[início]
A propósito de transgressão, ontem fui a um clube de strip.
É - deu-me para isso. Esta solidão urbana dá cabo de um gajo. Estou sozinho em casa, tive que me distrair. Ah... enganei-vos! Antes, fui a uma despedida de solteiro. O que me serve de excelente desculpa...
Há um certo encanto em mulheres desnudadas a dançar num palco. Eu sei - é uma coisa subtil. Mas quem tiver olho, sabe apreciar. E naquele famoso clube lisboeta não faltavam, como casa que se preze, as mulheres nuas - nem os homens desesperados.
A propósito de transgressão, ontem fui a um clube de strip.
É - deu-me para isso. Esta solidão urbana dá cabo de um gajo. Estou sozinho em casa, tive que me distrair. Ah... enganei-vos! Antes, fui a uma despedida de solteiro. O que me serve de excelente desculpa...
Há um certo encanto em mulheres desnudadas a dançar num palco. Eu sei - é uma coisa subtil. Mas quem tiver olho, sabe apreciar. E naquele famoso clube lisboeta não faltavam, como casa que se preze, as mulheres nuas - nem os homens desesperados.
[meio]
Mas esse encanto tem um limite, claro. E não estou a falar de uma table dance, pagar e ir embora. Estou a falar de uma certa saturação, depois de ouvir música após música após música de umas senhoras - brasileiras, do leste - que, embora bem torneadas, e muito afoitas na coreografia... parecem acabar por ter uma certa beleza postiça, demasiado igual. É como se todas aquelas luzes azuis e miradas fixas desgastassem a pele.
E, à medida que a emoção inical se desvanece, a coisa fica mais ou menos bem percebida, o olhar deambula pelo espaço. Não é suposto ser assim, claro, e é para isso que tudo está escuro. À minha frente está um velho, um homem velho, toscamente sentado, apesar do fato branco. Tudo nele se concentra no olhar, uma linha recta que faz um ângulo recto com o varão em que ela dança.
A confundir as goemetrias estão as formas curvilíneas dela, subindo e descendo o poste, colando a sua medida voluptuosidade ao metal. Pergunto-me se o olhar dele, visto dela, será tão bem metálico... Ou talvez antes embevecido, não sei. Pergunto-me o que vê um homem daquela idade numa mulher jovem assim, dançando à distância de um copo de whisky? Já não é uma mulher, já não é uma paixão. E já não é só um prazer. É algo mais, uma tentativa de encontrar nela algo perdido em si. É uma tentativa de provar algum daquele esplendor de juventude, voltar atrás. Falar - depois ela irá à mesa dele - com uma mulher jovem. Olhar para os olhos dela, torneá-la com uma conversa. Não ser ávido, ter prazer na própria conversa, a cada segundo.
Não como esses outros idiotas, miúdos, que na mesa de trás soltam suas perspectivas simplórias, pornográficas da vida. Ele gosta daquele próprio acto de falar, devagar. De resto, está em silêncio. Eles partilham e comungam seus desejos - são todos tolamente jovens e lúbricos. Bebem, fazem uma table dance, algo mais ou diferente, e vão-se embora. Ele quer saborear tudo aquilo, toda aquela vida ao seu dispor. Não tem nenhum sítio a que ir, sabe-o bem. Além do fato branco, tem vestidas todas as desilusões da vida - já lhe pagou, já lhe ficou a dever. Não tem nenhum sítio para onde ir.
A seu lado estão dois desportistas. Na verdade, não parecem desportistas. Vestem calças, usam camisas de lúcido padrão, com as mangas não demasiado arregaçadas. E usam óculos. Di-los-ia estudantes de engenharia, por um estereótipo que nem sei bem se será o meu. Mas têm um esforço, um desporto físico no seu olhar. Horas sobre horas, estiveram sentados no mesmo lugar, sem trocar palavra entre si, mas coordenando o olhar. Não era natação sincronizada, mas óculos sincronizados. Olhavam, em conjunto, num rigor impenetrável, profissional, para o palco. Não só para a dançarina do palco. Quando não havia nenhuma a menear seus encantos, eles olhavam fixamente para o palco ainda, num olhar orfão - mas sempre sincronizados. Um deles, levantou-se depois de trocar brevíssimas palavras com uma delas, depois com o seu colega de mirada, e foi com ela, para lá da cortina. Voltou tão composto quanto antes, não olhando para ninguém em seu redor, retomando seu assento e sua função.E eu, embora curioso com aquela inexpressão, diferente dos tolos jovens que o velho desdenhava, não deixava de pensar o quão estranho era assim o prazer individual - em conjunto, e sem emoção, alegria.
Além do palco, do velho, e da dançarina que desce atleticamente o poste, com os olhares dos homens, e seus desejos está um homem ao balcão. Corpulento, de cabelo negro, barba incipiente, ventre dilatado, escondido pela camisa fora das calças, sólido, metido consigo, de olhar desconfiado. Há pouco havia visto um igual. Uma espécie de híbridos do Manuel João Vieira, porque sem ponta de alegria (mesmo a depressiva), e do James Gandolfini. Talvez um Vieira que queira ser um Gandolfini. Que suspeita alguém o possa descodificar, enaquanto sonda a sala. Haveria personagens para um casting dos 'Sopranos' à portuguesa, por aqui. Certamente que os haveria.
