quarta-feira, janeiro 28, 2009

Num Momento Royco Coup-a-Soup

A sopa é algo com mais profundidade do que aparenta. Não me refiro à fundura do prato que oculta, à real quantidade daquilo que é. Tão pouco ao facto de, quente, e quando estamos famintos, nos poder enganar em relação ao que esperamos de um mero alimento: engana-nos divinalmente se afinal tem um sabor desmerecido pelo estatuto de prato secundário, ou introdutório; e engana-nos também vilmente quando afinal, já azedou, já está estragada, e não a podemos consumar. Nem mesmo digo com a primeira frase que penso na sopa como metáfora da vida, o que, tudo considerado, não seria inteiramente descabido: como a vida, é complexa, rica, quente, fria, surpreendente, enfadonha e exultante. E oculta sempre a distância do fim.

Antes considero aqui a sopa do ponto de vista da análise de personalidade. Assim uma espécie de 'psicanálise da sopa'. Até que ponto a sopa se pode relacionar com a nossa personalidade? Ou antes, até que ponto a nossa personalidade pode ser revelada pela nossa relação com a sopa - esse prato aparentemente tão amorfo?

Recordam-se deste post, em que falo sobre como um estereótipo de Seinfeld pode ser aplicado em Portugal? O do 'Nazi da Sopa', nem mais. Mas o que era então um 'Nazi da Sopa'? Nada mais que uma pessoa que insiste em ter as coisas feitas segundo regras absurdas, no sentido em que estão alheadas de uma finalidade práctica de lógica palpável à grande maioria das pessoas. Long story short: são picuinhas.

Ora, e vocês estão por esta altura a recordar inúmeros exemplos (ainda não? então é no final da frase) de situações em que alguns portugueses mereceram, aos vossos olhos, tal classificação. O senso-comum, na percepção da personalidade, e de que me farei por momentos imodesto porta-voz, diz que existem por aí bastantes tugas 'Nazis da Sopa' completamente à solta. Não me interpretem mal. Porquanto não seja, de todo, pristino, gosto das coisas bem feitas. Mas ninguém tem paciência para as coisas 'bem-feitinhas'. Amigo - a vida está a contar.

Ainda, presumidamente, mandatado pelo bom-senso colectivo diria que em Portugal concordamos que não existem nazis (que me desculpem os senhores calvos do cartaz contra os imigrantes - mas eles existirão mesmo em menor número que os próprios emigrantes em solo nacional), e isso é algo de que nos devemos orgulhar. No entanto, temos uma boa quota-parte de 'Nazis da Sopa'. Gente que não mata (à partida) - mas, caramba, - mói bastante.

Assim, na transversal entre a portugalidade e o estereótipo de Seinfeld, emerge o conceito de 'nacional-sopismo'. Há muito nacional-sopismo em Portugal, meus amigos. Não tenham dúvidas.

Eis, pois, o primeiro exemplo da importância - inusitada - da sopa como elemento adjectivante. Segue-se outro: o da sua relação com a produtividade.

Quantos tipos de sopa existem? Sim, a vichyssoise conta. Mas não é preciso ir tão longe. Temos, desde logo, uma diferença primordial na sopa que é colocada no vosso prato: ou é feita com todos os elementos cortados, cozidos, triturados e apurados, com algumas excepções - ou, então, é instantânea, e requer somente que se lhe adicione água quente.

Ora, desta diferença de produção, desde logo, se pode aferir a produtividade de quem faz a sopa. Uma pessoa esmerada e que se incomode faz a primeira, uma pessoa preguiçosa, a segunda. É certo que em Portugal não é muito comum as pessoas abdicarem da manufactura tradicional da sua sopa. Porque têm bom gosto. Ou, então, quem sabe, porque são esquisitinhas - isto é, 'Nazis da Sopa'. Nem mais.

E agora cada um se pode perguntar: eu sou um 'sopeiro' tradicional, ou um 'sopeiro' instantâneo? Esmerado ou preguiçoso?

Pois é. É que eu lembrei-me da pergunta a propósito da minha Preguiça. A Preguiça é um pecado que me é bastante grato. Acho-o um pecado estúpido, no entanto. Mas é só um pecado estúpido. Os outros são bem graves. Por isso gosto de dizer que a Preguiça não será tanto 'a mãe de todos os vícios', como a abstinência de todas as virtudes. Penso na Preguiça assim mesmo - como uma abstinência, quase que da vida. Do seu melhor, e do seu pior.

Ainda assim, tenho dúvidas que seja 'preguiçoso', por definição clássica. Mais bem expectante, mais bem contemplativo. Nada disso será bom, mas... conheço tantas características tão piores.

A feitura deste blog, por exemplo, que serve para mim como um pequeno escape artístico (sem exageros na palavra) já tem servido a 'apontadores de dedo', por exemplo, para um dichote de arremesso. Nomeadamente, dizem que só 'ando a fazer' este blog. Bom, mesmo se tal fosse verdade, e não sendo dito 'com má intenção', a questão da crítica à minha Preguiça é em si mesma o melhor exemplo do 'nacional-sopismo' - é um fixar numa 'pequenice'. E fica bem, esta circularidade ao texto.

E é, portanto, a quem pensa que eu 'só ando a fazer' o blog, que, pela inspiração concedida, acabo a dedicar este singelo vídeo. E, se houver dúvidas, pensemos assim: estou num 'Momento Royco Coup-a-Soup'.



É do caneco.