vergonha. Não é que o não seja, mas... caramba. Não se está a falar de um estudante brilhante na sua pretensa área, e ainda por cima um que está agora em 'pousio laboral', para produzir a sua tese de mestrado, como eles chamam à coisa. É como se... tivesse que dizer 'estudante' para não dizer 'aspirante a político', ou 'ventríloquo', ou 'adorador de Satã'. Só para dizer que a rufia, delinquente não se chega.

Por isso vou agora tentar abraçar um novo idioma, que me faz muita falta. Só pelas aulas dá para perceber que tem, realmente, uma dinâmica muito própria, muito especial, muito característica. Talvez, quem sabe, seja um idioma que primeiro se estranha, e depois se entranha.

Só para que eu, ribatejano, possa, um dia, poder viajar do Ulme até Ülm, sabendo falar todas as línguas pelo caminho. Era bonito. E eles dizem que os sonhos não existem.