sexta-feira, novembro 17, 2006

Hoje vi o mundo

Escrevo este texto, após um dos momentos que na passada semana mais assolaram os media e toda a comunicação social no contexto da actualidade mundial. E sem motivo para menos: a conclusão do julgamento e consequente condenação de Saddam Hussein à pena de morte por enforcamento. E estou aqui neste momento a escrever sem qualquer fundamento moral, no que respeita à justiça ou não do resultado final deste já longo processo. Isto é não vou aplicar aqui uma doutrina moralista sobre se a pena é ou não adequada às acusações pendentes sobre o acusado, e muito menos entrar por um campo muito controverso, que é normal neste tipo de divagação, e ao qual é quase impossível fugir nestas situações: a pena de morte.
Pessoalmente sou mais contra do que a favor, mas existem muitas condicionantes, e como tal não tenho uma opinião absoluta que se possa afirmar como íntegra, inabalável e irrefutável, perante factos e ideias externos que quase todos os dias colocam as minhas à prova. Especialmente quando são as minhas próprias ideias que colocam as minhas teses à prova, estas têm de ser alvo de mais reflexão, sabedoria e experiência que só o tempo nos proporciona, e o crescimento como indivíduos que somos.
Mas não vou escrever sobre o indivíduo e todas as múltiplas vertentes do seu carácter e personalidade, vou escrever sobre "um indivíduo" que para mim tomou uma das atitudes mais bárbaras e sanguinárias, precipito me a dizer, que o estado de democracia permite: o do regozijo e celebração da morte de um indivíduo.
Hoje vi George W. Bush fazer disso um motivo de manifestação pública num congresso, cujo ambiente de festejo e congratulação, era contagioso a todos os que ouviam o discurso eleitoralista que Bush proferia. Cada palavra minimamente pensada num discurso totalmente virado para despertar o entusiasmo numa plateia que celebrando efusivamente com palmas e toadas bárbaras e primitivas se iam esquecendo da política miserável do seu presidente camuflando temporariamente o que acabaria por suceder mais tarde, a vitória dos democratas, tanto no senado como na câmara dos representantes.
Hoje vi o líder de uma grande nação aproximar-se mais um passo na direcção da inconsciência e da animalidade, do terror subjacente à expressão " afinal quem é que manda aqui ?" celebrando a morte de um homem, que merecendo ou não, não é essa a questão de que aqui se trata. Entenda se aqui claramente que não estou a discutir a legitimidade nem o quanto esta sentença é, ou não adequada nos cânones da justiça iraquiana, mundial, e humana, pois para quem comete crimes da dimensão bárbara de que Saddam é acusado, não há pena possível nas dimensões do humano a aplicar por forma a possibilitar a rebilitação de alguém e sua consequente re-inserção na sociedade. Não há, ponto.
Acho simplesmente, que um indivíduo que se encontra na posição que ocupa o Presidente dos Estados Unidos, não deveria dar a uma nação eleitora, que toma o líder do seu país como um modelo (a seguir ou não) estas mostras completamente primitivas "do ser mais forte", da mostra de poder exacerbado por uma posição e um status hierarquicamente mais elevado, comparável a uma cadeia alimentar em que todos os outros ficam abaixo, submissos à hegemonia dos mais fortes.
Abrir uma janela destas, é escancarar totalmente uma porta, sem precedentes a um mundo muito pior sem carácter humanitário onde ele é mais preciso, no respeito pela vida e morte dos indivíduos, e repito mais uma vez, quer estes o mereçam ou não, à luz da justiça óbviamente. Estou só a tentar desenvolver aqui uma ideia que é pouco comum nos dias de egoísmo que se vivem actualmente, a de que nestas questões que implicam a vida e a morte não somos ninguém para julgar, e quanto a mim, o facto que é condenável em toda esta situação, ainda pior que o valor atribuído a esta condenação (repito mais uma vez, justa ou não), é a celebração desse facto.
Os Estados Unidos marcaram a sua posição neste conflito estratégico que decorreu sobre a égide de uma premissa falsa (a do pseudo armamento químico do Iraque), mais uma questão à qual não me vou referir sequer, tal é o transtorno que me causa sequer pensar que legitimidade e autoridade terá um indivíduo que usa um argumento falso para criar uma guerra, com todas as consequências que esse facto envolve, de se congratular com a morte de outro homem.
"What goes around comes around", they say, mas quando um dos homens mais poderosos do planeta, atravessa a ténue linha que nos torna humanos e deambula no mundo vingatório da manipulação e abuso de poderes, nada impede as mentes mais influenciáveis e moldáveis de seguirem estes comportamentos da falta de noção humanística da realidade.
Não tenho absolutamente nada contra os Estados Unidos (a não serem os factos que já referi anteriormente), entenda-se e sinceramente acredito que o mundo seria um local mais hostil e conturbado, sem a sua posição de respeito hegemónico, invariavelmente decorrente de décadas de história que só são necessárias para um mundo melhor se foram para proporcionar a liberdade, a quem esta não se constitui como um direito essencial nos dias que correm. Tenho apenas problemas e medo em relação a certas políticas manipulatórias de um nível barato e bacoco, de manipulação e alteração de factos, informação e documentação afim de interesses próprios, e sem querer entrar numa toada conspiraccionista, acho que os caminhos actuais de política externa dos estados unidos se encontram de alguma maneira apontados nessa direcção.
Não vou sequer referenciar acontecimentos actuais, pois estes estão à luz de qualquer pessoa que se informe minimamente e se mostre interesse nestas questões da actualidade.
Estados Unidos: sim. Políticas totalitárias, manipulatórias e imoralismos: não, obrigado.
Hoje vi o mundo afastar se um passo mais da moralidade e bom senso.

Hoje vi o mundo ...

e não gostei do que vi