E pronto. 'Game over, Bush.'
Vitória de Obama que entusiasma o mundo. Que faz 'tabula rasa' - de tal forma é o oposto de Bush (negro - ou mestiço, se preferirem - multi-racial, com um QI assinalável, passou pelo 'mundo de baixo', e tem origens africanas - e mesmo islâmicas). Dois pólos.
A mudança é tao grande que, naturalmente, só pode, como dizia Nuno Rogeiro, por o conta-quilómetros do táxi 'bode expiatório' a zeros. E acaba um período. Uma era de vazio, ao contrário do que tantos pensavam.
Antes de mais, uma era de vazio de valores:
[1]. A legitimidade de um líder.
Decorre da primeira figura de uma naçao, de um sociedade, que tenha legitimidade para a governar. Antes de mais, legitimidade democrática, é certo. Mas também legitimidade pessoal. Por exemplo, não convém a um preguiçoso defender as virtudes do trabalho. Da mesma forma, alguém que manda uma geração para a guerra deveria, no mínimo talvez, não se ter escusado a um guerra que tivesse tocado à sua geração. Como fez Bush. Num mundo correcto, teria sido McCain a liderar a guerra no Iraque - cujos frutos ainda é cedo para apurar - porque poucos políticos teriam a sua legitimidade. Mas eu ainda me lembro da minha estupefacção ao ver McCain, um herói com todas as letras, preterido em 2000 por um homem algo estranho, com pouco brilho, de um país onde a inteligência, naquela altura, pelo progresso científico avassalador (na Biologia, sobretudo, estávamos ainda a sair da revolução na Genética), impressionava. Quer dizer, para nós que estávamos à espera da universidade nada havia no mundo como o meio universitário americano. Era ali que o magma fluía. E, no entanto, surgia aquele homem, de uma simplicidade nem sequer inteiramente genuína. Quase um menino folgazão, que, no caso português, teria pertencido à Associação de Estudantes, praxado e bebido Super Bock ao pequeno-almoço, depois se aninhando nas empresas do pai, para agora ir liderar o país. E falam eles do Santana Lopes.
Mais tarde eu daria algum crédito a Bush. E a História pode com ele ser muito mais benevolente que aquilo que nós somos, agora. A invasão do Iraque, malgrado outras motivações, pode criar um tampão muito importante na região. Como dizia o Pacheco Pereira, essa devia ter sido a motivação desde o primeiro momento.
E, não só Bush valia mais que aquilo que eu cria (embora eu nunca tenha sido fã dele, já naquele então, em 2000, eu apreciava McCain particularmente, houve outra coisa que com ele se tornou mais óbvio: é que o presidente, a figura cimeira é muitas vezes meramente instrumental. Eu pensava, na minha ignorância, que tinha que ser uma grande pessoa. Ainda mais numa grande nação, como a americana. Mas... afinal não era assim. Havia uma série de gente a pensar a vida da sociedade, ideólogos, 'think tanks', etc., pelo que o presidente era mais um pormenor - era instrumento de uma ideologia.
E tudo fazia, enfim, algum sentido. Bush não tinha estatura pessoal para líder. Mas talvez, então, ele estivesse ali como veículo de uma ideologia - conservadora, ou neo-conservadora, se quiserem. Havia algo maior que ele. Um país, uma sociedade, uma política. E isso jogava bem com o facto de ele, para um líder, não ser particularmente orgulhoso ou egocêntrico, mas até acessível.
Era essa então a legitimidade de Bush - impossível a legitimidade pessoal - a de um 'projecto' maior que ele. Mas até essa legitimidade, até esse conjunto de valores iria por água abaixo.
[2]. A legitimidade de um visão política.
Veio a crise financeira no final do seu mandato. Pela cartilha liberal que o tinha guiado antes, Bush teria que ter deixado os bancos falir. Era duro, mas era assim. E as regras são mesmo para cumprir - à maneira 'hard' conservadora. Mas... não foi isso que aconteceu. As circunstâncias impuseram-se aos valores, tudo mudou. Os empresário que tivessem falido antes já não sentiam que viviam num mundo duro, mas justo. Era duro para alguns, e nada mais.
Eis assim como, nunca alcançada a primeira legitimidade, por este pormenor maldito, no final do seu mandato, Bush perdeu essa 'segunda' legitimidade também. E é por isso que hoje sai um homem vergado pelos eventos.
[3]. A legitimidade de uma nação.
Há, no entanto, ainda uma outra, uma 3ª legitimidade que Bush comprometeu: a do seu país como paladino da Civilização Ocidental. Embora seja difícil conter as reacções ao 11 de Setembro, que foi algo sem precedentes, ou mesmo controlar aspectos humanos da guerra, em que todos os demónios se soltam, aquilo que aconteceu em Abu Grahib e Guantánamo, não só colidiu com o sistema de valores ocidental, americano. Não só retira legitimidade ao país em posições de princípio futuras. Mas também, de forma preocupante, pode colocar em perigo soldados americanos em situações futuras. Foi algo da mais extrema gravidade, portanto.
Apesar de tudo isto, e digam o que disserem, é cedo para julgar correctamente Bush. Ele governou por anos sem precedente. Enfrentou realidades muito complicadas. Falta perceber o seu legado - Voltará a prosperidade do seu tempo? Haverá um dia um Iraque diferente, nação democrática, emancipando toda a região?
Mas agora é o tempo da mudança de tom, com Obama. Há indicações positivas, mas também grandes - grandes - dúvidas. É refrescante, mas o mundo aí anda perigoso. E complicado.
Obama aparece como higiénico, vivaz e ecuménico. Esperemos que tudo lhe corra bem.
