Há um traço de personalidade que é, para mim, particularmente intrigante e interessante, e que tentarei partilhar aqui na esperança que alguém mais o tenha detectado.
Começemos pelo facto básico: as pessoas, tantas vezes, não são grande coisa umas para as outras. Permitem-se desconsiderações, desonestidades, canalhices, mesmo perversões e agressividades. Nada de novo. É a face lunar do ser humano.
Reparo, no entanto, que existe determinado tipo de pessoas que, não se permitindo esses excessos, toleram praticamente tudo a tantos. "É assim...", "o que é que queres...", "não há nada a fazer...", "ah, pois, já sabes como é...". Quer dizer, elas não ferem o espírito da colectividade (às vezes são mesmo excelentes pessoas), mas suportam infracções várias, assumem-nas como um facto natural. São, de algum modo, uma espécie de "vencidos da vida", no sentido em que deixam de lado um sentido de Justiça e Moral. Não conhecem mais qualquer tipo de idealismo. E o caso é ainda mais grave quando surge na juventude, quem sabe surja com alguma frequência até.
Dedicam-se a fazer o seu trabalho com o mínimo de ondas, melindrar o mínimo de pessoas, passar por cima de todas as pequenas canalhices (não falo de crimes, mais bem das pequenas vilanias repetidas). Algum horizonte de futuro, alguma outra forma de vida as anima para não protestar e amordaçar os instintos vez após vez. Algum dia se esqueceram que "eles" não devem fazer "aos outros", "aquilo que não gostam que lhes façam". Mas, com a consciência tamponada, condescendem.
A grande questão de fundo é antiga demais: o medo. O medo de perder o emprego, o medo de uma retaliação, o medo de que a sua situação piore em consequência disso ("better the devil we know than the devil we don´t"), sempre o medo, num país que se sente pequeno, a sociedade ainda mais pequena. Está fora de moda levatar a voz por um princípio. Está fora de moda levantar a voz por uma vítima (às vezes as vítimas também traem os próprios defensores, mas essa é outra história). É mais bem uma questão de cumprir o seu trabalho, e aproveitar ao máximo o alheamento que nos garante uma indústria de lazer que ainda não conhece limites.
Esta condescendência com coisas graves que se passam não é saudável. Tende a criar clones, a repetir-se, a ter um efeito dominó "Ai é assim? Então eu também me estou a lixar". É que, quando um dia aceitamos praticamente tudo nos outros, se não temos cuidado, acabamos a aceitar praticamente tudo em nós. A condescendência e a habituação são tão forte analgésico - primeiro toleramos demasiado os outros, depois toleramo-nos demasiado. E esse é sempre um caminho perigoso.
Começemos pelo facto básico: as pessoas, tantas vezes, não são grande coisa umas para as outras. Permitem-se desconsiderações, desonestidades, canalhices, mesmo perversões e agressividades. Nada de novo. É a face lunar do ser humano.
Reparo, no entanto, que existe determinado tipo de pessoas que, não se permitindo esses excessos, toleram praticamente tudo a tantos. "É assim...", "o que é que queres...", "não há nada a fazer...", "ah, pois, já sabes como é...". Quer dizer, elas não ferem o espírito da colectividade (às vezes são mesmo excelentes pessoas), mas suportam infracções várias, assumem-nas como um facto natural. São, de algum modo, uma espécie de "vencidos da vida", no sentido em que deixam de lado um sentido de Justiça e Moral. Não conhecem mais qualquer tipo de idealismo. E o caso é ainda mais grave quando surge na juventude, quem sabe surja com alguma frequência até.
Dedicam-se a fazer o seu trabalho com o mínimo de ondas, melindrar o mínimo de pessoas, passar por cima de todas as pequenas canalhices (não falo de crimes, mais bem das pequenas vilanias repetidas). Algum horizonte de futuro, alguma outra forma de vida as anima para não protestar e amordaçar os instintos vez após vez. Algum dia se esqueceram que "eles" não devem fazer "aos outros", "aquilo que não gostam que lhes façam". Mas, com a consciência tamponada, condescendem.
A grande questão de fundo é antiga demais: o medo. O medo de perder o emprego, o medo de uma retaliação, o medo de que a sua situação piore em consequência disso ("better the devil we know than the devil we don´t"), sempre o medo, num país que se sente pequeno, a sociedade ainda mais pequena. Está fora de moda levatar a voz por um princípio. Está fora de moda levantar a voz por uma vítima (às vezes as vítimas também traem os próprios defensores, mas essa é outra história). É mais bem uma questão de cumprir o seu trabalho, e aproveitar ao máximo o alheamento que nos garante uma indústria de lazer que ainda não conhece limites.
Esta condescendência com coisas graves que se passam não é saudável. Tende a criar clones, a repetir-se, a ter um efeito dominó "Ai é assim? Então eu também me estou a lixar". É que, quando um dia aceitamos praticamente tudo nos outros, se não temos cuidado, acabamos a aceitar praticamente tudo em nós. A condescendência e a habituação são tão forte analgésico - primeiro toleramos demasiado os outros, depois toleramo-nos demasiado. E esse é sempre um caminho perigoso.