quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Os Meus Filmes 10: The Bourne Ultimatum

Para mim a trilogia Bourne é capaz de disputar com a do Senhor dos Anéis (muito distintos, bem sei) em termos de "achievement" cinematográfico desta década. Eu, claro, prefiro a Bourne - de longe. Pela história em si, somente. Não consigo gostar tanto da fantasia do Senhor dos Anéis, embora reconheça que, fosse eu mais criança (cronologicamente, pelo menos, chamem-me jovem adulto s.f.f.), talvez fosse fã aguerrido. Por esta idade, parece-me muito adocicado, enjoativo de fantasia. E depois há que perceber que, se uma história de fantasia captura o nosso interesse, é porque há um motivo profundamente humano sob a mesma. A partir do momento em que cremos tê-lo descodificado, o interesse já não é o mesmo.

Bourne foi para mim uma história interessante, desde logo. Não se lembrem, peço-vos, logo da vertigem das perseguições - que isso diz-me tanto ou tão pouco como as batalhas para chegar a Mordor. Eu passo bem sem o ênfase dado a essas partes do filme. Por ser preguiçoso? Talvez.

Mas devo elogiar a saga Bourne pelo prazer intelectual, o enredo bem conseguido. E, para mim o mais importante, a consagração de Bourne como o Bond da nossa geração. Porque nós somos assim, no extremo dos extremos, se a nossa sobrevivência estiver em risco, se estivermos num país estrangeiro, sem ninguém conhecido, só com dinheiro no bolso e a nossa inteligência para voltar a casa. A minha geração solta já frases básicas em várias línguas (ou deve), domina o telemóvel, os trâmites aeroportuários, o PC em qualquer lugar, o carro em qualquer lugar, etc. Bourne é o "super-homem" de uma geração que se fez à pressa, assimilando velozmente muitas literacias, com uma típica ira de inteligência rápida, de execução trivial de algo que os nossos pais diriam complicado e exigindo preparação.

Nós desenrascamos: acolhemos a maior parte dos seres humanos pelo mundo fora como muito parecidos, querendo as mesmas coisas, gostando do mesmo que nós. Tratamos por igual, desconfiamos por igual, desejamos por igual, tememos por igual, amamos por igual. Os códigos básicos estão inseridos na nossa "mainframe", e o digital, o virtual, é desde logo uma extensão do nosso "self". Precisámos de aprender a movermo-nos pelo campo virtual tanto quanto o físico. Em simultâneo, em várias línguas, com várias novidades a surgir.

Bourne é o herói de uma década - de uma década vazia, em que ninguém liderou, em que a esperança na nobreza do ser humano, face à nudez crua da globalização, do terrorismo, da guerra já viu melhores dias. É esta fusão do físico e informático, no sentido lato de informático (todos os formatos, desde o papel ao PC), da quase robotização, que eu acho apaixonante em quanto é uma hiperbolização da nossa vida real. Há profundidade em Jason Bourne, e eu gosto sempre de profundidade.
E, bom, se a isso juntarmos, como em Bourne Ultimatum, uma Julia Stiles, intensamente "lovable", também sozinha, agora rendida, e condenada, ao "lado" de Bourne - temos um excelente filme (quem é que disse aí "tinha que ser..."? Eu ouvi isso.).

A cadência mecanística das cenas de luta terá o seu interesse; mas, volto a insistir, é, para mim, suplantada por pormenores como os de "desenrascanço" (ponham "make do" para ficar menos tuga), de Bourne, com o seu auto-controlo prodigioso, orientado somente para o fim. Absolutamente brilhante.

De tal forma é absorvente este filme que damos por nós, chegado o genérico, na ressaca do final, a arrumar o DVD de forma também mecanística na caixa. Da forma mais "basic-task-what's-next?" possível.

Ah, e... excelente música.