Vitória de Obama que entusiasma o mundo. Que faz 'tabula rasa' - de tal forma é o oposto de Bush (negro - ou mestiço, se preferirem - multi-racial, com um QI assinalável, passou pelo 'mundo de baixo', e tem origens africanas - e mesmo islâmicas). Dois pólos.
A mudança é tao grande que, naturalmente, só pode, como dizia Nuno Rogeiro, por o conta-quilómetros do táxi 'bode expiatório' a zeros. E acaba um período. Uma era de vazio, ao contrário do que tantos pensavam.
Antes de mais, uma era de vazio de valores:
[1]. A legitimidade de um líder.
Decorre da primeira figura de uma naçao, de um sociedade, que tenha legitimidade para a governar. Antes de mais, legitimidade democrática, é certo. Mas também legitimidade pessoal. Por exemplo, não convém a um preguiçoso defender as virtudes do trabalho. Da mesma forma, alguém que manda uma geração para a guerra deveria, no mínimo talvez, não se ter escusado a um guerra que tivesse tocado à sua geração. Como fez Bush. Num mundo correcto, teria sido McCain a liderar a guerra no Iraque - cujos frutos ainda é cedo para apurar - porque poucos políticos teriam a sua legitimidade. Mas eu ainda me lembro da minha estupefacção ao ver McCain, um herói com todas as letras, preterido em 2000 por um homem algo estranho, com pouco brilho, de um país onde a inteligência, naquela altura, pelo progresso científico avassalador (na Biologia, sobretudo, estávamos ainda a sair da revolução na Genética), impressionava. Quer dizer, para nós que estávamos à espera da universidade nada havia no mundo como o meio universitário americano. Era ali que o magma fluía. E, no entanto, surgia aquele homem, de uma simplicidade nem sequer inteiramente genuína. Quase um menino folgazão, que, no caso português, teria pertencido à Associação de Estudantes, praxado e bebido Super Bock ao pequeno-almoço, depois se aninhando nas empresas do pai, para agora ir liderar o país. E falam eles do Santana Lopes.
Mais tarde eu daria algum crédito a Bush. E a História pode com ele ser muito mais benevolente que aquilo que nós somos, agora. A invasão do Iraque, malgrado outras motivações, pode criar um tampão muito importante na região. Como dizia o Pacheco Pereira, essa devia ter sido a motivação desde o primeiro momento.
E, não só Bush valia mais que aquilo que eu cria (embora eu nunca tenha sido fã dele, já naquele então, em 2000, eu apreciava McCain particularmente, houve outra coisa que com ele se tornou mais óbvio: é que o presidente, a figura cimeira é muitas vezes meramente instrumental. Eu pensava, na minha ignorância, que tinha que ser uma grande pessoa. Ainda mais numa grande nação, como a americana. Mas... afinal não era assim. Havia uma série de gente a pensar a vida da sociedade, ideólogos, 'think tanks', etc., pelo que o presidente era mais um pormenor - era instrumento de uma ideologia.
E tudo fazia, enfim, algum sentido. Bush não tinha estatura pessoal para líder. Mas talvez, então, ele estivesse ali como veículo de uma ideologia - conservadora, ou neo-conservadora, se quiserem. Havia algo maior que ele. Um país, uma sociedade, uma política. E isso jogava bem com o facto de ele, para um líder, não ser particularmente orgulhoso ou egocêntrico, mas até acessível.
Era essa então a legitimidade de Bush - impossível a legitimidade pessoal - a de um 'projecto' maior que ele. Mas até essa legitimidade, até esse conjunto de valores iria por água abaixo.
[2]. A legitimidade de um visão política.
Veio a crise financeira no final do seu mandato. Pela cartilha liberal que o tinha guiado antes, Bush teria que ter deixado os bancos falir. Era duro, mas era assim. E as regras são mesmo para cumprir - à maneira 'hard' conservadora. Mas... não foi isso que aconteceu. As circunstâncias impuseram-se aos valores, tudo mudou. Os empresário que tivessem falido antes já não sentiam que viviam num mundo duro, mas justo. Era duro para alguns, e nada mais.
Eis assim como, nunca alcançada a primeira legitimidade, por este pormenor maldito, no final do seu mandato, Bush perdeu essa 'segunda' legitimidade também. E é por isso que hoje sai um homem vergado pelos eventos.
[3]. A legitimidade de uma nação.
Há, no entanto, ainda uma outra, uma 3ª legitimidade que Bush comprometeu: a do seu país como paladino da Civilização Ocidental. Embora seja difícil conter as reacções ao 11 de Setembro, que foi algo sem precedentes, ou mesmo controlar aspectos humanos da guerra, em que todos os demónios se soltam, aquilo que aconteceu em Abu Grahib e Guantánamo, não só colidiu com o sistema de valores ocidental, americano. Não só retira legitimidade ao país em posições de princípio futuras. Mas também, de forma preocupante, pode colocar em perigo soldados americanos em situações futuras. Foi algo da mais extrema gravidade, portanto.
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Apesar de tudo isto, e digam o que disserem, é cedo para julgar correctamente Bush. Ele governou por anos sem precedente. Enfrentou realidades muito complicadas. Falta perceber o seu legado - Voltará a prosperidade do seu tempo? Haverá um dia um Iraque diferente, nação democrática, emancipando toda a região?
Mas agora é o tempo da mudança de tom, com Obama. Há indicações positivas, mas também grandes - grandes - dúvidas. É refrescante, mas o mundo aí anda perigoso. E complicado.
Obama aparece como higiénico, vivaz e ecuménico. Esperemos que tudo lhe corra bem.