Decidi (os estatutos assim o permitem) suprimir o Olivus Award para Música, e converti-o em Filme do Ano. Porquê? - porque, não sendo um cinéfilo propriamente dito, muito menos sou um apreciador refinado de música. Em termos musicais, pertenço à escola: "Don't know much about Art, but I like that!" (aponta para mapa de emergência do museu, pensando que se tratava de um Paula Rego).
Já em termos de cinema, há uma enorme diferença: é exactamente o mesmo, embora eu me atreva a opinar.
Oiçam... o Óscar manda nos prémios dele - e eu mando nos meus.
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Pois bem. De novo deixando piadas, e passando a assuntos sérios, há um filme que merece, 'far and away' o prémio, e refiro-me obviamente ao "Batman: The Dark Knight".
Nada direi da realização, nada direi da produção, nada direi da iluminação (?). Mas facilmente se percebe a qualidade dos actores (estamos a falar de um filme que se dá ao luxo de ter Michael Caine e Morgan Freeman como actores secundários), sobretudo pela suprema (excessiva?) dedicação de Heath Ledger ao papel de Joker.
Quer o admitamos, quer não, o advento da morte de Ledger veio dar ainda mais força artística a este personagem, para o tornar inesquecível. Esperemos que não tenha sido essa a intenção de Ledger - nem mesmo a Arte se sobrepõe à Vida. Pelo contrário - deve celebrá-la. E a sua morte é uma tragédia que nada justificaria.
Assumindo-a embora, acontece que as próprias idiossincrasias de Joker, com a sua cara oculta, parcialmente desfigurada, contribuem para que, na mente do espectador, se suma para sempre Heath Ledger. Substitui-o uma personagem... uma sua obra de Arte. É como se não fosse bem Heath Ledger que faz de Joker, mas outrém. De repente, parece até que não há actor, quase como se um Joker existisse. É como se Ledger tivesse pensado em tudo, e quisesse confundir o antes e o depois, o vivo e o não-vivo - com uma criatura estranha pelo meio.
O enredo do filme, para mais, é bom, por exemplo, na exploração da natureza humana com o dilema da aniquilação mútua (situação dos barcos), mas, sobretudo, no sacrifício de Batman, a sua maldição à clandestinidade para manter, nas pessoas - no 'mainstream' - uma ilusão de esperança. Também de ilusões, de esperanças, vivem as sociedades humanas. E, por entre a racionalidade, o hábito, também dos seus próprios heróis.
Confesso que, tantas vezes, o meu estilo de filme não é mesmo este. Parecia-me ter demasiada acção (no meu caso 'demasiado' é practicamente uma perseguição de carros), demasiado fogo-fátuo por cima de vacuidade do enredo, fluindo com interrupções na qualidade... Grande - grande - surpresa: "Batman: The Dark Knight" 'limpa' tanto os elogios do 'comercial', como do 'intelectual'. E arrisco dizer que, além de filme do ano, tem lugar, necessariamente, numa reflexão sobre o cinema que se fez esta década.