"- Já me perguntei se seria uma coisa de mulheres. Sem mulheres não há sonhos. Há só viver, continuar. Há estudo, teoria de vida, tentativa de perceber um mundo que é demasiado violento. Mas sem mulheres não há o sonho de o mudar. Não há porque o confrontar.
- E quando é que deixaste de sonhar?
- Acho que me habituei. De noite acordas e achas que não sonhaste durante a noite. Pela manhã vais trabalhar sem te lembrares que alguma vez quiseste algo diferente.
- Mas terás realmente sonhado, algum dia?
- Eu... Eu acho que sim. Já não me lembro bem, ao certo. É uma leve impressão quando me levanto - há algo nessa noite que não cheguei a perceber. E é uma leve impressão quando estou a trabalhar, a falar com pessoas: algo está mal, algo deveria estar diferente. Há algo fora de tom. O sonho deve ser então o regresso a alguma harmonia perdida. Uma harmonia que é tão provável, tão possível, que tu sentes poder existir, subcutânea... Mas que não está lá.
- Não sabes se sonhas com algo ou com alguém?
- Não. Mas tenho a impressão, ligeira, insinuada, de que sonho com algo que virá com alguém."