terça-feira, janeiro 08, 2008

Zeitgeist: A Última Década e o Imperialismo da Imagem

Brilhante artigo de Pacheco Pereira, disponível no Abrupto. Fala de duas ideias em que eu tenho também insistido:

1) Os nossos tempos não estão "certos", não estão de acordo com a natureza das coisas. E, por isso, não podem durar muito. A década de Guterres a Sócrates, que me coube a mim viver, e à minha geração, foram anos sem referências, sem sonhos, sem alma. Não está aqui em causa os próprios protagonistas - as circunstâncias ultrapassaram-nos. Começou com a desilusão na nova esperança de Guterres, passou pela tragédia de Entre-os-Rios, pelo 11 de Setembro, pela Guerra do Iraque, pelo escândalo Casa Pia, pelo drama dos incêndios, pela fuga indigna de Durão Barroso, pela subida de Santana Lopes ao poder, pela eleição de Sócrates. De repente, Portugal ficou mais árido, mais seco, mais triste. De repente as pessoas desconfiaram mais. Depois veio a indústria em peso do lazer individual: DVDs, livros, PC, TVCabo, etc. Não para todos, é certo, mas para muita gente, apesar de tudo. O aumento do lazer individual torna as pessoas mais ensimesmadas, mais solipsistas, menos generosas. Parece ser tudo uma questão de dinheiro, de prazer, do "eu".

Foram anos medíocres, vazios, chocos, mantidos por aqueles que não se quiseram esforçar mais sem ser obrigados, e aqueles que não estiveram para se esforçar sem serem glorificados. Faltou espírito. Houve pouco sentido de País, de comunidade, das nossas virtudes colectivas, do nosso melhor. Em retrospectiva, uma péssima escola de vida. Às vezes posso até ter a tentação de a invocar se não atingir alguns objectivos "maiores" durante a vida, como bode expiatório. Mas não quero.

Olhem em vosso redor para esse "medo de existir". Como diz Pacheco Pereira, o preferir o remediado, com medo da pobreza. Quentinhos à lareira com o "diabo que conhecemos", que esse "diabo que não conhecemos" diz que pode ser pior. Onde estão os bons alunos? Onde os portugueses jovens brilhantes? É preciso chegarem aos 40 como Mourinho (e no futebol, de que eu gosto, mas que é inútil)? E a gerontocracia narcoléptica da nossa sociedade (qualquer dia estamos como os italianos)? E o sonho de infância? E a virtude, o "eu nunca farei"? E os empresários que conseguiram? E os priveligiados que tiveram classe, que quiseram desenvolver a sociedade? E o nosso imenso património intelectual, a nossa cultura? A literária, digo eu, mas a outra também, porque não? E o esforço em equipa de pessoas inteligentes e motivadas? Onde estão as ideias? Onde está a força de vencer? Onde está o génio, a criatividade? O talento? Onde estão os jovens que querer quebrar barreiras impossíveis, e os mais velhos que os ajudam?

2) A outra ideia fundamental: a imagem, a invasão da imagem, a sua omnipresença e a subjugação do conteúdo. Tal como diz Pacheco Pereira, ela ocupa os outros meios. É como se houvesse uma espécie de "imperialismo da imagem": ela invade os outros meios; deixa-os viver, é certo, mas está sempre lá.

Na música parece que a Internet asfixiou a indústria discográfica: há menos produção nacional (como é que é possível fazer carreira em música?). A leitura, o livro, passou a ser só um "hobbie", uma vertente de "entretenimento", uma escolha diferente do DVD, da Internet, da televisão. Nada mais que um "meio".

Um exemplo muito simples na nossa prática laboral são os slides de PowerPoint (sim, servem bem como exemplo). Podem até ter conteúdo, mas está incorporada a ideia de que isso nada vale sem imagem. Não há paciência para o conteúdo sem imagem. Às vezes nem para o conteúdo com imagem. Há razões profundas que estão por detrás desta paixão do ser humano. Este complexo de corvo é muitas vezes o que nos engana. Mas também o que nos faz feliz. Quer-se a imagem, a beleza, como posse, capital. Nunca houve tanto desse capital como hoje. Mas é um capital fictício, não dá para nada - só entretem o nosso "comboio de corda".