[fim]
De tudo isto eu faço piadas para os outros, claro. Sempre gostei de me rir, em qualquer situação. E estava já aborrecido. Embora não estivesse certo que eles se aborreçessem tão cedo quanto eu. Mas chego a perceber isto na minha relação - e certo fascínio - com mulheres: o olhar demasiado, impune, da minha parte, não é algo que eu goste demasiado na mulher que olho. Tenho a convicção de não precisar disso. Gosto de falar com elas, felizmente. Sei que prezo bastante a inteligência feminina. Pergunto-me se muitos daqueles homens que gostam só de olhar assim - impunemente - não vão acabar como aquele velho um dia, tendo mais prazer com a conversa do que com outra coisa qualquer.
E, à medida que a emoção inical se desvanece, a coisa fica mais ou menos bem percebida, o olhar deambula pelo espaço. Não é suposto ser assim, claro, e é para isso que tudo está escuro. À minha frente está um velho, um homem velho, toscamente sentado, apesar do fato branco. Tudo nele se concentra no olhar, uma linha recta que faz um ângulo recto com o varão em que ela dança.
A confundir as goemetrias estão as formas curvilíneas dela, subindo e descendo o poste, colando a sua medida voluptuosidade ao metal. Pergunto-me se o olhar dele, visto dela, será tão bem metálico... Ou talvez antes embevecido, não sei. Pergunto-me o que vê um homem daquela idade numa mulher jovem assim, dançando à distância de um copo de whisky? Já não é uma mulher, já não é uma paixão. E já não é só um prazer. É algo mais, uma tentativa de encontrar nela algo perdido em si. É uma tentativa de provar algum daquele esplendor de juventude, voltar atrás. Falar - depois ela irá à mesa dele - com uma mulher jovem. Olhar para os olhos dela, torneá-la com uma conversa. Não ser ávido, ter prazer na própria conversa, a cada segundo.
Não como esses outros idiotas, miúdos, que na mesa de trás soltam suas perspectivas simplórias, pornográficas da vida. Ele gosta daquele próprio acto de falar, devagar. De resto, está em silêncio. Eles partilham e comungam seus desejos - são todos tolamente jovens e lúbricos. Bebem, fazem uma table dance, algo mais ou diferente, e vão-se embora. Ele quer saborear tudo aquilo, toda aquela vida ao seu dispor. Não tem nenhum sítio a que ir, sabe-o bem. Além do fato branco, tem vestidas todas as desilusões da vida - já lhe pagou, já lhe ficou a dever. Não tem nenhum sítio para onde ir.
A seu lado estão dois desportistas. Na verdade, não parecem desportistas. Vestem calças, usam camisas de lúcido padrão, com as mangas não demasiado arregaçadas. E usam óculos. Di-los-ia estudantes de engenharia, por um estereótipo que nem sei bem se será o meu. Mas têm um esforço, um desporto físico no seu olhar. Horas sobre horas, estiveram sentados no mesmo lugar, sem trocar palavra entre si, mas coordenando o olhar. Não era natação sincronizada, mas óculos sincronizados. Olhavam, em conjunto, num rigor impenetrável, profissional, para o palco. Não só para a dançarina do palco. Quando não havia nenhuma a menear seus encantos, eles olhavam fixamente para o palco ainda, num olhar orfão - mas sempre sincronizados. Um deles, levantou-se depois de trocar brevíssimas palavras com uma delas, depois com o seu colega de mirada, e foi com ela, para lá da cortina. Voltou tão composto quanto antes, não olhando para ninguém em seu redor, retomando seu assento e sua função.E eu, embora curioso com aquela inexpressão, diferente dos tolos jovens que o velho desdenhava, não deixava de pensar o quão estranho era assim o prazer individual - em conjunto, e sem emoção, alegria.
Além do palco, do velho, e da dançarina que desce atleticamente o poste, com os olhares dos homens, e seus desejos está um homem ao balcão. Corpulento, de cabelo negro, barba incipiente, ventre dilatado, escondido pela camisa fora das calças, sólido, metido consigo, de olhar desconfiado. Há pouco havia visto um igual. Uma espécie de híbridos do Manuel João Vieira, porque sem ponta de alegria (mesmo a depressiva), e do James Gandolfini. Talvez um Vieira que queira ser um Gandolfini. Que suspeita alguém o possa descodificar, enaquanto sonda a sala. Haveria personagens para um casting dos 'Sopranos' à portuguesa, por aqui. Certamente que os haveria.
[fim]
De tudo isto eu faço piadas para os outros, claro. Sempre gostei de me rir, em qualquer situação. E estava já aborrecido. Embora não estivesse certo que eles se aborreçessem tão cedo quanto eu. Mas chego a perceber isto na minha relação - e certo fascínio - com mulheres: o olhar demasiado, impune, da minha parte, não é algo que eu goste demasiado na mulher que olho. Tenho a convicção de não precisar disso. Gosto de falar com elas, felizmente. Sei que prezo bastante a inteligência feminina. Pergunto-me se muitos daqueles homens que gostam só de olhar assim - impunemente - não vão acabar como aquele velho um dia, tendo mais prazer com a conversa do que com outra coisa qualquer.